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2005-12-09
O envolvimento de uma aldeia indígena com a extração ilegal de madeira no Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, deixou uma ferida aberta no meio ambiente e nas relações sociais das etnias que convivem dentro da unidade. Segundo relatos de autoridades e organizações não-governamentais, cerca de 800 hectares de floresta protegida já foram explorados por madeireiros com a conivência de índios trumais da aldeia Terra Nova. A atitude é condenada pelas outras etnias. Uma operação lançada no fim do mês passado pelo Ibama já resultou na prisão de dois suspeitos de pistolagem e na autuação de pelo menos seis madeireiras nos municípios de Vera e Feliz Natal, vizinhos ao parque. Segundo o coordenador de Fiscalização do Ibama em Mato Grosso, Leslie Tavares, a quantidade de madeira retirada pode passar de 40 mil metros cúbicos - suficiente para carregar 1.100 carretas.

Imagens produzidas pelo satélite CBERS-2 e analisadas pelo Instituto Socioambiental (ISA) evidenciam a abertura de várias estradas clandestinas a partir da aldeia Terra Nova entre agosto de 2004 e julho de 2005. Segundo Tavares, as invasões chegaram a dez quilômetros no interior do parque e as estradas são usadas principalmente para a retirada de madeira nobre, como itaúba.

O líder da aldeia é o cacique Ararapan Trumai, personagem conhecido e de grande influência no Xingu. Segundo as denúncias, ele teria aberto a porta para os madeireiros em troca de dinheiro e produtos.

— A aldeia caiu totalmente na rota da marginalidade - diz o coordenador do Programa Xingu do ISA, André Villas-Bôas. — Isso, é claro, só depois de muito assédio dos madeireiros. Toda vez que os madeireiros entram em contato com os índios acaba havendo aliciamento.

A aldeia, segundo Villas-Bôas, é pequena: cerca de 30 pessoas, organizadas sob a hierarquia de uma única família. O parque todo é ocupado por 4.500 índios, de 14 etnias.

A intervenção das autoridades no negócio criou conflitos com a aldeia. Logo no início da operação do Ibama, cerca de 40 índios armados com arcos e armas de fogo bloquearam a entrada dos fiscais na reserva. Funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) que foram ao local para negociar chegaram a ser mantidos reféns pelos trumais, mas não houve violência.

— A Polícia Federal chegou a ser acionada, mas a intervenção acabou não sendo necessária - disse Tavares ao Estado, por telefone. — Como a totalidade das lideranças indígenas do Xingu são contrárias à extração de madeira em suas reservas, uma equipe de representantes das outras aldeias conseguiu a liberação dos servidores.

A operação deve terminar nesta semana. — A situação está mais amena, mas ainda não temos condições para entrar na área. Tentaram até segurar nosso helicóptero no chão quando pousamos lá - conta Tavares.

O desafio é rastrear a madeira ilegal até as madeireiras, para que elas possam ser responsabilizadas. A madeira de terras indígenas, segundo Tavares, é considerada um bem da União, o que classifica a extração como crime federal.

IMPUNIDADE
Já os índios não deverão sofrer nenhuma punição, segundo o administrador regional do Xingu pela Funai, Paiê Kayabi.

— Chamamos o cacique Ararapan para conversar e ele prometeu que vai parar com isso.

Segundo Villas-Bôas, há cerca de um ano, Ararapan solicitou à Funai e aos caciques do Xingu uma autorização de desmatamento para a construção de uma pista de pouso e de uma nova aldeia com pastagens. O pedido foi negado quando ficou constatado que a madeira derrubada seria vendida pela aldeia. Mas isso não impediu o negócio com os madeireiros. Após a intervenção do Ibama, Ararapan chegou a pedir um prazo de 30 dias para comercializar a madeira já derrubada.

O fascínio do consumo, segundo Villas-Bôas, aprisiona os índios em um ciclo de endividamento constante. Eles vendem a madeira por um preço muito pequeno, em troca de produtos, como carros e televisões, que acabam nunca conseguindo pagar. A não ser com mais madeira.

— Sem saber, eles se tornam reféns dos madeireiros - afirma. O prejuízo não é apenas ambiental, mas social, com a prostituição das índias e perda de costumes pelo contato com os madeireiros.

Os índios, diz ele, estão em busca de alternativas econômicas para suprir suas necessidades de consumo. A solução, portanto, seria o investimento em alternativas econômicas sustentáveis, como artesanato, apicultura e óleos vegetais. A exploração de madeira também é possível, mas muito complicada do ponto de vista legal e cultural.

— Estamos falando de sociedades baseadas tradicionalmente numa economia de subsistência. Você não pode jogá-las do dia para a noite num projeto industrial de exploração de madeira. (O Estado de S. Paulo, 08/12)

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