Cooperativas lançam marca de roupas e acessórios feitos com algodão sem agrotóxicos
2005-12-05
Da união e diversidade geográfica nasce no país uma nova grife. O algodão sem agrotóxicos é plantado e colhido no Ceará. Depois, é transformado em fios e tecidos em duas cooperativas de trabalhadores paulistas, criadas a partir de empresas recuperadas. As sementes, que enfeitam as peças, são coletadas em sete estados da Amazônia. A última etapa do processo produtivo - coletivo - é executada por uma cooperativa de costureiras em Porto Alegre, RS, e uma empresa de autogestão catarinense de Itajaí, SC. Assim é a linha de montagem da Justa Trama, uma nova marca de roupas e acessórios que está chegando ao mercado.
Cerca de 700 agricultores, coletores de sementes, fiadoras, tecedores, costureiras, bordadeiras e serígrafos de 12 estados brasileiros participam da cadeia produtiva do algodão solidário, como tem sido chamada. Um comitê gestor, integrado por representantes das cinco cooperativas e da empresa responsável pelo processo produtivo coletivo, administra a logística e os negócios da Justa Trama. O primeiro desfile da marca foi realizado durante a Biofach América Latina, o principal evento do setor orgânico do continente. O evento aconteceu na capital fluminense de 16 a 18 de novembro.
A nova marca de roupas e acessórios, feitos de algodão agroecológico, é resultado dos princípios da economia solidária. O nome Justa Trama foi encontrado após muitas reuniões dos integrantes da cadeia produtiva do algodão solidário, uma iniciativa inédita no país. A marca deveria traduzir o espírito da proposta, baseado no respeito ao meio ambiente, geração de renda e consumo responsável.
A linha de montagem da Justa Trama envolve cinco cooperativas de trabalhadores e uma empresa de autogestão de quatro regiões: Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens) de Porto Alegre, RS; Cooperativa de Trabalhadores em Fiação, Tecelagem e Confecções (Textilcooper) de Santo André, SP; Cooperativa Nova Esperança (Cones) de Nova Odessa, SP; Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (Adec) de Tauá, CE; Cooperativa Açaí de Porto Velho, RO; e a empresa Fio Nobre de Itajaí, SC.
A idéia de unir todas as etapas do processo de produção surgiu há cerca de quatro anos. A partir de estudos realizados pela Agência de Desenvolvimento da Central Única dos Trabalhadores (ADS/CUT) sobre cadeias produtivas do país, foram iniciadas as discussões sobre o processo produtivo do algodão dentro da Central de Cooperativa e Empreendimentos Solidários (Unisol Brasil). Mas só no início deste ano foi colocada em prática.
A viabilidade da cadeia produtiva do algodão solidário foi testada no 5º Fórum Mundial Social, realizado no fim de janeiro deste ano, em Porto Alegre, RS, quando 60 mil bolsas produzidas, em menos de um mês, por 36 empreendimentos associados da região Sul, foram distribuídas aos participantes do evento. Essa experiência foi tema de oficinas no fórum e inspirou a proposta de criação da Justa Trama.
Sem defensivos agrícolas
Nosso produto não tem veneno, não polui a água, nem a terra, explica Nelsa Fabian Nespolo, presidente da Univens (Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos, de Porto Alegre). Ela diz que a Justa Trama vai procurar produzir camisetas, blusas, calças, bolsas, bermudas, entre outros produtos, sempre com um toque especial.
A idéia é acompanhar as tendências de mercado, buscando lançar novas propostas. A marca conta com o apoio e sugestões de alguns estilistas. Há mercado para novos produtos e ideais, justifica Nelsa. A logística de produção é a mesma da economia formal, mas o objetivo do negócio solidário é diferente na medida que os lucros são rateados entre os trabalhadores.
Todo mundo sai ganhando e com produtos saudáveis, ressalta a presidente da Univens. A formação de preços das peças da Justa Trama reflete o objetivo socioambiental adotado pela marca. Nossos preços têm valor social agregado e vai ajudar o empreendimento a ser auto-sustentável, esclarece Nelsa. Uma margem é inserida no preço das peças, visando a criação de um fundo de investimentos da marca, que fortalecerá os produtos da Justa Trama e os negócios de seus integrantes.
Como as cooperativas costumam fazer isoladamente para adquirir maquinários e construir suas sedes, acrescenta. A cadeia produtiva de algodão solidário é difícil, mas é viável, afirma Leila, tesoureira da Cones. Os clientes da Justa Trama são pessoas que têm preocupação com meio ambiente e consumo responsável. Segundo ela, há milhares de pessoas que compartilham desses ideais. No momento, as encomendas do mercado interno estão começando a chegar à Justa Trama, graças à participação em eventos e feiras. Os produtos da nova marca certamente serão exportados, futuramente, segundo Leila.
Desafio jurídico
Estamos nascendo aos poucos, diz Idalina Maria Boni, sócia-gerente da Fio Nobre, empresa de autogestão localizada em Itajaí e uma das responsáveis pela montagem e bordados das roupas e acessórios da Justa Trama. No momento, nosso desafio é a constituição da pessoa jurídica da Justa Trama, informa ela.
No próximo mês, o comitê gestor da nova grife vai se reunir para discutir qual a personalidade jurídica a ser adotada. Não se sabe ainda se a marca será abrigada sob a forma de empresa, consórcio ou entidade civil. Esse é o nosso desafio atual, revela Leila de Cássia Robleto França, tesoureira da Cooperativa Nova Esperança, em São Paulo, onde o algodão colhido no município cearense é transformado em plumas e, depois, em fios e tecidos.
Outros desafios da Justa Trama são em relação ao processo de tingimento das roupas e acessórios. Por se tratar de produtos 100% orgânicos, não devem possuir nenhum elemento químico nas etapas de produção. Ainda é necessário pesquisa e estudo para se encontrar fixadores orgânicos de cores, especialmente para as peças que levam estampas serigrafadas. Esse desafio deverá motivar tribos indígenas de Roraima, pois além de coletar sementes, também poderão contar com laboratório para pesquisar tinturas naturais para a marca. (Correio da Bahia, 04/12)