Como a América, secretamente, planejou enterrar Kyoto
2005-12-09
Um detalhado e perturbador documento estratégico revelou um extraordinário plano americano para destruir o apoio europeu para o tratado de Kyoto sobre mudanças climáticas. O plano ambicioso e perpetrado por trás do cenário, foi revelado ao jornal inglês The Independent nesta semana, quando 189 países estão arduamente tentando chegar ao segundo estágio do acordo sobre mudanças climáticas denominado Protocolo de Kyoto, na Conferência das Nações Unidas sobre o assunto, em Montreal.
O tal plano foi argumentado a companhias como Ford Europa, Lufthansa e à empresa gigante de energia da Alemanha RWE. Reunindo um lobista que já foi executivo de um grupo parcialmente fundado pela ExxonMobil, as maiores empresas de petróleo e as ferozes partes oponentes a medidas anti-globais da questão da mudança climática, o plano visa a congregar as maiores empresas internacionais, acadêmicos, pensadores, comentaristas, formadores de opinião, jornalistas e lobistas em toda a Europa em um poderoso grupo para destruir qualquer apoio futuro da União Européia ao tratado.
Nele, detalha-se como a chamada Coalizão Européia para a Boa Política Climática deveria funcionar. Com sede em Bruxelas, o plano teria position papers anti-Kyoto, porta-vozes especialistas, redes de aconselhamento detalhadas e instantaneamente disponíveis a qualquer político ou companhia que quisesse questionar a sabedoria dos procedimentos com Kyoto e seus demandados cortes nas emissões de dióxido de carbono.
O plano teria sido arquitetado por Chris Horner, um executivo do Instituto de Empresas Competitivas, com sede em Washington, e também um veterano nas campanhas contra o Protocolo de Kyoto e contra as evidências de mudança climática. Um de seus colegas ¬ que se autodescreve como conselheiro do presidente George Bush ¬ esteve sujeito a uma moção de censura na Câmara dos Comuns, no ano passado, após atacar o cientista chefe do governo.
Horner, cujo grupo executivo recebeu quase US$ 1,5 milhão da ExxonMobil, está convencido de que a Europa poderia, com sucesso, ser influenciada por esta coalizão política, assim como o foi o governo dos Estados Unidos. Ele pensa que as economias mais fracas da Europa deverão ficar cada vez mais débeis ao custo de adotar as metas de Kyoto. E, em particular, ele focou-se em algo para o que a maioria da Europa não se deu conta ainda. Trata-se do fato de que grande parte dos 15 signatários originais de Kyoto ¬ exceto a Grã-Bretanha ¬ estão em vias de não cumprir suas metas de redução de CO2 estabelecidas para 2010. Mas, sob os termos do tratado, eles enfrentarão altas multas ao fazer isto, e terão alvos de redução muito maiores numa Segunda fase.
Horner acredita que tudo isto pode provar que o Tratado de Kyoto pode impor custos inaceitáveis às economias desses países, mesmo se eles tentarem se enquadrar no esquema de perdão, com compra de direitos de emissão de países como a Rússia. Horner também crê que o momento para a sua coalizão é agora, e ele está buscando o apoio de companhias multinacionais para tanto. Em seu lance para atingir uma grande companhia, ele escreveu: –Nos Estados Unidos, uma coalizão informal ajudou, com sucesso, a abortar a adoção de um programa ao estilo Kyoto, mantendo uma voz racional da sociedade civil e assegurando um debate legítimo com respeito ao clima econômico, científico e político. Este modelo deve ser emulado para guiar esforços similares na Europa–, afirmou.
Mais adiante, conclamou: –Uma coalizão dirigindo os impactos econômicos e sociais da mudança climática na agenda da União Européia deve ter uma ampla base (através da indústria) e uma rota pelos Estados membros. Outras companhias (incluindo Lufthansa, Exxon, Ford) já indicaram seu interesse!–
Na noite de quinta-feira (8/12), grupos verdes reagiram. Kert Davies, coordenados da campanha climática do Greenpeace, que inicialmente teve acesso aos documentos, disse: – Esse é o homem de combate da administração Bush e o mesmo da Exxon. Eles estão por trás do cenário fazendo um trabalho sujo. Eles estão ampliando esforços para a Europa enquanto tentam minar o momento em que se tenta resolver o aquecimento global–.
Mesmo não havendo nada ilegal no lobby, os documentos revelam um raro insight nos esforços bem fundamentados, dentro dos Estados Unidos, para influenciar a opinião em nível de executivos das corporações européias. Os elaboradores de campanhas informam que esforços similares em termos de lobby foram realizados nos anos 90 para tentar minar o apoio dos Estados Unidos a Kyoto, dentro do próprio país.
A revelação surge quanto negociadores internacionais estão até hoje (9/12) em Montreal discutindo o próximo passo dentro de Kyoto e a possibilidade de introduzirem noas metas de emissões. A administração Bush ¬ que rejeitou o tratado ¬ insistiu que não irá concordar com nenhuma nova medida para legalmente relacionar suas reduções de emissões. Horner esteve presente nesta semana em Montreal.
Ao ser contactado pelo jornal The Independent, Horner confirmou a estratégia do documento e informou que ela foi uma versão apresentada à empresa de energia alemã RWE. Ele defendeu os esforços de seu lobby dizendo que –é isto que eu faço–. Ele também informou que simplesmente promoveu um ponto de vista, conforme fez o Greenpeace. –Eu não me ressinto com eles pelo que fazem, mas eles se ressentem comigo–, declarou.
Quando questionado se ele considerava apropriado para a maior empresa norte-americana de petróleo bancar um lobista para alvejar as companhias européias, ele replicou: Todo mundo faz. Mas Horner, que também figura como sênior na Coalizão Cabeças Legais, um grupo que questiona a evidência de aquecimento global e se opõe a quaisquer políticas para o racionamento de energia, reconheceu que seus esforços para influenciar a opinião européia não foram bem-sucedidos. Ele informou que a RWE não adotou as sugestões contidas em sua apresentação, e que outras companhias também rejeitaram suas idéias.
–Não sei por que isto seria uma surpresa [eu ter feito lobby nas companhias européias]. O que me surpreende é por que não funcionou -, disse. Ford e RWE confirmaram que elas e outras empresas encontraram-se com Horner e com outros representantes do grupo dele em Bruxelas, em fevereiro deste ano. Ele não recebeu delas qualquer ajuda, nem tais empresas contribuíram com suas despesas. Horner aparentemente viajou à Europa por requerimento da Empreendimentos Industriais Europeus, um grupo jovem que espera emular a Confederação de Indústrias Européias.
Bill McAndrews, porta-voz da RWE, disse: –Nós nos encontramos com ele e com outras empresas alemãs em Bruxelas. Bruxelas é a capital da União européia, lá muitas pessoas vão para se encontrar. Desde então não nos aproximamos mais dele–. E acrescentou: –A RWE mantém conversações com todos os tipos de pessoas. Falamos com o Greenpeace e com o Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Discutimos assuntos de todas as opiniões. É importante ouvir todos os lados em tal questão global. Não significa que a RWE compartilhe tais opiniões.
Em uma declaração, a ExxonMobil disse: –A noção adotada por alguns grupos...que apenas suas visões e seus financiamentos e lobbies são aceitáveis, na nossa opinião, não é útil para debates vitais ao desenvolvimento de boas políticas públicas.
Adrian Schmitt, porta-voz da Ford Europa, disse que Horner o encontrou com representantes da companhia em uma ocasião em Bruxelas. — Ele insistiu que a Ford não deu sustentação às opiniões de Horner. Exatamente o oposto. Nossa posição é que a mudança climática é uma questão séria e que medidas apropriadas necessitam ser adotadas agora.
Segundo Schmitt, a empresa foi uma das primeiras a pular fora do apoio à Coalizão Global para o Clima ¬ um agora esforço de lobby morto, que funcionou para se opor às reduções dos Estados Unidos às emissões dos gases estufa no final dos anos 90. (The Independent, 8/12)