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2005-12-07
O recorrente embate entre interesses locais e preservação do meio ambiente chegou ao território do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, maior unidade de conservação de Santa Catarina, com área de aproximadamente 1% das terras do Estado. Os moradores da porção litorânea do Parque, a Baixada do Massiambu - que abrange os municípios de Florianópolis, Palhoça, Paulo Lopes e Garopaba - organizaram um abaixo assinado com mais de seis mil nomes reivindicando a mudança de categoria do Parque de Unidade de Proteção Integral para Área de Preservação Ambiental (APA). Dessa forma, as cerca de 15 mil pessoas que moram na área passariam a ter direito de explorar e lotear suas propriedades.

A recategorização do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro foi discutida nesta segunda-feira (5/12) em uma audiência pública que lotou o plenário da Assembléia Legislativa. Mais de 800 pessoas compareceram para reivindicar que a Baixada do Massiambu, com cerca de oito mil hectares, deixe de ser área de Preservação Permanente (APP). A região sofreu um processo de ocupação desordenada e agora os moradores reclamam da atuação do Ministério Público Estadual, que há cinco anos começou a instaurar Ações Civis Públicas (ACP) e firmar Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com os habitantes da região.

O secretário de Políticas Públicas do Estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Krause, que acompanhou processo semelhante em Porto Alegre, no Parque Delta do Jacuí, criticou a postura do MP:

— TACs não preservam nada. O proprietário já degradou e agora vai pagar compensação. Só.

De acordo com Ademar do Espírito Santo, representante da Associação dos Moradores de Naufragados, em Florianópolis, havia mais de cem casas na comunidade do Sul da Ilha antes das ações civis públicas.

— Agora, sobraram 47 casas e ainda há ações em andamento – diz.

Segundo o promotor de justiça José Eduardo Cardoso, responsável pela Procuradoria Temática do Parque Estadual Serra do Tabuleiro, antes das ACPs a desobediência à legislação ambiental era regra na região.

— Licença? Pra que licença? A fiscalização não vem mesmo – ironizou o promotor. Segundo ele, a situação atingiu um ponto crítico com o crescimento desordenado da população e a poluição gerada pelos esgotos domésticos, que tornaram a orla no local imprópria para banho.

Cardoso afirma que os problemas são provocados por grandes investimentos e por aqueles que querem lotear as propriedades. Segundo ele, as pessoas que moravam na região antes de a unidade ser criada podem permanecer no local, desde que não ampliem as construções. Atualmente, de acordo com o promotor, existem cerca de 5 mil pessoas morando dentro da área do Parque, que precisarão realizar o TAC para regularizar os esgotos sanitários.

— Querem recategorizar para construir mais e gerar mais esgotos. Não sou contra o desenvolvimento sustentável, mas tem que ser dentro da lei – disse. — E, de mais a mais, a Ponta do Papagaio, Praia do Sonho, Areia de Cima, Pinheira e Guarda do Embaú estão fora do Parque da Serra do Tabuleiro. Como querem criar uma APA em uma região que não é afetada? – questiona.

De acordo com levantamento feito pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma), responsável pela unidade, existem 14 mil lotes em área de preservação permanente. Segundo Ana Verônica Cimardi, diretora de estudos ambientais da Fatma, desde 1996 a Fundação procura uma solução para a ocupação no local.

— Na oportunidade, encaminhamos à Procuradoria Geral do Estado o parecer de nossa Procuradoria Jurídica para fazer levantamento dos loteamentos, a fim de obter dos moradores a documentação dos imóveis. Mas a PGE informou que seria impossível licenciar porque a área é patrimônio público, independente de ser parque ou não - disse.

O Parque Estadual da Serra do Tabuleiro tem 87.405 hectares - apesar de nunca ter sido demarcado e regularizado - e abrange os municípios de Florianópolis, Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz, Águas Mornas, São Bonifácio, São Martinho, Imaruí, Garopaba e Paulo Lopes, englobando também as ilhas de Fortaleza/Araçatuba, Ilha do Andrade, Papagaio Pequeno, Três Irmãs, Moleques do Sul, Siriú, Coral, dos Cardos e a ponta sul da Ilha de Santa Catarina, em Naufragados.

A unidade é reconhecida internacionalmente como prioridade para a conservação da biodiversidade brasileira. Entre os onze principais habitats identificados em um estudo conjunto do WWF e do Banco Mundial, cinco deles estão presentes no Parque: mata atlântica, floresta de araucária, restingas, campos de altitude e manguezais. Em outro estudo divulgado pelo Banco Mundial, o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro consta na lista de habitats naturais críticos na região da América latina e do Caribe.

De acordo com o deputado estadual Vânio dos Santos (PT), que convocou a audiência pública, o dano ambiental na área do entorno do parque é irreversível. Segundo ele, a ocupação desordenada da Baixada do Massiambu é fruto da falta de entendimento entre os órgãos do governo.

— As áreas do parque não poderiam ser vendidas, mas os cartórios continuam emitindo escrituras. Não pode construir, mas o Estado faz uma rodovia cortando o parque para acelerar o adensamento – critica.

Alex Strey, oceanógrafo da empresa Polar Engenharia e Consultoria em Meio Ambiente Ltda., responsável pela parte técnica do projeto de recategorização, disse que todos os compartimentos ambientais da região estão degradados.

— A proposta é que com a recategorização do parque seja criado um conselho gestor com participação da comunidade, do poder público e dos órgãos ambientais para fiscalizar a área.

O histórico do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro é semelhante ao de muitas outras unidades de conservação no País: o parque foi criado sem desapropriar as terras e indenizar os moradores. Sem fiscalização, a população expandiu-se e hoje a situação está fora de controle.

— É impossível indenizar toda essa gente – diz o deputado Vânio dos Santos.

— O Estado teria que trabalhar dois anos inteiros só para isso – completa Renato Sehn, empresário e integrante do Conselho de Turismo de Palhoça – município que tem 73% de sua área dentro do parque.

O promotor José Eduardo Cardoso concorda que desapropriar e indenizar todas as propriedades da Baixada do Massiambu é impraticável.

— Não se sabe quem tem que indenizar e nem se tem que indenizar – diz.

Associações de moradores da região, juntamente com as prefeituras e câmaras dos Vereadores de Garopaba, Paulo Lopes e Palhoça estão coordenando o estudo de recategorização, que deve ser apresentado ao Governo do Estado. A intenção é que o Executivo envie a proposta como projeto de lei para que a Assembléia Legislativa possa analisar a matéria ainda neste ano. As seis mil assinaturas recolhidas até agora e moções dos prefeitos e das câmaras de Vereadores de Florianópolis, Palhoça, Garopaba e Paulo Lopes ao anteprojeto para a recategorização serão entregues amanhã (8/12), em audiência com o governador Luiz Henrique da Silveira.

Até que seja votado o PL, caso a Assembléia o aprove, o promotor José Eduardo Cardoso garante que continuará realizando os ajustes de conduta.

— É a única forma de fiscalizar – diz.
Por Francis França

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