Consumir com responsabilidade ambiental é desafio para cidadãos e empresas
2005-12-09
Se o mundo inteiro passasse a consumir como a população dos Estados Unidos, seriam necessários mais três planetas Terra para garantir produtos e serviços básicos como água, energia e alimentos, de acordo com o Instituto Akatu para o Consumo Consciente. Esta realidade fez surgir em vários países estudos sobre como reduzir a exploração dos recursos naturais e grupos que defendem o consumo consciente, tendência que vem crescendo desde os anos 90, mas não o suficiente para garantir a sustentabilidade. Segundo o Instituto Akatu, atualmente, mesmo com metade da humanidade situada abaixo da linha da pobreza, já se consome 20% a mais do que o planeta consegue renovar.
O grupo de consumidores conscientes no Brasil ainda é pequeno: apenas 6% da população, de acordo com um levantamento feito pelo Instituto Akatu em 2003. Mesmo assim, é bem maior do que o grupo dos indiferentes, que ficou em 3%. A maior parcela está entre os iniciantes, com 54%. O grupo dos comprometidos - aqueles que se preocupam, mas pouco praticam atitudes conscientes – somou 37%.
De acordo com Fabiola Zerbini, presidente do Instituto Kairós – Ética e Atuação Responsável, ainda não existem critérios sistematizados sobre quais produtos devem entrar na lista de compras do consumidor consciente. O ideal, segundo ela, é priorizar itens que passem por uma cadeia produtiva mais solidária e ambientalmente adequada, como alimentos orgânicos, produtos provenientes de agricultura familiar e com a menor quantidade de embalagens possível.
— Não existe receita, o critério para um cidadão que mora em São Paulo pode ser totalmente diferente para outro que mora em Tocantins. É importante desenvolver iniciativas localmente, levando em conta as características de cada região – explica.
Para difundir as práticas do consumo consciente, o Instituto Kairós resolveu criar um guia para os consumidores. O Manual Pedagógico Entender para Intervir foi lançado ontem (8/12) à noite, no auditório da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), em São Paulo. De acordo com a presidente do Kairós, Fabiola Zerbini, a idéia é implantar a metodologia do manual em escolas e criar fichas temáticas sobre os temas: sociedade de consumo, publicidade e meios de comunicação, relações comerciais desiguais e alternativas de consumo.
A baixa adesão ao consumo consciente, de acordo com Fátima Portilho, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp e autora do livro Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania (Cortez Editora, 2005), vem, principalmente da falta de informação e do padrão de vida das pessoas. Para ela, além de as informações serem geralmente muito técnicas, existem controvérsias científicas em relação a diversos produtos.
— Os consumidores devem lutar pela informação correta através da rotulagem ambiental, apesar de ser um processo limitado. E não basta ter informação para mudar comportamentos que estão relacionados a outros valores, como estilo de vida e status. Não é fácil convencer – observa.
Fátima Portilho defende que as políticas de educação ambiental relacionadas ao consumo consciente sejam realistas. Segundo ela, ninguém é consciente 24 horas por dia.
— É um embate diário. Não dá pra pensar num mundo ideal em que todos são conscientes, isso está crescendo, claro, mas não podemos ser ingênuos. Mesmo as pessoas mais conscientes às vezes compram produtos que não se encaixam no padrão. Você não vai parar de viver só para ser consciente.
Segundo o estudo do Instituto Akatu, os consumidores pertencentes à classe A brasileira são minoria entre os considerados conscientes, com apenas 12% do total. A maior adesão está na classe B, com 36%, seguida da classe C, com 30%. A classe D, contrariando a tese de que o consumo consciente só é possível para os ricos e instruídos, tem quase o dobro de adeptos da classe A, com 22%. Os níveis de escolaridade também variam. A maioria dos consumidores conscientes (39%) só estudaram até o Ensino Médio. Os chamados semi-analfabetos, que concluíram apenas o ensino fundamental, representam 37% do total, e a parcela com curso superior é minoria, com 24%. A pesquisa foi feita por amostragem, com mil pessoas em 11 capitais do País.
Já o consumo tradicional tem estatísticas bastante diferentes. De acordo com o anuário Estado de Mundo, publicado em 2004 pelo Worldwatch Institute com o tema A Sociedade de Consumo, 12% da população mais rica do planeta consome 60% dos recursos naturais disponíveis, enquanto os 30% mais pobres ficam com 3,2%.
Fabíola Zerbini reconhece que o processo de conscientização dos consumidores é lento, mas defende que a prática seja adotada e difundida, inclusive com iniciativas governamentais.
— Você tem um papel no mundo maior do que a sua própria vontade. Estamos no início, mas é um limite consciente - diz.
Iniciativas locais mostram bons resultados
A Associação de Consumidores do Centro de Apoio à Economia Popular Solidária (Caeps) começou com cinco famílias em 2002, na cidade de Passo Fundo/RS. Eles se organizaram para fazer compras mensais direto com produtores da região, priorizando produtos alimentares e de limpeza produzidos pela agricultura familiar e por empreendimentos solidários. Atualmente o grupo é formado por 80 famílias e 35 produtores.
— Nossa lista de produtos tem mais de 200 itens, sendo que 70% são agroecológicos – diz Sérgio Paulo Schneider, que faz parte da coordenação do grupo.
Para entrar na lista de compras, os itens precisam ser produzidos de forma coletiva e não prejudicar o meio ambiente pelo uso de agrotóxicos. Schneider diz que a associação evita comprar em grandes redes de supermercados e garante que a produção pode ser ampliada caso haja aumento na demanda.
— Esses produtos que temos não se encontram no mercado – afirma.
Com o crescimento da associação, os integrantes resolveram criar uma cooperativa, a Cooper Eco Sol, que comercializa os produtos manufaturados, como geléias e compotas. O lucro vai para um fundo solidário que financia a criação de novos empreendimentos ou a ampliação dos já existentes.
— Compramos geléia por R$ 2,00 e vendemos por R$ 2,20. A diferença é que o lucro não é concentrado em grandes redes, fica para o coletivo – diz Schneider.
Colaboração das empresas gera controvérsias
Entidades e pesquisadores ainda não chegaram a um consenso sobre a participação das empresas na cadeia produtiva do consumo consciente. A presidente do Instituto Kairós, que define a entidade como militante, acredita que as empresas capitalistas não podem ir a fundo na questão porque iriam contra a essência do sistema.
— Quando chegar ao limite lucro X ambiente, a empresa vai optar pelo lucro – critica Fabiola Zerbini.
Para a doutora Fátima Portilho, as empresas têm seus interesses assim como consumidores e ambientalistas, mas não significa que estejam só fazendo marketing.
— Em alguns momentos os interesses convergem. Quando divergem, há um dilema: dar prioridade às necessidades individuais ou ao coletivo – analisa.
A pesquisadora afirma que a participação das empresas deve ser cobrada. Segundo ela, colocar a responsabilidade apenas nos ombros do consumidor seria um exagero.
— Há um deslocamento da responsabilidade da produção para o consumo. As indústrias transferem a responsabilidade ambiental para os consumidores. Até então o consumidor era tido como alienado e, a partir da década de 90, a causa da crise ambiental se deslocou para o consumidor – conta.
Para Eliane Anjos, gerente de meio ambiente da Natura, o desenvolvimento é uma questão de escolha de cada empresa, que pode gerir seus negócios e crescer monitorando apenas a questão do custo-beneficio ou escolher atrelar o crescimento à avaliação dos impactos causados à natureza.
— É possível, sim, uma empresa prosperar pensando no quanto de resíduo vai gerar, no quanto está desperdiçando de energia, de embalagem, de matéria-prima, mas é claro que isso exige planejamento. O empresário que opta pelo caminho do desenvolvimento sustentável acaba, inevitavelmente, esbarrando na escolha de seus fornecedores e terá um trabalho de convencimento pela frente. Para que o negócio seja realmente sustentável, ele vai precisar incluir seus parceiros e fornecedores nessa cadeia, desde o fabricante de matéria-prima, de embalagem, de detergente, até as transportadoras que trabalham para ele – recomenda.
Por Francis França
Links relacionados:
Download gratuito do livro O Estado do Mundo 2004 - Estado do consumo e o consumo sustentável, em português: http://www.wwiuma.org.br/estado_do_mundo/2004/edm_2004.zip
Instituto Akatu: www.akatu.net
Instituto Kairós: www.institutokairos.org
Livro Sustentabilidade Ambiental, consumo e cidadania, de Fátima Portilho:
http://www.cortezeditora.com.br/detalhe.php?idn=MTA1MQ
O Comércio Ético e Solidário no Brasil: http://www.institutokairos.org/Principal/folder%20comercio%20justo1.pdf
Fórum de Articulação para o Comércio Ético e Solidário do Brasil - http://www.facesdobrasil.org.br/