Conferência Nacional do Meio Ambiente abre nova etapa na relação entre movimentos sociais e MMA
2005-12-12
A segunda edição da Conferência Nacional de Meio Ambiente (CNMA) comprovou, já em seu primeiro dia, que a relação política entre o governo federal e os movimentos sociais da área ambiental está entrando em uma nova etapa. As falhas do processo de organização da conferência, sobretudo em relação à não implementação de parte das resoluções da primeira CNMA, estão presentes, assim como não faltam críticas a alguns pontos polêmicos da política ambiental do governo Lula, como biossegurança, gestão de florestas ou transposição do São Francisco, entre outros. Ao mesmo tempo em que mantêm a postura crítica, no entanto, os movimentos aproveitam a CNMA para reafirmar seu apoio, no geral, à política desenvolvida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Dada a proximidade das eleições presidenciais, o clima político entre os ambientalistas é de reafirmação da aliança que levou Marina Silva ao MMA. Apesar das falhas que são apontadas no atual governo, a possibilidade de que a política ambiental mude de rumo a partir de 2007 não é vista com simpatia pelos movimentos sociais.
A ministra captou muito bem o ambiente político da CNMA. Na cerimônia de abertura, apesar de ter afirmado no início de seu discurso que não faria um balanço de sua gestão, Marina fez uma firme defesa da política do MMA e mais de uma vez ressaltou que a equipe do ministério era composta por quadros saídos do movimento ambientalista. Além de justificar algumas posições do MMA, criticadas pelos movimentos, pela necessidade de se construir uma política de governo, a ministra não evitou nenhum dos temas polêmicos, se posicionando politicamente sobre todos eles e conquistado em vários momentos o aplauso da platéia composta por parte dos cerca de mil e quinhentos delegados e observadores presentes à CNMA.
— Quando recebi o convite do presidente Lula para assumir o ministério, ele me disse de forma muito clara que não queria de mim a implementação de uma política setorial, mas sim a implementação de uma política de governo. Nesse período à frente do ministério, eu e minha equipe percebemos que, mais ainda, era preciso implementar uma política de país - disse a ministra. Além de afirmar que quem está no governo está para fazer mediação, Marina citou o processo de organização da CNMA como exemplo da vontade do governo de construir suas políticas públicas com a participação de todos os setores da sociedade civil:
— A responsabilidade sobre um país com a magnitude do Brasil não pode ficar somente nas mãos dos governantes - disse.
Apesar de parte das entidades do movimento reclamar maior participação na elaboração de políticas públicas, Marina afirmou que uma vitória de sua gestão foi potencializar a participação da sociedade civil em colegiados como o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), o Conselho Nacional de Florestas (Conaflor) e o Conselho Nacional de Biodiversidade (Conabio), entre outros. Mesmo afirmando não querer satanizar o governo anterior, a ministra avaliou o esforço do atual governo pela adoção de uma política ambiental integrada como uma mudança de paradigma:
— Até aqui, a questão ambiental sempre era tratada de forma isolada pelo governo federal - disse.
São Francisco, transgênicos, etc Ao falar em políticas integradas, Marina adentrou terrenos políticos perigosos, como o da transposição do Rio São Francisco, execrada pela maior parte do movimento. A ministra tentou convencer os ambientalistas de que o lado bom da questão é que a revitalização do rio, reivindicação histórica, vai finalmente sair do papel:
— Sei que vocês estão legitimamente preocupados - disse, antes de afirmar que o governo trabalha em diálogo permanente com o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco:
— Agora, já dispomos de R$ 100 milhões para aplicar no programa de revitalização, isso representa uma mudança na visão do governo. Temos que separar o joio do trigo. Muitos governantes que usam a necessidade de revitalização para criticar a transposição jogaram esgoto in natura no rio durante anos - disse.
Marina citou também a anunciada redução do ritmo de desmatamento da Amazônia para justificar a necessidade de políticas interministeriais:
— A redução de 31% é importante , mas não é motivo para baixarmos a guarda. O maior desafio do nosso governo agora é não deixar o ritmo do desmatamento voltar a crescer - disse. A ministra voltou a defender o Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, também criticado por parte do movimento:
— Antes eu também era contra a idéia, mas a vida me ensinou que a melhor forma de preservação é ter um marco legal que permita que a floresta pública continue floresta e continue pública - disse.
Em relação à Lei de Biossegurança, Marina Silva marcou posição:
— Claro que fui derrotada na questão dos transgênicos, mas mais derrotado ainda foi o país. É preciso procurar o equilíbrio, o Brasil não precisa ter uma lei permissiva para fortalecer apenas um modelo - disse. Mesmo reconhecendo que a lei não é boa, a ministra identificou alguns avanços na regulamentação do decreto de implementação, como a necessidade de quorum de dois terços para que a Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia (CTNBio) aprove a liberação comercial dos transgênicos:
— O presidente Lula não hesitou em optar pelos dois terços e, com isso, acredito que recuperamos parte do princípio de precaução - disse.
Maior participação Nem tudo são flores, no entanto, e os movimentos sociais cobraram uma maior participação nos processos de deliberação e implementação de políticas públicas. Falando pela sociedade civil na cerimônia de abertura da segunda CNMA, Maria Dolores Andrade, de 81 anos, foi aplaudida de pé pela plenária:
— Queremos pedir às autoridades que nos integrem às suas ações, que nos façam partícipes da elaboração de políticas - disse Maria Dolores, que é diretora da Fundação Bernardo Feitosa, do Ceará. Representante da Associação de Municípios e Meio Ambiente (Anama), Hélio Wanderley valorizou a conferência como instrumento de participação da sociedade brasileira, mas também cobrou maior participação:
— Muitas vezes quem está no governo se perde, por isso a sociedade deve indicar caminhos - disse.
O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) divulgou nota na qual reconhece as dificuldades no processo da II CNMA, com as suas conferências estaduais e dificuldades de mobilização e afirma que é importante destacar as críticas que apontam para um aprimoramento do processo como, por exemplo, as referentes à pouca visibilidade das ações do Ministério do Meio Ambiente.
A nota afirma ainda que alguns setores questionam também a não-implementação das resoluções da primeira conferência e a falta de transparência na aplicação de políticas públicas. Assim, as deliberações que foram implementadas, segundo o MMA, ou que estão em processo de implementação, precisam ser claramente comunicadas para serem conhecidas pela sociedade brasileira. Apesar das ressalvas, as ONGs, no entanto, defendem a conferência:
— O FBOMS defende a participação das entidades ambientalistas, dos movimentos sociais, trabalhadores, indígenas, quilombolas e extrativistas no processo da II CNMA, que é o melhor espaço para pressão política em relação às temáticas ambientais. (Agência Carta Maior, 11/12)