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2005-12-05
Mais um passo foi dado rumo ao fortalecimento e à interação de dois importantes segmentos dos movimentos sociais brasileiros: o racial e o ambiental. Reunidos quarta-feira (30/11) para a plenária final do 1º Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental, realizado em Niterói (RJ), representantes da academia e de diversas organizações da sociedade civil decidiram estreitar seus laços e fortalecer o Grupo de Trabalho sobre Racismo Ambiental da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que foi criado em agosto. O seminário reuniu durante três dias, na Universidade Federal Fluminense (UFF), cerca de 90 pessoas vindas de todas as regiões do Brasil e até mesmo dos Estados Unidos. A diversidade dos atores chegou a gerar alguns atritos durante as discussões, mas foi ela também que garantiu a boa qualidade das propostas encaminhadas para a redação do documento político do seminário, a Carta de Niterói contra o Racismo Ambiental, que terá seu texto final divulgado nos próximos dias.

Um dos princípios da Carta de Niterói é a condenação e o repúdio a todas as formas de racismo e discriminação racial no Brasil e no mundo. Os participantes do seminário quiseram deixar claro que o fato de a maioria dos empreendimentos com grande impacto ambiental no país atingir populações de negros e indígenas não é mera coincidência.

— Muito se fala em recuperação de passivo ambiental e muitas vezes se esquece a dimensão humana que têm alguns desses casos. Quando falamos de racismo ambiental, precisamos falar também de recuperação do passivo humano - disse Lúcia Xavier, dirigente da ONG Criola.

Outro princípio importante do documento afirma que o racismo em geral, e o racismo ambiental em particular, é um agente destruidor das culturas e do patrimônio intelectual e espiritual humano. Nesse aspecto será feita também na carta uma referência de repúdio à apropriação das informações sobre o patrimônio genético das comunidades tradicionais.

A principal estratégia de luta decidida no seminário passa pelo fortalecimento das entidades representativas das comunidades atingidas, com ênfase para indígenas e quilombolas, mas passando também por caiçaras, pescadores e pelos novos atores surgidos em meio urbano, como as comunidades de catadores de resíduos recicláveis que marcaram presença no evento. Esse fortalecimento deverá ser feito a partir de um trabalho de reconhecimento e protagonização dos atores envolvidos, que muitas vezes não tem nenhum acúmulo de atuação social e se tornam presas fáceis nas mãos de alguns empreendedores. Na opinião de Nahyda Franca, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o fortalecimento dos atores pode colocar as disputas em torno das questões ambientais num novo patamar.

— É preciso trocar a lógica da imposição de interesses privados ou de políticas públicas pela lógica do diálogo e do respeito pelas pessoas e comunidades afetadas pela ganância empresarial que caracteriza nossa sociedade - disse.

Na opinião do ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, do grupo Ecologia em Ação, outra forma de aumentar o poder de atuação dos representantes das comunidades atingidas é aumentar sua participação nas esferas de diálogo já existentes, como os conselhos de meio ambiente ou as audiências públicas.

— Mas, para isso é importante que exista uma representação direta da base, com democracia e acompanhamento direto - disse. Sérgio Ricardo avalia que o diálogo sobre as políticas públicas só será qualificado quando órgãos ambientais e outras instituições mudarem seu perfil.

— É preciso mudar a cultura interna, seja no Ibama, seja na Marinha, por exemplo, de sempre beneficiar os grandes empreendimentos e punir os mais fracos - disse.

Mapa do Racismo
A Carta de Niterói trará uma sugestão para que a Rede Brasileira de Justiça Ambiental coordene a elaboração do primeiro Mapa do Racismo Ambiental no Brasil, que seria feito nos mesmos moldes dos mapas de conflitos ambientais já produzidos. O recém-criado GT de Racismo Ambiental deve articular junto à Rede também a realização de ações de difusão do saber e de educação ambiental comunitária contra o racismo ambiental. O documento trará ainda uma série de moções, que vão desde o repúdio ao processo de criminalização das lideranças sociais e comunitárias que está em curso no país até a condenação da carcinicultura (criação de camarões em cativeiro) que afeta a relação entre o meio ambiente e as populações tradicionais que com ele interagem há décadas.

Os dois primeiros objetivos anunciados no programa do 1º Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental eram estudar as dimensões do racismo ambiental no Brasil e promover o encontro de lideranças do movimento negro com as do movimento indígena e desses dois com pesquisadores da Academia e técnicos de ONGs a serviço da organização popular para fins de conhecimento mútuo e desenvolvimento de estratégias de ação. Ambos foram amplamente atingidos:

— O seminário cumpriu o objetivo de reunir atores que são ao mesmo tempo tão diversos e atraídos pelo importante tema do racismo ambiental - avaliou Tânia Pacheco, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), uma das coordenadoras do evento. Nahyda Franca teve avaliação parecida:

— As diferenças podem gerar racismo, mas também podem, através do diálogo e da troca de experiências, criar soluções. É importante ouvir outras lógicas - disse.

Relatos
Os impressionantes relatos apresentados no seminário realmente deram uma dimensão do racismo ambiental no Brasil. Os casos falam de deslocamento forçado, confinamento, transtornos causados por megaprojetos (como usinas hidrelétricas ou barragens), contaminação e outras formas de violência. Na UFF, contaram suas histórias pessoas vindas da Bahia, do Espírito Santo, do Ceará, do Amapá, do Amazonas e do Mato Grosso, entre outras. Edmilson Pinheiro, do Fórum Carajás, relatou as diversas ameaças ambientais que pairam sobre as populações mais indefesas do Maranhão, como a ampliação da estação de lançamentos de foguetes de Alcântara, a construção de um pólo siderúrgico em plena Ilha de São Luís ou a construção de uma usina hidrelétrica no baixo Rio Parnaíba. Falou também da expansão da monocultura da soja no Sul do Estado, que vem trazendo problemas às populações negras camponesas:

— Os fazendeiros pulverizam agrotóxicos em vôos rasantes que atingem completamente as casas. Várias pessoas estão doentes - contou.

Antônio Brand, da Universidade Católica Dom Bosco (MS), contou como a soja foi também a vilã no caso dos índios Guarani-Kaiwá, no Mato Grosso do Sul. Encurralados pelo desenvolvimento acelerado da monocultura desde a década de setenta, eles vivem atualmente confinados em oito pequenos pedaços de terra que somam 18 mil hectares:

— Temos um caso de concentração de cerca de 17 mil índios numa área pouco maior que seis mil hectares. Talvez seja a concentração mais acentuada do mundo - acredita.

Houve também relatos animadores, como o feito por José Araújo da Paixão, presidente do Conselho das Comunidades Afrodescendentes do Amapá. Ele contou como a comunidade do Quilombo do Curiaú e outras comunidades vizinhas da Serra do Navio estão vencendo uma batalha que já durava anos contra a transnacional Icomi acerca do depósito de resíduos tóxicos decorrentes do beneficiamento de manganês feito pela empresa. Segundo Paixão, depois de explorar o manganês da região por 48 anos, em 1999 a empresa queria, com o apoio do governo estadual, abandonar 384 mil toneladas de rejeitos (basicamente compostos pelos venenos arsênico e bário) em cinco bacias cavadas ao lado das comunidades.

— As bacias ficavam próximas às cabeceiras de três nascentes, e a contaminação das pessoas que moravam na região era certa - conta Paixão. As comunidades se revoltaram com a situação, organizaram sua luta e, depois de uma batalha política e judicial que se arrastou por alguns anos, conseguiram vencer a queda-de-braço:

— Tivemos que radicalizar, mas hoje isso é uma guerra vencida. Os rejeitos nunca foram despejados nas bacias e este ano começaram a ser removidos - relatou o líder comunitário. (Agência Carta Maior, 02/12)

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