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2005-12-05
Uma proposta de alteração da lei sobre registro de agrotóxicos genéricos está causando debates acalorados em Brasília. Um projeto de lei da deputada federal Kátia Abreu (PFL-TO) propõe que a análise desses produtos seja feita exclusivamente pelo Ministério da Agricultura — atualmente, é necessário um parecer que inclui os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, além do da Agricultura. A parlamentar argumenta que a pasta comandada por Roberto Rodrigues pode dar conta do trabalho sozinha, o que agilizaria e baratearia o processo, permitiria que mais empresas entrassem nesse mercado e derrubaria o preço dos produtos, beneficiando os pequenos agricultores. Ambientalistas e representantes de outros ministérios, no entanto, negam que o processo seja demorado e afirmam que a simplificação das normas poderia trazer riscos ao meio ambiente e à saúde.

A norma atual (lei número 7.802/89) determina que o registro de um agrotóxico original só pode ser feito com a apresentação de uma documentação que descreva os efeitos do produto na agricultura, no meio ambiente e na saúde humana e animal a curto, médio e longo prazo. Realizar esses estudos exige tempo (de 6 a 10 anos) e dinheiro (os custos geralmente variam de US$ 150 milhões a US$ 250 milhões, mas podem atingir até mais de US$ 700 milhões, dependendo da substância).

— Por isso, apenas umas dez empresas trabalham nessa área no mundo todo - afirma o engenheiro agrônomo e professor da UNESP (Universidade Estadual Paulista) Geraldo Papa.

Vinte anos depois desse registro, no entanto, a patente da empresa expira. Outros fabricantes, então, podem registrar produtos genéricos ou similares. No primeiro caso, são substâncias idênticas à original. No segundo, produtos com uma pequena variação, mas com a maioria dos mesmos compostos e com as mesmas indicações e reações.

Esse registro, porém, exige um processo de análise, descrito em uma instrução normativa de 2002. Uma comissão composta pelos três Ministérios avalia se os produtos são de fato equivalentes aos originais, com base em dados fornecidos pelos fabricantes. Em caso positivo, ele é registrado. Se ficarem dúvidas, o governo pede mais informações para mais testes. Se a equivalência não ficar comprovada, a empresa deve apresentar o dossiê toxicológico completo.

As empresas do ramo reclamam dos custos e da demora do processo. A deputada Kátia Abreu concorda: — estamos vivendo um momento de crise na agricultura do país, precisamos de mais condições de produção.

Uma análise feita apenas pelo Ministério da Agricultura agilizaria a liberação do atestado de equivalência, segundo ela.

— O importante é ter um técnico qualificado fazendo esses testes. Não importa em qual o prédio esse técnico está. O Ministério da Agricultura tem técnicos capacitados para fazer isso sozinho - defende.

Alguns ambientalistas e representantes da saúde pública discordam da deputada.

— O agrotóxico é um produto de alta periculosidade, cuja única função é matar. É muito grave relaxar os cuidados com ele em qualquer ponto - argumenta o gerente-geral de Toxicologia da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Luiz Cláudio Meirelles.

Ele admite que, embora a instrução normativa que regulamente a avaliação seja de 2002, apenas em 2005 os genéricos estão sendo analisados. Kátia Abreu vê nessa demora uma demonstração de que há um excesso de burocracia que trava a agricultura. O gerente da ANVISA rebate.

— Só leva dois anos porque os fabricantes entraram com recursos na Justiça para não terem que apresentar os dados que pedimos - afirma.

— Essa norma foi aprovada em 2002, podíamos estar realizando isso desde então. Mas eles entraram com recursos e até tudo ser julgado nós só tivemos os dados em 2004. Tivemos que esperar mais um ano por causa da patente. Agora, desde julho, estamos fazendo os estudos e já começamos metade deles, que devem estar prontos até o final do ano. Não é o estudo que demora. A demora existe porque eles se recusam a colaborar.

Os dois lados do debate também discordam sobre o impacto dos custos do processo de registro para as empresas.

— Um estudo de equivalência custa em média R$ 200 mil. Não é nada comparado a um dossiê completo de toxicologia, que pode passar US$ 700 milhões - afirma Meirelles. Kátia Abreu acha que mesmo esses R$ 200 mil são muito para pequenas empresas. Para Meirelles, esse preço é necessário.

— Agrotóxico é um produto perigoso e uma empresa que resolve comercializá-lo precisa ter um mínimo de porte. Para quem tem condições de arcar com todos os riscos que essas substâncias podem gerar, R$ 200 mil não é nada - argumenta. — Não se pode misturar uma questão de saúde humana com questões de preço. Estamos falando de segurança da população, isso não é negociável - completa.

A deputada discorda que o projeto deixe em segundo plano a saúde dos brasileiros.

— Não sou uma pessoa insensata, não pretendo colocar em risco o bem-estar da população. É que, nesse caso, todos esses estudos de saúde e meio ambiente já foram feitos com o produto original, não precisamos repetir essas coisas de novo com os genéricos. O Ministério da Agricultura tem condições de ver se é realmente o mesmo produto e se a segurança das pessoas está garantida - assegura. — Quem defende esse esquema caríssimo está defendendo os interesses das empresas que concentram o mercado. É um negócio que movimenta US$ 4,5 bilhões na mão de meia dúzia de empresas - critica a deputada.

Luiz Cláudio Meirelles concorda que os mercado está concentrado, mas afirma que não será o fim dos laudos dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente que vai abri-lo.

— As indústrias químicas não estão concentradas só no Brasil, mas em todo o mundo. É um processo que acontece em todos os lugares. Não é abrir mão da segurança que vai mudar esse problema.

Uma outra discussão entre os dois lados envolve a importação dos agrotóxicos. Segundo o projeto de Kátia Abreu, o Brasil deixaria de fazer testes nos agrotóxicos importados, exigindo apenas o registro no país de origem.

— Isso é um absurdo. Com isso, um agrotóxico pode entrar no Brasil sem nenhum teste, vindo de qualquer lugar do mundo. A Argentina, por exemplo, não exige nenhum registro de produtos que entram lá. Ou seja, eles podem importar de qualquer lugar do mundo e isso entrar pelo Mercosul no Brasil sem qualquer controle. É inadmissível – critica Meirelles.

A deputada, no entanto, declara que o registro no país de origem basta para atestar a segurança do produto, e que os benefícios econômicos compensam a medida.

— Só com essa medida os agricultores brasileiros podem ter uma economia agora de US$ 640 bilhões ao ano - estima.

— Toda essa discussão é a essência do dilema do desenvolvimento sustentável - comenta Augusto Jucá, analista de programa da Unidade de Meio Ambiente e Energia do PNUD Brasil. — De um lado está a eficiência econômica e o crescimento do país. Do outro, a proteção ambiental e a saúde pública - explica.

Geraldo Papa, da UNESP, concorda que a questão é intricada.

— Simplificar o registro é bom para as empresas menores, porque facilita seu acesso aos mercados. Para o agricultor também é bom, porque permite uma maior diversidade de produtos na prateleira e um preço mais baixo. Por outro lado, é um risco. A economia aí pode não compensar se o produto se mostrar nocivo e exigir gastos posteriores - pondera.

Os dois lados dessa questão estiveram frente a frente em um debate organizado pela Íntegra Brasil (Agência de Integração à Saúde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Social do Brasil) com o apoio do PNUD, como parte do IV Seminário Nacional de Segurança, Meio Ambiente e Saúde no Brasil: Responsabilidade Social Ambiental Público Privado, que ocorreu nesta quinta-feira. (PNUD Brasil, 02/12)

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