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2005-12-08
Está no plenário da Câmara dos Deputados, depois de tramitar em regime de urgência, o texto que aprova a ratificação no Brasil do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura - que entrou em vigor internacional em 29 de junho de 2004. Embora surgido no âmbito da FAO, o acordo tem implicações diretas da Convenção da Diversidade Biológica. A enorme biodiversidade de florestas como a Amazônia e a Mata Atlântica, associada com a diversidade cultural de suas populações nativas e rurais, é tema central para o país.

O tratado objetiva facilitar o acesso e repartição dos benefícios derivados do uso de recursos fitogenéticos (plantas) com grande importância para a agronomia, especialmente para a agricultura sustentável, e para a segurança alimentar mundiais. O tratado, que é da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, em inglês), busca facilitar também a conservação, pesquisa e melhoramentos de plantas importantes para alimentação humana, sem incluir a utilização industrial, farmacêutica ou química dos recursos genéticos disponibilizados pelo documento, que foi ratificado até agora por mais de 40 países.

— O tratado é importante porque propicia uma maior liberalidade para a troca do produto básico das pesquisas agronômicas - afirmou para o boletim Comciência o pesquisador José Montenegro Valls, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, uma das unidades de pesquisa responsáveis pelo estudo da biodiversidade do país.

Segundo o pesquisador, o Brasil seria muito beneficiado pela implementação do tratado já que, apesar de ser o maior detentor de biodiversidade do mundo, não conta com agrobiodiversidade - diversidade de plantas especialmente importantes para a agricultura - suficiente para manter seus níveis de exportação, uma vez que a alimentação e a exportação brasileiras são baseadas em poucos produtos exóticos, ou seja, plantas nativas de outros países.

— Nossa economia agrícola está baseada em cultivares de fora do Brasil - informa Valls.

Sob esta ótica, o tratado não abriria portas de saída para a biodiversidade nacional e, ao contrário disso, possibilitaria a entrada de plantas de outros países de grande importância para a pesquisa agrícola nacional. O instrumento da FAO possibilitaria assim a disponibilização de mudas ou sementes de plantas que não passaram por processos de melhoramento genético, ou germoplasma bruto, para utilização em pesquisa de domínio publico, não disponibilizando, porém os cultivares já protegidos por leis de propriedade intelectual dos países que ratificaram o tratado.

De acordo com a lista de cultivos abertos para intercâmbio facilitado, segundo Valls, o Brasil praticamente só recebe recursos fitogenéticos. Até o momento, o tratado inclui 35 espécies de cultivo agrícola como o milho, arroz, feijão, trigo e mandioca. Por outro lado, o pesquisador sinaliza também que não foram incluídos, até o momento, produtos de grande importância para o agronegócio brasileiro como o café, a cana-de-açúcar e a soja.

— O Brasil não dispõe de germoplasma nativo de citros. O melhoramento depende de totalmente de germoplasma exótico - comenta o pesquisador.

O Brasil foi muito atuante na fase inicial de elaboração do tratado, porém, não foi um dos primeiros a ratificá-lo e ainda não havia garantido o direito ao voto nas reuniões que estabelecerão os parâmetros do seu funcionamento.

— Os produtos não incluídos no tratado serão rediscutidos na primeira reunião, além disso, existe a possibilidade de que os países façam novas ofertas de plantas para a inclusão no tratado - acredita Leontino Taveira, engenheiro agrônomo do Serviço Nacional de Proteção de Cultivares na mesma edição do boletim.

Segundo Taveira, o tratado da FAO estabelece um termo já habitual para os pesquisadores em melhoramento genético, o termo de transferência de material, não havendo desta forma maiores dificuldades técnicas para que o país cumpra o Tratado e estimule assim novos contatos e trocas de materiais genéticos com outros países, segundo a opinião de Tavieira.

— Nós encaramos este tratado como uma forma de fomentar o nosso trabalho - comenta.

Aos países que disponibilizarem o acesso às plantas de importância para a agricultura e alimentação existe a previsão da repartição dos benefícios por meio da transferência de tecnologia, de capacitação e de intercambio de informações. Os detalhes desta repartição de benefícios, entretanto, serão discutidos e acertados nas demais reuniões que antecedem a implementação do tratado.

Outros aspectos a serem discutidos nas próximas reuniões da FAO são os casos em que as pesquisas culminam em uma variedade ou um produto economicamente explorável, mas não podem ser utilizados por terceiros, por serem objeto de mecanismos de propriedade intelectual, como a Lei de Proteção de Cultivares. Para estes casos, existe a previsão de pagamentos monetários a serem reunidos em um fundo internacional.

Além disso, outro ponto relevante abordado pelo tratado é o que se estende ao acesso de coleções de plantas mantidas em fora de seu ambiente natural (ex situ), em centros de pesquisa em agricultura, mantidos por diversos países.

Segurança alimentar e perda de biodiversidade
Segundo dados da FAO, uma dezena de espécies animais fornece cerca de 90% por cento das proteínas consumidas mundialmente e apenas 4 tipos principias de cultivos fornecem metade das calorias de origem vegetal presentes na alimentação humana mundial. Estes dados se tornam ainda mais alarmantes pela constatação, também da FAO, de que foi perdido, ao longo do último século, quase 75% da diversidade genética utilizada em cultivos agrícolas em todo o mundo.

No Dia Mundial da Alimentação, celebrado pela FAO na data de sua fundação em 1945 (16 de outubro), foi recordada neste ano a contribuição das diferentes culturas para a agricultura mundial e sustentada que um sincero diálogo de culturas é condição necessária para avançar na luta contra a fome e a degradação ambiental.

Através de toda a história o intercâmbio de cultivos e raças de gado entre culturas revolucionou a dieta das populações e lhes permitiu reduzir a pobreza. No século XVI, por exemplo, a introdução no norte da Europa da batata, cultivo originário da região dos Andes na América do Sul ajudou milhões de pessoas a libertarem-se do jugo da fome. O milho, que também proceed das Américas, alimenta hoje grande parte dos habitantes da África. Por outro lado, a Europa e a África levaram para as Américas plantas como o café, a uva e o trigo.

No entanto, o diálogo de culturas vai mais além da transferência de tecnologias, sementes e raças. Muitas culturas, sobretudo as que têm sua principal atividade baseada em cultivos, possuem arraigadas crenças, valores e ritos relacionados com os alimentos e o meio ambiente. Este acervo de crenças e valores pode servir de ensino a outras culturas que se esforçam por alimentar uma população crescente e por manter, ao mesmo tempo, a base de recursos que sustentará gerações futuras.

O diálogo de culturas, em um sentido mais amplo, ocorre a cada vez que pessoas de culturas diferentes se encontram e escutam os respectivos pontos de vista. No caso da agricultura, esse diálogo se dá nas reuniões e nas negociações comerciais, mas também quando um especialista apresenta algo a outro de cultura diferente, no laboratório ou no campo, e o interroga sobre as possibilidades de adaptação às condições locais.

No âmbito da investigação agrícola, cabe mencionar o Grupo Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR). O Grupo, que conta com centros em todo o mundo e onde trabalham pesquisadores de numerosas culturas diferentes, tem desenvolvido variedades de cultivos e métodos agrícolas melhorados que, por sua vez, têm tido um impacto profundo na redução da fome.

O diálogo entre países ricos e pobres, no marco das negociações do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura, conduz ao reconhecimento dos direitos dos agricultores e ao estabelecimento de um sistema multilateral de acesso a esses recursos e de distribuição dos benefícios que proporcionam. No plano internacional, muitas sociedades se sentem ameaçadas por uma forma de diálogo de culturas: o comércio mundial. Muitos países em desenvolvimento desejam produzir para exportar, mas somente poderão realizar todo seu potencial quando o diálogo entre as nações permitir estabelecer um sistema comercial mais justo.

Fundo de preservação fitogenética com polêmicas
Em 2004 a jornalista Sabrina Oo, do Terramérica, registrou que estão disponíveis US$ 14 milhões para subvencionar bancos genéticos naquele ano mas ativistas duvidavam que o fundo garanta o acesso eqüitativo do Norte e do Sul à biodiversidade. O anúncio foi feito na sétima conferência mundial da biodiversidade (COP 7), que aconteceu na Malásia e terá sua oitava edição no mês de março de 2006, em Curitiba, no Brasil.

O fundo iria repartir inicialmente subvenções para bancos genéticos, disse Emile Frison , diretor-geral do Instituto Internacional de Recursos Fitogenéticos (IPGRI). Já haviam sido reunidos US$ 14 milhões e outros US$ 60 milhões estavam sendo acertados com potências doadoras. A meta é conseguir um fundo permanente de US$ 260 milhões para garantir a sustentação financeira da conservação do germoplasma em depósitos especiais, conhecidos como bancos de genes, em forma de plantas ou amostras de sementes de cultivos de alimento, forragem e florestal. Essas amostras fitogenéticas constituem uma valiosa herança agrícola para o futuro da humanidade.

A colocação em marcha do fundo foi saudada por autoridades e especialistas da maioria dos 188 países partes do Convênio sobre Diversidade Biológica, que se reunirão novamente para discutir a implementação de assuntos fundamentais como o uso sustentável da biodiversidade e a participação eqüitativa dos benefícios que resultarem.

O fundo foi criado pelo Grupo Consultivo sobre Pesquisas Agrícolas Internacionais (CGIAR) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e anunciado oficialmente durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002 na África do Sul.

Contudo, o fundo está adotando uma identidade corporativa, segundo seus críticos. Sua carta de fundação e seu acordo de estabelecimento foram reformados para lhe dar um estatuto legal internacional e independente. Corporações como Syngenta AG - a maior companhia mundial e também brasileira de agronegócios enfocada nas sementes geneticamente modificadas - incentivou publicamente o fundo. A empresa, que possui um técnico no fundo, anunciou seu apoio à iniciativa.

O custo de manter esses bancos genéticos poderia representar desvio de recursos de outras iniciativas de conservação igualmente importantes e não está claro que garante o acesso equitativo dos países do Norte e do Sul às riquezas fitogenéticas.

A missão original do fundo é assegurar que as coleções de germoplasma vegetal dos bancos de genes sejam mantidas em garantia sob os auspícios da FAO para benefício da comunidade internacional. Até 2001, foram reunidas 666 mil amostras de germoplasma em 11 bancos de propriedade do CGIAR - que no Brasil é associado à Embrapa.

Segundo um informe do especialista Bonwoo Koo, do Instituto de Pesquisa sobre Política Alimentar Internacional, uma dotação de US$ 149 milhões colocada em depósito a juros reais anuais de 4% permitiria gerar uma renda de US$ 5,7 milhões por ano, suficiente para cobrir a perpetuidade dos custos de conservar e distribuir os materiais dos centros do CGIAR.

Os países industriais querem historicamente maior acesso às riquezas do Sul e são renitentes aos pedidos de incluir a questão da repartição dos ganhos gerados por produtos elaborados a partir de espécies conhecidas e utilizadas ancestralmente da biodiversidade em muitos países em desenvolvimento. Também rejeitam a proposta de estabelecer um regime internacional obrigatório, e preferem pautas e normas de adoção voluntária e acordos bilaterais.

Para facilitar o acesso e um regime de divisão de benefícios, pediu-se a cada país-parte da CDB que prepare um inventário de sua biodiversidade, para o qual as nações mais avançadas nessa área poderiam oferecer ajuda.

— Países como África do Sul, Quênia, México e Costa Rica têm sistemas de informatização prontos para registrar seus recursos - afirmou em 2004 o ministro mexicano do Meio Ambiente, Alberto Cárdenas.

A questão colocada para a biodiversidade, tanto no sentido da agricultura sustentável como para outros usos como cosméticos, medicamentos e demais usos, é também a relação interna de cada país com suas comunidades rurais, tradicionais e indígenas. A redução das perdas de espécies e de conhecimentos no futuro depende dessa equação. (GTA - Grupo de Trabalho Amazônico, 07/12)

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