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2005-12-08
A estas alturas do campeonato, Eduardo Galeano, 65 anos, é acima de tudo um sobrevivente. Driblou, nos tempos de jovem repórter, três malárias. Depois, sobreviveu às perseguições de duas ditaduras, uma no seu país, o Uruguai, e outra na Argentina, onde ele tinha se exilado. Sobreviveu também a um enfarte. Mas, acima de tudo, sobreviveu aos cataclismos e temporais que despencaram sobre a esquerda nos últimos anos. E finalmente sobreviveu à maré de egoísmo que ameaça o ser humano e ao desencanto a que sucumbiu tanta gente.

Em sua recente visita ao Brasil, o escritor uruguaio concedeu entrevista ao Jornal do Brasil. O Ambiente Já destaca abaixo os trechos onde Galeano fala das indústrias de celulose e papel, consumo e comunicação. A íntegra da entrevista pode ser lida em http://jbonline.terra.com.br/papel/cadernob/2005/12/02/jorcab20051202025.html

Pergunta – Em sua palestra aqui no Rio, você declarou também: Minha consciência me obriga a dizer algo quando não concordo.

Galeano - A origem de minhas convicções é minha formação marxista. Marx, como seguidor de Hegel, acreditava que a contradição é o motor da história. Depois chegou Stalin e disse: “A contradição é heresia”. Ainda tem muitos militantes de esquerda com essa concepção religiosa da luta política: o mal é aquele que diz não quando o partido, ou o governo, ou a maioria diz sim. A confusão ainda persistente entre unidade e unanimidade fez danos horrorosos ao movimento revolucionário mundial. Tem sentido uma revolução que não reinvindique a diversidade? A única militância possível é aquela nascida da liberdade de consciência. A militância nascida do dever e da obediência é inimiga da transformação do mundo. Se for para repetirmos o que está, é melhor ficarmos em casa, porque em matéria de repetir as coisas a direita tem mais experiência e melhores quadros.

Pergunta - Com o que você tem discordado ultimamente?

Galeano - A posição quase unânime da Frente Ampla que assumiu o govêrno do Uruguai é a favor das usinas de celulose mas eu sou contra. É um governo de esquerda, com a qual me identifico, mas seus argumentos para defender essa barbaridade não são racionais. O papel é algo necessário, mas o Uruguai já tem uma usina de papel que abastece o mercado interno. Querem implantar no Uruguai essas usinas gigantescas, com investimentos da Espanha, Suécia, Finlândia e EUA, mas os níveis de contaminação serão altíssimos. Como explicam essa súbita paixão pelo Uruguai por parte de empresas que nem sabiam que o país existia? Então discordo, embora minha posição não seja popular. A causa ecológica não é popular entre a esquerda. O pessoal prefere morrer de contaminação do que morrer de fome. Não dão muita bola para os danos irreversíveis que estão sendo causados no meio-ambiente.

Pergunta - Como os meios de comunicação de massa se situam dentro da estrutura de poder vigente e como contribuem para transmitir essa cultura da impotência?

Galeano - Sim, transmitem que você tem o direito de assistir se aceitar que sua asssistência será uma obediência. Os meios de comunicação estão a serviço de uma visão conformista. O espaço para uma imprensa independente tem se reduzido muito, com uma exceção importante: a internet, que abriu caminhos de difusão para vozes antes condenadas a ressoar como sinos de madeira. A internet é uma coisa incrível, nasceu de uma operação militar do Pentágono para planificar em escala mundial suas operações, nasceu a serviço da morte, e virou um espaço que inclui todas as expressões de afirmação da energia da vida. A internet permite vincular os desvinculados num mundo onde a prática cotidiana conduz ao desvínculo e ao divórcio entre a memória e a realidade. Foi graças a esse sistema moderno de comunicação que Aznar perdeu a eleição na Espanha.

Pergunta– A política de consumo, aliada à tecnologia, não torna também o mundo mais injusto?

Galeano - A sociedade de consumo está convidando as pessoas ao crime, emitindo suas mensagens publicitárias em direção a uma massa imensa de jovens sem nenhuma possibilidade de consumir aquilo que lhes é oferecido. Diz: Se você não tem, você não é. Quem não tem sapatos de marca não é ninguém. Para ter isso precisam roubar, matar, estuprar, seja o que for. Quem não consome não tem direito de existir. A sociedade de consumo estimula a delinquência tanto quanto as estruturas sociais injustas.
(Publicado originalmente no JB, 04/12. A íntegra está disponível em http://jbonline.terra.com.br/papel/cadernob/2005/12/02/jorcab20051202025.html)

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