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2005-12-05
Com venda e plantio proibidos no país, o milho transgênico começa a entrar no Estado como a soja no final da década passada: à margem da lei e possivelmente contrabandeado da Argentina. Nas regiões produtoras, já se pode encontrar agricultores apostando na lavoura ilegal para colher as facilidades da biotecnologia.

Após denúncias do deputado Frei Sérgio Görgen (PT), na Assembléia Legislativa, Zero Hora constatou que as sementes transgênicas já são realidade no Rio Grande do Sul. Uma das primeiras áreas a ser cultivada com o grão geneticamente modificado em Santo Ângelo, nas Missões, a lavoura de um pequeno produtor de 46 anos desperta a curiosidade de vizinhos. Eles querem saber como o transgênico está se comportando para experimentá-lo no ano que vem.

De início, a plantação se apresenta mais limpa , sem o inço que invade a cultura em razão do uso do químico glifosato. Não fosse o produto, a retirada de ervas daninhas teria de ser manual. O agricultor diz estar fazendo só uma experiência.

- Disseram que o rendimento é 20% menor do que o convencional. A vantagem é que a gente tem menos trabalho. Mas se o rendimento der muito baixo, não adianta plantar-, diz ele, que cultivou oito hectares de milho e prefere não se identificar, já que o plantio é proibido.

Pioneiro com o milho, com a soja transgênica a situação foi inversa. Só começou a cultivar nos últimos quatro anos, quando todos os produtores já plantavam. O agricultor pagou caro em uma agropecuária de Santo Ângelo para ter semente de milho proibida. Vinte quilos custaram R$ 250, entregues em uma bolsa branca, sem inscrição. Se fosse convencional, dependendo da variedade, poderia ter adquirido a mesma quantidade por R$ 60 a R$ 85, ou R$ 125, as mais caras.

O produtor já fez duas aplicações de glifosato e por enquanto está satisfeito. Se tivesse sido logrado - pagando por um transgênico e recebendo um convencional - o químico teria matado não só o inço, mas o próprio milho.

O dono da lavoura transgênica deve colher o milho até o final de janeiro. Com a semente que obtiver, pensa em plantar a safrinha e aumentar a área transgênica para dois hectares. Um vizinho interessado, que mora a 15 quilômetros, vai voltar para observar o desempenho.

Em Barão de Cotegipe, medo da fiscalização
Em Barão de Cotegipe, município citado nas denúncias de venda de milho transgênico, os agricultores evitam falar sobre qualquer tipo de experiência.

Apesar dos comentários de que produtores estão utilizando sementes geneticamente modificadas, agropecuárias dizem que nunca negociaram o milho não-autorizado.

Na quarta-feira (30/11_, fiscais da superintendência estadual do Ministério da Agricultura estiveram no município. A vistoria deixou os produtores em alerta. Na quinta-feira (01/12), Zero Hora visitou propriedade rurais, mas somente um agricultor admitiu já ter experimentado a tecnologia.

Conforme ele, foram plantados cinco quilos no ano passado como teste. O custo de produção, argumenta, ficou em média 40% menor do que o do milho tradicional.

- A gente tinha semente para plantar este ano. Aí ouvimos que iam fiscalizar e demos as sementes para os animais. Ninguém quer saber de incomodação-, disse o produtor do interior do município que não quis se identificar.

Ele contou que as sementes foram adquiridas na cidade e que o vendedor havia dito que vieram da Argentina. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barão de Cotegipe, João Carlos Jatczak, explicou que já ouviu muitos boatos, mas que não conhece nenhum caso.

O detonador da denúncia
Foi o deputado frei Sérgio Görgen (PT) quem denunciou no dia 16 de novembro que havia milho transgênico no Estado. O parlamentar apresentou na Assembléia Legislativa uma gravação na qual um agricultor, que pediu para não ser identificado, estaria comprando sementes geneticamente modificadas. De acordo com o deputado, o áudio teria sido feito com o auxílio de uma assessora parlamentar sua, na Agropecuária Campesato, em Barão do Cotegipe, norte do Estado. Análises encomendadas por Görgen e feitas na amostra comprada confirmaram transgenia.

A gravação:
Agricultor - Quanto tá o milho transgênico?
Vendedor - Em saco ou em quilo?
Agricultor - Em quilo.
Vendedor - Está R$ 15, dá pra fazer por R$ 14.
(...)
Agricultor - Vou fazer um experimento. Vocês conseguem mais se eu precisar?
Vendedor - Se precisar, a gente tem. É meio pouco ainda, porque isso é meio
controlado, não está liberado. Logo vai ter outro, o original mesmo. Só que aí vai custar bem mais caro né? Vai custar em torno de R$ 20, R$ 22 o quilo.
Agricultor - E a origem, é argentina?
Vendedor - É.
(...)
Vendedor - Agora tu tens que ver, né? Coloca um pouco mais de semente, em vez de quatro, cinco, coloca seis, sete, por metro.
Agricultor - E resiste mesmo ao veneno?
Vendedor - A qualquer um deles, Roundup... É só plantar e depois passar por cima [agrotóxico]. Pode ficar tranqüilo.
Agricultor - Vocês pegam de lá [da Argentina], direto?
Vendedor - Não, não, tem um cara que traz de lá, direto. Ele tem uma importadora.

Ministério Público vai investigar
Alertado sobre os riscos do milho transgênico no Estado, o Ministério da Justiça determinou investigação sobre a origem das sementes ilegais.

Em reunião na quinta-feira (01/12), no Palácio do Planalto, os movimentos sociais levaram a suspeita aos ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff, da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. Surpresos com a informação, os ministros se comprometeram com o fortalecimento da fiscalização no Estado.

Bastos afirmou que o Ministério Público Federal vai investigar o caso a partir das denúncias dos produtores, e que a Polícia Federal apoiará os trabalhos caso seja requisitada. Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Paulo Rodrigues solicitou ao governo medidas fortes contra a disseminação dessa semente no Estado.

A Via Campesina entregou, no dia 15, à superintendência do Ministério da Agricultura uma amostra de semente de milho na qual foram detectados 93,5% de grãos transgênicos. Até mesmo os movimentos sociais reconhecem que iniciativa pode ter partido de pequenas propriedades rurais. O produto é um dos primeiros na fila das liberações comerciais da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), mas ainda não há previsão.

Amarga ilusão
Empolgados com os benefícios da soja transgênica, produtores gaúchos partem para uma nova experiência de maneira irresponsável. Há pouca informação no mercado interno sobre as variedades de milho geneticamente modificado. Mas na certeza da impunidade, esses produtores compram e plantam as sementes por pura curiosidade.

O que ocorre agora não é apenas uma cópia de 1998, quando começou o contrabando da soja da Argentina para o Rio Grande do Sul. É pior. À época, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança havia emitido parecer favorável à soja resistente ao glifosato. O que trancou o processo foi uma ação na Justiça. No caso do milho, não há qualquer autorização. À margem da lei, esses agricultores não estão nem preparados para os impactos desse cultivo. Nos Estados Unidos, o produto geneticamente modificado ocupa 50% das lavouras de milho. Lá, antes do plantio, os agricultores decidem a saída mais rentável. Vizinhos se respeitam. Combinam entre si o que plantar para evitar riscos de contaminação indesejada.

Coincidência ou não, no Brasil, sempre que um produto transgênico se aproxima da liberação comercial, explodem denúncias de uso de sementes clandestinas. Parece a estratégia do fato consumado. É bem verdade que o milho modificado ainda deve demorar para chegar ao mercado. Até lá, talvez produtores - e também o governo - aprendam a se organizar. Essa tecnologia vem para reduzir custos, mas não é a salvação da lavoura de ninguém. (ZH, 03/12)

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