Ambientalistas criticam propaganda no Rima de Tijuco Alto
2005-11-30
Um novo conceito de Relatório de Impacto Ambiental (Rima) está sendo proposto ao Ibama. O Rima da Usina Hidrelétrica Tijuco Alto usa as informações de forma inovadora e seduz o leitor para os benefícios da obra da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) no Vale do Ribeira, localizado nos Estados de Paraná e São Paulo. O Ibama ainda não analisou o Rima, que não foi disponibilizado oficialmente por um erro no site do órgão. Mesmo assim, já está dando o que falar.
Parte da área prevista para a Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, de um total de 5.180 hectares do futuro lago, já é de propriedade da companhia. O Rima diz que desse território, 3.721 hectares serão desmatados e 130 km de rede elétrica serão inundados. Estes e outros dados do impacto da obra estão pulverizados em uma história com Adriana e Ribeirinho (uma analogia aos nomes dos municípios de Adrianópolis e Ribeira) em Conhecendo o Projeto Tijuco Alto.
O enredo começa com um banho de rio de duas crianças.
Eis que surge um barulho: BBRRROOOOOMMMMM.
Quem será que está chegando? Indaga a menina.
Olha, Adriana! Quem são aquelas pessoas? O que será que elas vieram fazer aqui?
De repente, surge num passe de mágica:
Tio Juco, ao seu dispor.
O Tio Juco então conta para a meninada e mais um amigo da espécie canina o que veio fazer ali:
Olá amiguinhos! Vejo que vocês têm muitas perguntas e vim aqui para ajudá-los a entender o que está acontecendo! Esse pessoal está aqui para estudar a região, para saber se é possível a construção de uma Usina Hidrelétrica. Cada um estuda um tema diferente, como os bichos, a mata, o solo, a água, as pessoas, e muito mais.
Nossa!!, Dizem os meninos.
Até que o super Tio Juco pega pela mão as crianças e sai voando para uma super-aventura (até o totó vai junto, dizendo au, au).
O prazo para o Ibama verificar se o Estudo de Impacto Ambiental e o Rima estão de acordo com o Termo de Referência é de 120 dias da data da entrega, conforme Instrução Normativa do Ibama (em http://www.ibama.gov.br/licenciamento/modulos/arquivo.php?cod_arqweb=IN065). O Rima foi entregue no dia 10 de outubro deste ano. A avaliação do Ibama envolve duas fases: a primeira é se o EIA/Rima atende os quesitos do Termo de Referência e depois se a qualidade do conteúdo está satisfatória.
A história dessa hidrelétrica, entretanto, é bem antiga. O próprio Rima inicia com Antecedentes do Licenciamento, onde a CBA revela que desde 1989 tem a intenção de construir a usina. E defende os porquês de usar uma hidrelétrica e não outra forma de geração de energia. Também argumenta que precisa de energia para manter sua crescente produção. A CBA não exporta o minério de alumínio, ela produz vários produtos de alumínio metálico com elevado valor agregado, que abastecem o Brasil e outros países do mundo, gerando divisas para o país, diz o texto.
Ambientalistas estão preocupados com a linguagem
É permitido na elaboração do Rima a utilização de figuras, mas é preciso ter uma linguagem apropriada. — O problema é a forma como será utilizada esta linguagem. O Rima é um resumo do EIA e precisa ser isento. A forma como foi apresentado é uma peça de propaganda-, aponta o advogado Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental.
— O que pensará um senhor de idade, ao ler um livro cheio de ilustrações infantis?-, pergunta Raul, o advogado do ISA. Para ele, que acompanha há anos o processo de licenciamento de Tijuco Alto, a edição gráfica utilizada contradiz o texto. — Ela é mais importante que o conteúdo e passa uma idéia de que os bichos, as plantas e a comunidade estão felizes nos momentos onde são apontados os possíveis impactos-, critica.
Raul entende que se o Ibama aceitar um Rima nesses moldes, abrirá um forte precedente. Ele lembra que o processo de licenciamento vem sofrendo alterações nos últimos anos. A Resolução nº 1/86 do Conama estipulava que o EIA/Rima fosse realizado por uma equipe independente, cadastrada no órgão ambiental e que o empreendedor apenas deveria pagar os custos. Mas com o lobby do setor de infra-estrutura, foi aprovada a modificação deste ponto na Resolução 237/97 do Conama , permitindo que as próprias equipes técnicas das empresas façam os estudos de viabilidade. — Como pode se esperar isenção de um EIA/Rima elaborado pela própria empresa interessada em instalar o empreendimento, se ele é o único estudo que poderia apontar óbices à sua instalação?-, questiona.
No caso de Tijuco Alto, a relação de interesses entre a empresa contratada para realizar os estudos e o empreendedor são muito claros. — Desde o começo a CNEC Engenharia, empresa contratada pela CBA para fazer o EIA/Rima, vem atuando de forma absolutamente parcial. Eles deveriam simplesmente realizar um estudo técnico, mas vêm servindo de prepostos da CBA na região, fazendo propaganda da obra antes mesmo do estudo estar pronto -, afirma.
Para Miriam Prochnow, coordenadora geral da RMA, os Relatórios de Impacto Ambiental precisam ser apresentados de forma clara e direta aos setores que podem ser afetados por obras de grande impacto. Mas isso não quer dizer que os Rimas devam virar peças de marketing para vender a obra e seduzir a comunidade. — O mais importante é que eles sejam honestos, apresentados de forma detalhada e que não contenham fraudes, o caso Barra Grande que o diga -, salienta Miriam, referindo-se ao episódio que o EIA/Rima omitiu a existência de mais de cinco mil hectares de mata nativa com araucária para a construção da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, na divisa do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Lucia Ortiz, coordenadora do Grupo de Trabalho de Energia do Fórum Brasileiro de Organizações e Movimentos Sociais (FBOMS) e do Núcleo Amigos da Terra/Brasil, diz que usar uma linguagem popular na defesa de um empreendimento e não na apresentação dos impactos e das alternativas é muito perigoso. — Desvirtua o objetivo deste estudo que seria um instrumento e passa uma falsa realidade para a comunidade-, pondera. Lúcia argumenta que este Rima não apresenta outras alternativas locacionais, conforme o previsto no Artigo 5, Parágrafos 1 e 2 da Resolução 1/86 do Conama.
FBOMS quer mudar regras do licenciamento
O Fórum Brasileiro de Organizações e Movimentos Sociais está estudando a adoção de algumas mudanças no licenciamento de grandes empreendimentos. O FBOMS quer que sejam contratadas auditorias independentes para análise de um contexto regional do projeto. O FBOMS ainda defende que seja feito um acompanhamento da implantação das medidas apontadas nas licenças ambientais. — O Ibama não têm controle disso, não confere a implementação de medidas compensatórias-, exemplifica. Raul acrescenta que alguém da comunidade, que conviva com as pessoas atingidas, deva acompanhar de perto a evolução dos impactos da obra.
Por Sílvia Marcuzzo, da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)