US$ 5,8 bi para devastar a Amazônia
2005-11-30
O financiamento oficial para a pecuária bovina na Amazônia foi mais de 25 mil vezes maior do que para o reflorestamento entre 1989 e 2002. No período, o Banco da Amazônia emprestou para os pecuaristas US$ 5,8 bilhões do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) na Amazônia (excluindo Mato Grosso e Maranhão), dos quais US$ 2,36 bilhões foram aplicados diretamente no setor. Projetos de reflorestamento ganharam menos de US$ 10 mil. É fácil entender por que a Amazônia é atualmente a região do Brasil onde a população bovina mais cresce: passou de 26,6 milhões para 64 milhões de cabeças, um aumento de 240%. Hoje, há três vezes mais bois do que pessoas na Amazônia. É também óbvio concluir que tal desempenho não é conseqüência do investimento pesado em tecnologias para aumentar a produtividade em regiões tradicionalmente pecuaristas e, sim, o efeito da falta de políticas públicas que faz o preço da terra ser tão baixo no Pará e no norte de Mato Grosso. É muito barato desmatar, legal ou ilegalmente, e a madeira ainda serve como capital para quem investe em gado.
Os dados fazem parte de um livro lançado ontem pela ONG Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Intitulado Pecuária na Amazônia: Tendências e Implicações para a Conservação, ele traça um perfil do setor com óculos socioambientais e confirma que o desmatamento na Amazônia segue ondas de exploração. E uma das principais é o gado.
A Terra do Meio, região do Pará campeã em corte de árvores e grilagem, é também uma das áreas onde o gado mais cresce.
— Um dos fatores de incentivo é a facilidade de acesso à floresta. Para conseguir o FNO, é proibido desmatar, mas a pessoa tem capital que vem da própria floresta - explica Paulo Barreto, um dos autores do livro.
— Quase 100% do desmatamento na Terra do Meio é para pecuária.
São Félix do Xingu (PA), município que mais derrubou no último ano, vê sua população bovina, que já ultrapassa 130 mil cabeças, crescer vertiginosamente nos últimos anos. Muita gente limpa o terreno das árvores e coloca animais com o objetivo de elevar o valor da terra e vender mais tarde para grandes pecuaristas.
Esse perfil é de quem atua nas novas fronteiras da pecuária na Amazônia, geralmente em locais onde existe muita irregularidade fundiária ou próximos a rodovias que serão asfaltadas, como a BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Há também o caso do Acre, que recebeu produtores depois que Rondônia realizou um zoneamento econômico.
Há outro tipo de pecuarista na Amazônia, mais organizado, que tenta se modernizar. Ele visa ao mercado internacional, que está nas mãos de quem produz no Centro-Oeste e Sul.
— Ele está em fronteiras já estabelecidas, como no leste do Pará, em Rondônia, Mato Grosso e Maranhão, e investe em tecnologia. Só que a parte ambiental não melhorou – diz Barreto.
Tatiana Deane de Abreu, diretora-executiva da Embrapa, acredita que é possível fazer o setor crescer sem mais ônus ambiental, desde que a questão da terra seja regularizada e um zoneamento econômico seja feito para toda a região.
— A pecuária na Amazônia começou quase extrativista. É preciso recompor a função da floresta.
Já que a tendência é de crescimento, o Imazon sugere a criação de unidades de conservação mistas: em algumas a pecuária seria permitida, enquanto outras seriam formadas exclusivamente para a preservação ambiental. Isso, diz Barreto, se o governo criar mecanismos que barrem a ilegalidade e ajudem a promover o crescimento sustentável. (O Estado de S. Paulo, 29/11)