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2005-12-12
Nos anos 60, em busca de uma alternativa para alimentar os rebanhos no rigoroso inverno do Rio Grande do Sul, quando a produção das pastagens naturais diminui, o governo estadual decidiu fazer testes com o capim Rhodes, trazendo sementes da África. Sem qualquer tipo de estudo, parte do material importado seguiu para uma estação experimental no município de Tupanciretã, no centro do estado. O restante foi para a região de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. O que não se sabia era que, misturado com essas primeiras sementes, estava um problemático intruso: o capim annoni. A gramínea é hoje uma espécie invasora, uma praga que infesta parcela significativa do Pampa no Rio Grande do Sul e de várias outras regiões do País.

O capim acabou batizado desta forma graças a produtores rurais como Ernesto José Annoni. Entusiasmado com a fácil proliferação e resistência da espécie, Annoni plantou a gramínea estrangeira em suas terras em Sarandi. Também colheu, vendeu e difundiu sementes em exposições. No entanto, pesquisas posteriores mostraram o baixo valor do capim como alimento para o gado, que nem conseguia digeri-lo totalmente. Em 1978, a comercialização de sementes foi proibida. Apesar disso, a medida se mostrou tardia, pois cerca de 20 mil hectares já haviam sido invadidos.

De acordo com estudos da Embrapa Clima Temperado, de Bagé, o annoni estaria ocupando hoje uma área superior a 500 mil hectares no Rio Grande do Sul. A ameaça é ainda maior porque o capim espalha um herbicida natural pelas raízes e impede o crescimento de outras espécies.

Apesar da gramínea africana ser um grave problema para o Pampa (região plana, na língua indígena), os vastos campos, matas ciliares e de encostas, banhados e capões (bosques isolados) que caracterizam o bioma têm enfrentado a chegada de outras espécies estranhas, como uva-do-Japão, acácia-negra, capim-braquiária, tojo, pinus, javali, lebre européia e outros. A invasão de ecossistemas por espécies exóticas é considerada a segunda maior causa de perda de biodiversidade em todo o planeta, logo atrás da degradação ambiental causada pelo Homem.

Para a coordenadora do Programa de Espécies Exóticas Invasoras para a América do Sul da The Nature Conservancy e diretora-executiva do Instituto Hórus, Sílvia Ziller, o problema das espécies invasoras acaba se ampliando porque quem planta espécies exóticas não controla . – Não há lei, nem regulamentação e nem cobrança do poder público sobre esse tipo de atividade. Isso acaba trazendo problemas para o meio ambiente, à economia e também à sociedade-, disse a engenheira florestal.

Além da invasão por exóticas, outras ameaças ao Pampa são a expansão descontrolada da soja e do arroz, o desmatamento, a caça, o empobrecimento de solos pelo uso excessivo de maquinário e de agrotóxicos em solos muitas vezes frágeis. Segundo dados da Fundação Estadual de Economia e Estatística (FEE/RS), a produção de soja em todo o Rio Grande do Sul foi de 5,6 milhões de toneladas, em 2002, e de 9,5 milhões de toneladas, em 2003. No ano passado, principalmente pela seca, a safra da oleaginosa foi de 5,5 milhões de toneladas. A área plantada foi de 4 milhões de hectares. Ainda conforme a FEE, a produção gaúcha de arroz foi de 5,4 milhões de toneladas, em 2002, de 4,6 milhões de toneladas, em 2003, e de 6,3 milhões de toneladas, em 2004, cobrindo cerca de um milhão de hectares.

A escala de conversão do Pampa para agricultura preocupa os ambientalistas. O avanço da soja, convencional e transgênica, reduz o espaço dos campos naturais e pode degradar o solo pelo uso de herbicidas. O cultivo do arroz, por sua vez, ocorre muitas vezes com a drenagem de banhados (charcos), espaços protegidos pela legislação e fundamentais para a reprodução e a alimentação de várias espécies. De acordo com o vice-presidente do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas, de Passo Fundo, Marco Antônio Hoffman, o problema acontece principalmente na região de Uruguaiana, Santa Vitória do Palmar, Bagé e Santana do Livramento. – Os arrozeiros usam muita água, e isso pode prejudicar rios e banhados-, disse o agrônomo.

De acordo com o técnico em Criações da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) de Bagé, Fábio Schlick, a pressão econômica , do mercado, tem levado cada vez mais produtores a migrar para a cultura da soja. Segundo ele, que também é doutor em pastagens nativas, há quase uma corrida para transformar o Pampa em lavouras, o que implica invariavelmente no uso de mais agrotóxicos. Grandes, médios e pequenos produtores fariam parte desse movimento. – Se a pressão continuar, os campos podem acabar sobrevivendo apenas em áreas com características geográficas mais difíceis, como em regiões pedregosas ou com solos pobres-, alertou.

O cultivo de florestas exóticas, de pinus e eucaliptos, também tem despertado a atenção dos ecologistas, e não só pela possível alteração da paisagem tradicional do Pampa. Segundo Sílvia Ziller, do Instituto Horus, pode haver impactos no sistema hídrico, já que os pastos absorvem bem menos água que uma plantação de árvores. – Pode haver prejuízo para culturas irrigadas, inclusive a do arroz-, disse. Mas para Marco Hoffman, do Gesp, o balanço dos recursos hídricos do Pampa com o plantio de florestas exóticas ainda é incerto. – As árvores consomem mais água, mas também ajudam a reter o recurso natural em maior quantidade que os campos-, disse.

A Votorantim Celulose e Papel é uma das empresas que têm investido em plantios florestais na metade sul do Rio Grande do Sul. Por meio da Erva-Mate Reflorestamento, o Grupo Votorantim teria adquirido pelo menos 40 mil hectares de terras para plantio de eucalipto em 14 municípios do Pampa, como Bagé, Piratini, Pelotas, Capão do Leão e Arroio Grande. As florestas exóticas podem ser uma alternativa para a economia de muitos municípios, que vêem na atividade a possível implantação de um novo pólo madeireiro e moveleiro. Em conjunto com outras empresas, a Votorantim também tem investido em pesquisas sobre eucalipto transgênico. Segundo a empresa, a espécie alterada produziria uma madeira de melhor qualidade.

Na região sudoeste do Rio Grande do Sul, onde o Pampa avança para a Argentina e o Uruguai, a arenização dos solos tem afetado cerca de dez municípios, como Alegrete, Uruguaiana, Quaraí, Itaqui e principalmente São Francisco de Assis. Segundo Hoffman, o fenômeno teria fundo natural, mas tem se intensificado com expansão da soja mecanizada em solos rasos e frágeis, com a transformação de pastagens naturais em áreas de monocultura com uso intensivo de agrotóxicos. – O vento também acelera a degradação do solo, mas a arenização se deve basicamente a práticas agrícolas inadequadas-, disse. (Revista do Ibama, 09/12)

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