Transposição do São Francisco: A seus postos
2005-12-02
Embora o projeto de transposição do rio São Francisco esteja oficialmente parado,
batalhões do Exército já podem ser vistos nos municípios pernambucanos de
Cabrobó e Petrolândia – locais previstos para o início da construção dos canais
dos eixos norte e leste. Os militares e o Ministério da Integração Nacional
negam que qualquer obra relativa ao projeto de transposição tenha começado. Mas
isso não convenceu o Ministério Público da Bahia, que tem lá suas dúvidas e
mandou investigar.
Segundo o Exército, os homens que estão em Cabrobó pertencem ao 1º Grupamento de
Engenharia de Construção de João Pessoa (PB). Eles estão fazendo o
reconhecimento técnico da região e estudos para elaboração dos projetos
executivos dos trechos destinados ao Exército . A assessoria de comunicação
social enfatizou que esses trabalhos não caracterizam o início das obras, o que
só pode acontecer com autorização expressa do Ministério da Integração Nacional
e após a liberação da devida licença ambiental.
Ainda que as obras para a transposição dependam da licença do Ibama e da outorga
da Agência Nacional de Águas (ANA) – ambas suspensas por decisão judicial –, o
Ministério da Integração Nacional já depositou R$ 1.852.983,17 na conta dos
militares, para os tais trechos destinados ao Exército . Outro repasse
foi no valor de R$ 7.766.802,99, para a realização de obras na Ilha de Assunção,
formada por um braço do São Francisco nas proximidades de Cabrobó, onde está
prevista a primeira tomada de água da transposição. No local vive a comunidade
indígena Trucá. Todo esse dinheiro está desde o dia 28 de junho à disposição dos
militares.
Apenas estudos
O Exército afirma, no entanto, que as obras em curso na Ilha de Assunção não têm
nada a ver com a transposição. – Elas visam atender uma necessidade da
comunidade local-, informa. Segundo o Ministério da Integração, trata-se de
melhorias para o escoamento da produção de arroz. – O ministro Ciro Gomes se
comprometeu a construir estradas na Ilha de Assunção e erguer 140 casas para a
comunidade indígena. Foi um compromisso muito anterior à concessão da licença
prévia do Ibama-, explica Fernando Sarmento, da coordenadoria técnica do Projeto
São Francisco. Segundo ele, a pavimentação das rodovias é importante porque a
ilha é responsável por 70% da produção de arroz em Pernambuco.
Não é bem essa a explicação dada no site do 1º Grupamento de Engenharia de
Construção de João Pessoa (PB). O texto da página informa que, durante as
discussões sobre os possíveis prejuízos à pesca e outras atividades
desenvolvidas pelos índios Trucá em função da transposição, o ministro Ciro
Gomes concordou em financiar algumas benfeitorias na ilha. – Foi prometida pelo
ministro a pavimentação da principal estrada da ilha, com uma extensão de 18
quilômetros, a melhoria de 50 quilômetros de estradas vicinais e construção de
casas de alvenaria-. Ainda de acordo com o texto, a pavimentação da rodovia e a
melhoria das vicinais foram atribuídas ao Exército e as casas à Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). A autorização para as obras
rodoviárias foi firmada no dia 30 de junho diante de autoridades locais e mais
de duas mil pessoas.
Sarmento não soube explicar concretamente o que fazem homens do 2º Batalhão de
Engenharia de Construção de Teresina (PI) a cerca de 200 quilômetros dali, nas
proximidades da cidade de Floresta (PE), de onde sairia o canal do eixo leste da
transposição. – Antes do projeto do São Francisco ser bloqueado por três
liminares no Supremo Tribunal Federal, o Exército já estava trabalhando naquela
região, fazendo estudos, não obras-, diz.
No dia 16 de novembro, Alzeni Tomaz, agente da Pastoral dos Pescadores, o
fotógrafo João Zinclar e o presidente da colônia de pescadores de Petrolândia
(PE), Pedro de Souza, foram lá ver o que se passava. Já tinham ouvido de
comunidades locais que havia gente do Exército na área e constaram, de fato, que
os homens estavam aparentemente realizando levantamentos topográficos no trecho
por onde passaria o canal leste. Os militares foram abordados pelos três no
local para onde está prevista a construção da barragem de Areias, a 30
quilômetros de Floresta. – Eles estavam com GPS e outros equipamentos de
medições. Vimos picadas na Caatinga e marcações sendo colocadas no chão desde o
local de captação de água, às margens do São Francisco, até a primeira barragem-,
conta Alzeni. – Disseram que estavam fazendo inspeção de topografia e aguardando
uma equipe do ministério-, completa Pedro de Souza, lembrando que os homens do
batalhão do Piauí estão há mais de três meses na região.
As suspeitas de que o Exército não esteja simplesmente fazendo medições
motivaram a Comissão Pastoral da Terra (CPT) a enviar fotos das equipes do
Exército em Pernambuco para o Ministério Público da Bahia. Com base nelas, a
promotora Luciana Khoury decidiu, na noite de sexta-feira, dia 25, fazer um
pedido formal ao Supremo Tribunal Federal demonstrando que está havendo
desobediência à decisão judicial sobre o impedimento das obras para transposição
do rio.
Independentemente das fotos da CPT, o MP da Bahia vai mandar peritos ao local.
Segundo a procuradora, o MP pediu explicações ao Exército, que, por sua vez,
respondeu já existirem convênios para as obras de transposição. Para Luciana, se
os homens não estiverem abrindo terreno ou realizando qualquer atividade que
provoque impactos, não há impedimento legal quanto à sua presença. É isso que o
MP vai conferir. (Andreia Fanzeres, O Eco, 26/11)