Brasil propõe redução voluntária de carbono
2005-12-09
O Brasil está propondo a criação de incentivos a projetos de países em desenvolvimento nas áreas de energia e transporte, além do combate ao desmatamento, no âmbito da Convenção do Clima. A proposta, que seria adotada voluntariamente, aparece como uma resposta à pressão crescente para incluir países em desenvolvimento nas metas obrigatórias de redução na emissão de carbono do Protocolo de Kyoto a partir de 2013.
Ao formular a idéia, o Brasil tenta sinalizar que aceita o estabelecimento de metas de redução de carbono, desde que sejam adotadas voluntariamente e definidas em âmbito nacional. Isso em tese é possível na Convenção do Clima.
Já no Protocolo de Kyoto, que derivou da convenção, as metas de redução de gases são compulsórias e restritas aos países industrializados, pelo menos em sua primeira fase, que começou a vigorar em fevereiro deste ano e se estenderá até 2012.
Com o instrumento proposto pelo Brasil, países como China e Índia receberiam recursos das nações desenvolvidas para investir em energias renováveis, como a eólica (dos ventos) e a solar, e em combustíveis limpos, como o etanol e o biodiesel. Essas fontes de energia não liberam carbono na atmosfera.
O Brasil poderia também se beneficiar de tal mecanismo, reforçando seu programa de energia eólica e proteção de áreas naturais, como a Floresta Amazônica. O desmatamento responde por cerca de 75% das emissões de carbono do Brasil.
A proposta lançada pelo governo brasileiro, que também incorpora o instrumento de conservação florestal proposto por Costa Rica e Papua Nova Guiné, está circulando entre as delegações presentes em Montreal, no Canadá, onde desde o dia 29 de novembro são realizados a 11ª Conferência das Partes da Convenção das Mudanças Climáticas e o 1ª Encontro das Partes do Protocolo de Kyoto.
Segundo os negociadores brasileiros, a proposta já tem o apoio de países estratégicos nas discussões sobre mudanças climáticas. Eles preferem ainda não revelar quais são esses países, a fim de não prejudicar uma costura diplomática que está sendo feita por fora das reuniões oficiais.
Com o respaldo desses países, a delegação brasileira espera convencer o Canadá, que preside o encontro em Montreal, a inserir a idéia no documento final que será votado no final do evento, provavelmente na madrugada deste sábado.
Caso a proposta seja aprovada na plenária final da Conferência do Clima, as discussões seriam feitas até 2007 e possivelmente em 2008 os incentivos poderiam estar operando, prevê André Corrêa do Lago, subchefe da delegação do Ministério das Relações Exteriores em Montreal.
Para as ONG brasileiras presentes em Montreal, a idéia é boa, mas deveria fazer parte das negociações para a segunda fase Protocolo de Kyoto, que começa em 2013.
–Ao defender a inclusão da proposta de incentivos à floresta no âmbito da Convenção do Clima, o Brasil faz o jogo de quem ataca o Protocolo de Kyoto–, diz Rubens Born, que está em Montreal acompanhando as negociações pela ONG Vitae Civilis, de São Paulo.
Para Born, que ilustra bem a insatisfação das ONGs com uma posição que elas consideram –defensiva– por parte da delegação brasileira, como um dos países líderes nas negociações sobre mudanças climáticas, o país deveria reforçar Kyoto.
–O governo brasileiro precisaria ser mais proativo aqui em Montreal, com posições mais claras de defesa da segunda fase de Kyoto–, afirma Giulio Volpi, coordenador do programa de mudanças climáticas do WWF (Fundo Mundial para a Natureza) na América Latina.
A discussão sobre a segunda fase do Protocolo de Kyoto está emperrada em Montreal. Representantes de ONGs temem que o lançamento oficial das negociações da segunda etapa, que deveriam ocorrer nos próximos dois anos, seja substituído pela criação de um grupo de trabalho enfraquecido.
O Japão, por exemplo, signatário de Kyoto, insiste na inclusão de metas obrigatórias para emergentes asiáticos, como a China, na segunda fase do Protocolo.
Outros países, como Canadá e Itália, que vêm enfrentando dificuldade para adaptar suas economias à diminuição na emissão de gás carbônico entre 2008 e 2012, prevista na primeira fase de Kyoto, também não se mostram muito empenhados em acelerar as negociações da etapa posterior a 2012.
–Há algumas ONGs que estão preocupadas (com a possibilidade) de que as discussões no contexto da mudança do regime do clima possam vir a favorecer a posição americana. Mas isso é uma outra questão. No Brasil nós estamos preocupados em encontrar na Convenção instrumentos que favoreçam o desenvolvimento do Brasil–, diz Lago.
Para representantes da delegação brasileira em Montreal, que falaram em caráter reservado, a posição brasileira não tem nada de defensiva. –As ONGs não compreenderam a nossa proposta–, disse um representante brasileiro na conferência.
Até hoje o instrumento que abre a possibilidade de investimento dos países desenvolvidos em projetos de proteção ambiental nas nações em desenvolvimento é o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).
Criado por Kyoto, o MDL permite a empresas e governos que não conseguem cumprir suas metas de redução de emissões de gases comprar créditos de carbono em países em desenvolvimento.
Esses créditos são emitidos por projetos que capturam gases, como os de reflorestamento, no qual o CO2 é absorvido pelas plantas, e os de aterro sanitário, onde o metano pode ser usado na geração de eletricidade.
–Há todo um jogo internacional para desviar assuntos tratados no âmbito do Protocolo de Kyoto para a Convenção do Clima, onde não há metas obrigatórias Alguns países industrializados estão fazendo esse jogo para evitar assumir maiores compromissos depois de 2012–, diz Born, da ONG Vitae Civilis. (BBC, 8/12)