Ambientalista afirma que o Brasil precisa aprender a se associar
2005-12-06
Juarez Cardoso Nunes classifica-se como um visionário, mas admite que muitos o
chamam de louco. Há seis anos ele se dedica a um projeto sobre energias
alternativas e garante que é a solução para o país no que se refere ao setor.
Para ele a maior dificuldade é a questão econômica, e diz que a proposta
torna-se viável com parceria entre entidades governamentais, universidade e
organizações empresariais. Ele estará na Suíça em 2007 para representar a
América Latina no Prêmio The Rolex Awards for Enterprise. Natural de Taquari,
residiu durante anos em Bom Retiro do Sul, Paverama e hoje está erradicado em
Teutônia, onde trabalha na Cooperativa Regional de Eletrificação Rural (Certel).
Luta para vencer no campo da pesquisa e esboça sua vontade de oferecer algo
melhor para a geração do futuro.
Informativo - Como surgiu o interesse pelas energias alternativas?
Nunes - Desde muito cedo me preocupava com questões sociais. Meus pais se
separaram quando era jovem. Aos 18 anos fui para o quartel, onde tive acesso à
topografia. Fui me interessando por isso e percebi meu gosto pela ecologia. Até
o início dos anos 90 poucas eram as ações em prol do meio ambiente. A Eco 92, no
Rio de Janeiro, foi o marco para o segmento. Depois disso as atividades
reduziram-se novamente. Eu sempre sonhava viver para isso, mas a realidade era
diferente. Trabalhava no setor calçadista em Bom Retiro do Sul. Depois me casei
e fui morar em Paverama, onde retomei meus estudos e concluí o Ensino Médio.
Depois consegui, através de seleção, uma vaga na Certel para me dedicar ao setor,
e, em 2000, iniciei um curso de eletrotécnica em Montenegro. Este exigia a
realização de um trabalho. Aliei minha idéias de ecologia com minha experiência
na cooperativa e comecei a trabalhar a questão das fontes alternativas. O
diferencial do meu trabalho é a preocupação que tive em realizar o estudo
técnico e adaptar a realidade brasileira, com todas as suas diferenças regionais.
Hoje existem dois Brasis : o de cima e o de baixo. Por isso meu trabalho
é polêmico. Quero unir as duas partes. Vejo a questão da desigualdade social
como mercado, e não como um problema. Hoje todos os trabalhos destinados à
sociedade são desenvolvidos pelo terceiro setor - organizações
não-governamentais [ONGs], associações, cooperativas e outros. Percorri todo o
Brasil nestes quase seis anos de projeto. Em 2002 estive na Amazônia, onde
fiquei por dois anos e recebi dois prêmios, um nacional e outro internacional.
Informativo - Em que consiste sua pesquisa?
Nunes - Visa ao aproveitamento das alternativas para complementar a matriz
energética brasileira, com energia mais limpa e menos poluente. Sempre buscando
observar as características regionais, defendendo programas e regras de mercado
para o setor. Eu dividi o país em regiões e em cada uma com suas alternativas e
procurei potencializar as características locais. Na Amazônia existem 38 tipos
de oleosas para biodiesel. O grande projeto lá seria reflorestar e fazer as
pessoas viverem disso. A energia elétrica deles é óleo diesel. Hoje o custo para
levar o combustível até as comunidades é muito alto, sendo que eles têm a maior
riqueza na própria terra, mas não sabem como desenvolver. Nosso país não está
acostumado ao associativismo. O sistema cooperativo é forte aqui no Rio Grande
do Sul em razão da cultura européia.
Informativo - Quais as formas de produção de novas energias?
Nunes - O exemplo prático é a Região Amazônica, onde se constata a abundância do
biodiesel [combustível renovável derivado de óleos vegetais ou de gorduras
animais usado em motores a diesel, em qualquer concentração de mistura com o
diesel] e biomassa [organismos biológicos que podem ser aproveitados como fontes
de energia], além de fontes de energia limpa. Estas serão a salvação da floresta,
e o agente desmatador de hoje será transformado no reflorestador de amanhã.
Informativo - Qual o projeto para o Rio Grande do Sul?
Nunes - Hoje em dia o que funciona muito bem são as Pequenas Centrais
Hidrelétricas [PCHs], como as da Certel. O Rio Grande do Sul tem grande
potencial eólico, só que isso só é dito na imprensa. Existe um projeto para
Osório há anos, mas o que vemos é o trabalho isolado e lento de uma
retroescavadeira. Estive com o secretário estadual de Minas e Energia por duas
vezes. Ele demonstrou interesse no projeto, mas disse que o governo estava com
dificuldades financeiras.
Informativo - O custo é muito elevado?
Nunes - Não se houver a união de universidades, empresas e governo. Temos
tecnologia nacional, apenas o sistema eletrônico é importado. Estive no Ceará
por nove dias a convite do governo do estado. Conheci os projetos no setor, que
funcionam muito bem, e o estado está andando sozinho. Estive na empresa que
fabrica estes equipamentos e o que falta para eles é incentivo. Criaram o
Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Fontes Alternativas de Energia
Elétrica [Proinfa], briga nossa em seminários. Estive em Brasília, numa
discussão internacional dentro da Câmara dos Deputados. Mas o Proinfa é limitado,
pois restringe a compra de energia. Participei também da confecção do mapa
eólico do país.
Informativo - Se existem estudo e conhecimento técnico, o que impede a
concretização?
Nunes - Vamos bater de frente com o governo. A questão é complexa. Você tem uma
Agência Nacional de Energia Elétrica [Aneel] para fiscalizar, mas não dita
regras. Todo os projetos que você fizer sobre geração de energia precisam passar
por eles. Nosso país não se entende.
Informativo - Quais os benefícios para o sistema e usuário da energia eólica?
Nunes - O maior beneficiário das energias alternativas é o meio ambiente. Hoje
não temos grandes rios para potenciais hidrelétricos. Estão se fazendo
megausinas na Região Amazônica, que é o nosso pulmão. Ecologistas estão de
cabelo em pé. Além disso tem a questão econômica. Para se interligar sistemas em
locais tão longínquos são necessários leilões, que são vencidos por empresas
internacionais. Estas acabam vindo com o intuito de usufruir daquilo que já foi
investido. Queremos que estas organizações sejam inseridas na comunidade, como
as cooperativas, que têm trabalho social beneficiando muitas pessoas. Outra
briga é a questão do êxodo rural.
Informativo - Em que seu projeto poderia auxiliar no êxodo rural?
Nunes - Tenho desenvolvido minhas pesquisas em benefício das pessoas de áreas
mais isoladas, para que tenham direito e possam viver de sua terra, evitando
assim a migração para grandes centros e especialmente por energia limpa e menos
poluente. Hoje temos o programa Luz para Todos, que beneficia famílias até onde
a ponta do fio alcança. Além destas pessoas tem muitas outras que não são
atingidas, e poderiam ser pelo sistema solar. No interior da Bahia foram
vendidos mais de 15 mil kits, só que não explicaram como funcionava o sistema.
Hoje tem apenas uma placa funcionando numa escola local. Temos universidades e
instituições governamentais em todas as regiões. Temos que nos enxergar. Estive
no Ceará e fiquei encantado. Eles têm uma secretaria de infra-estrutura dividida
em áreas técnicas. Os funcionários não são políticos, são profundos conhecedores
do setor e desenvolvem programas fantásticos. Por isso eles têm mais de 500
megawatts de energia eólica aprovados no Proinfa. Temos uma PCH em Bom Retiro do
Sul que está aprovada apenas no papel.
Informativo - Por que não saiu do papel?
Nunes - A dificuldade está em se encontrar para saber quem vai fazer o projeto
de transformação para energia elétrica e quem vai vendê-la. O Brasil precisa
aprender que deve se associar. Não adianta investir só no esporte. De todos os
eventos de que participei, vi projetos fantásticos. Cadeiras de rodas feitas por
uma escola de Santa Maria, cujo trabalho foi premiado em várias regiões, mas a
idéia funciona como a minha. Foi desenvolvida para atender o filho do projetista,
que é deficiente. Vemos que a proposta está com os dias contados e vai para a
gaveta. Assim como outros projetos, que poderiam se transformar em soluções para
nosso país.
Informativo - Recebeste vários prêmios e reconhecimentos. Quais destaca?
Nunes - Fui finalista do prêmio Super Ecologia da revista Superinteressante em
2002; ganhei a Feira Nacional de Ciências em Roraima; fiquei em segundo lugar na
Feira Internacional de Ciências nos mesmos local e ano; em 2003 venci a Mostra
Internacional de Trabalhos Técnicos em Novo Hamburgo; tenho prêmios recebidos em
São Paulo, pela defesa do uso do lixo seco para energia elétrica nos grandes
centro urbanos.
Informativo - Que alternativa você apresentaria para os centros urbanos?
Nunes - Todos os grandes centros têm problemas sociais, e para cada região há
alternativa, como por exemplo a queima de lixo seco para geração de energia
elétrica. Essa é uma opção para os grandes centros urbanos.
Informativo - E quais as alternativas para o meio rural?
Nunes - O Brasil tem 40 milhões de habitantes que não têm condições de produzir
no campo, pois não existe energia elétrica para irrigar a terra - caso do Sertão
Nordestino. Mas essa região é rica em água subterrânea e seus habitantes, por
não ter acesso à água, são candidatos a buscar ilusão nos grandes centros
urbanos. Estes são alguns dos exemplos do meu trabalho.
Informativo - Qual a diferença entre as duas regiões no que se refere a energias
alternativas?
Nunes - Digo, sem medo nenhum, que daqui a 12 anos nós vamos migrar e pedir
empregos lá. Naquela região os representantes trabalham pelo seu estado, e não
pelo partido. Por isso as coisas funcionam. Eu andei 1,9 mil quilômetros em 47
cidades conhecendo os projetos. No trecho encontrei um pedágio a R$ 2,00. O
custo de vida também é inferior. O ICMS deles é um dos menores do país.
Informativo - Qual o apoio recebido nesses seus estudos em favor da
biodiversidade?
Nunes - Na verdade desenvolvo um trabalho solitário e busco apoio através de
quem se interessa por meu trabalho, na divulgação, nas palestras que realizo,
pois são as palestras que tocam os sonhos. Também tenho recebido prêmios onde
mostro as teses que defendo, mas o apoio é restrito. Tenho publicações prontas
para editoração, mas o que falta é auxílio financeiro para a concretização desse
trabalho.
Informativo - Como o projeto poderia ser viabilizado?
Nunes - Precisaria ter acesso ao governo federal ou a uma grande empresa, mas já
cansei de pedir. Até hoje mandei mais de 30 mil e-mails para tudo que é pessoa e
entidades. Meu maior problema hoje é o fato de não ter vínculo universitário.
Temos mais de cem certificados. Sou premiado pelo conhecimento, mas questionado
pela falta de estudo em uma universidade. Meu trabalho hoje é o do beija-flor
com água no bico no incêndio florestal.
Informativo - O que você considera como avanço, hoje, no país?
Nunes - Sem dúvida alguma os veículos bicombustíveis, mas em contrapartida o
grande problema é o alto valor no mercado automotivo. Minha luta, no entanto, é
social, em busca da inclusão através da tecnologia.
Informativo - Como o seu trabalho poderia ser auxiliado?
Nunes - As dificuldades para continuidade deste trabalho são grandes. Preciso
adquirir equipamentos, como um notebook, e confeccionar banners, bem como ter
apoio para despesas de viagens. Tudo isso tem um custo e preciso buscar fontes
de apoio. (O Informativo, 05/12)