Os problemas ambientais da soja transgênica
2005-11-29
A soja transgênica é assunto na imprensa brasileira, com maior ou menor
intensidade, desde 1997 quando os agricultores gaúchos começaram a contrabandear grandes quantidades de sementes RR da Argentina. Na época, a Polícia Federal
abriu inquéritos no interior do Estado e os ecologistas começaram os alertas
sobre riscos à saúde humana e ao meio ambiente.
Após anos de discussão, foi finalmente aprovada em março de 2005 a Lei de
Biossegurança, recentemente regulamentada por decreto. Após quase uma década de
polêmica, ainda não se tem notícia de algum consumidor que tenha morrido ou
ficado com alguma seqüela por ingerir algum produto à base de soja resistente ao
herbicida glifosato. No entanto, as evidências sobre os impactos ambientais são
crescentes.
O glifosato não mata tudo, como inicialmente se acreditava. Várias plantas são
resistentes às aplicações, exigindo doses extras para a limpeza das
lavouras. É o caso da trapoeraba ( Commelina benghalensis ) e da
corda-de-viola ( Ipomea spp ). Pesquisadores brasileiros já descobrirem
em campo que também há resistência da poaia-branca ( Richardia brasiliensis
), erva-de-santa-luzia ( Euphorbia pilulifera ), erva-de-touro (
Tridax procumbens ), capim branco ( Chloris dandiana ) e a
erva-quente ( Borreria latifólia ). O azevém (Lolium multiflorum )
resiste até mesmo a doses superiores a 10 litros por hectare. As empresas e os
defensores do Plantio Direto garantem que o glifosato não tem efeito tóxico
residual. No entanto, há estudos que apontam impactos negativos no solo.
Em sua terceira viagem a Porto Alegre, entre os dias 20 e 22 de novembro de 2005,
o físico teórico e ativista ecológico Fritjof Capra trouxe consigo um artigo
sobre os impactos ambientais da soja transgênica. O texto é assinado por Miguel
Altieri, um dos principais incentivadores da Agroecologia no mundo, e Walter
Pengue, pesquisador da Universidade de Buenos Aires. As questões a seguir foram
extraídas deste estudo, escrito a quatro mãos e disponível em inglês no site
www.biosafety-info.net, intitulado Roundup ready soybean in Latin América: a
machine of hunger, deforestation and socio-ecological devastation (Soja roundup
ready na América Latina: uma máquina de fome, desmatamento e devastação
socioambiental).
Em áreas sem rotação de cultura, a soja causa erosão do solo. Segundo estimativa
dos autores, no Brasil e na Argentina, dependendo do tipo de manejo das lavouras,
da declividade do terreno e do clima, a perda média de solo varia entre 19 e 30
toneladas por hectare. O Plantio Direto reduz esta perda, mas com o advento da
soja resistente ao herbicida glifosato, muitos produtores rurais passaram a
plantar em solos erodidos. Nestas áreas, mesmo com cobertura de solo, a erosão e
as mudanças negativas na estrutura do solo podem permanecer de maneira
substancial em terras com alto potencial de erosão se a cobertura de plantas for
reduzida, o que ocorre com a aplicação do glifosato. As plantas consideradas
daninhas não são tão daninhas assim.
Na Argentina, onde mais de 90% da soja plantada é transgênica e os produtores
nunca pagaram royalties para a Monsanto, o cultivo intenso tem levado a uma
perda massiva de nutrientes do solo. Estima-se que a produção contínua de soja
extraiu cerca de um milhão de toneladas de Nitrogênio e ao redor de 227 mil
toneladas de Fósforo. O custo de reposição destes nutrientes - via fertilizantes
- está estimado em US$ 910 milhões. O aumento de Nitrogênio e Fósforo em
diversas bacias hidrográficas da América Latina está certamente relacionado com
a expansão da sojicultura.
O plantio da soja aumentou consideravelmente no Brasil – a partir dos anos 70 -
por dois avanços tecnológicos obtidos pela Embrapa: novas variedades adaptadas
para as condições tropicais e a bactéria (Rizhobium) fixadora de nitrogênio.
Este trabalho, da equipe da pesquisadora checa, naturalizada brasileira, Johanna
Döbereiner, da Embrapa Agrobiologia, resultou em grande economia para o país e
redução dos impactos ambientais da sojicultura, pois dispensa os caros
fertilizantes químicos nitrogenados. A bactéria inoculada cria nódulos para
buscar o próprio alimento. Usando o nitrogênio do ar, ela produz enzimas e
proteínas que servem de nutriente tanto para a planta como para a própria
bactéria.
Esta vantagem produtiva do Brasil – das bactérias fixadoras de nitrogênio – pode
desaparecer rapidamente com o avanço da soja transgênica. Pesquisas têm
demonstrado um efeito tóxico do herbicida glifosato na bactéria Rizhobium, o que
poderá exigir novamente pesados investimentos em adubos nitrogenados, aumentando
o custo da lavoura e os impactos ambientais. Além disso, a prática comum de
converter pastagens em áreas de soja tem diminuído a economia proporcionada pela
bactéria Rizhobia e exigido a aplicação de Nitrogênio sintético.
A redução da diversidade vegetal, em função da expansão das monoculturas, tem
historicamente levado a grandes infestações de insetos e epidemias de doenças.
Os insetos e os patógenos encontram terreno fértil nestas áreas homogêneas
devido à inexistência de controle natural. Isto leva a um aumento do uso de
pesticidas, que após algum tempo perde a eficácia devido ao surgimento de
resistência. Estes pesticidas aumentam a contaminação do solo e da água, elimina
a biodiversidade e causam intoxicação humana. Nas lavouras na Amazônia, a alta
umidade propicia o aparecimento de fungos, o que resulta na aplicação pesada de
fungicidas. Nas áreas sem Plantio Direto, as lavouras brasileiras de soja são
severamente afetadas pelo cancro da haste e pela síndrome da morte súbita.
A ferrugem asiática é a nova doença que está afetando a soja na América do Sul,
potencializada pelas condições úmidas e pela uniformidade das monoculturas.
Doses maciças de fungicidas tem sido aplicadas para tentar conter a doença. E
desde 1992, mais de dois milhões de hectares estão infectados por nematóides de
cisto. Muitos destes problemas estão relacionados com a uniformidade genética e
o aumento da vulnerabilidade das monoculturas de soja, mas também aos efeitos
diretos do glifosato na ecologia do solo, como a diminuição da população de
fungos micorrízicos e a eliminação de antagonistas que mantém o crescimento de
patógenos sob controle.
Estudos têm demonstrado que em áreas de soja transgênica, as aplicações de
herbicida tem aumentado. Nos Estados Unidos, o consumo de glifosato aumentou de
6,3 milhões de libras-peso em 1995 para 41,8 milhões de libras-peso em 2000, e
agora o herbicida é usado em 62% das áreas com soja. Na Argentina, as aplicações
de glifosato em 2004 foram estimadas em 160 milhões de litros, e a expectativa é
de crescimento com o aumento da resistência já observado em diversas ervas ditas
daninhas.
A produtividade da soja RR varia entre 2,3 e 2,6 toneladas por hectare na região,
6% a menos do que o rendimento das variedades convencionais. Sob altas
temperaturas e falta de água, a soja transgênica perde 25% a mais do que as
variedades convencionais, tanto que na safra 2004/2005 mais de 70% das lavouras
de soja transgênica foram perdidas no Rio Grande do Sul em função da estiagem.
Quando um único herbicida é usado repetidamente em uma lavoura, as chances de
aparecerem plantas resistentes a este herbicida aumentam significativamente.
Cerca de 216 casos de resistência a herbicidas já foram descritos em uma ou mais
famílias de herbicidas. Pela pressão comercial das indústrias químicas, as áreas
tratadas com herbicidas de largo espectro tendem a aumentar. Isto vai resultar
em mais plantas resistentes. Em função das grandes lavouras, a aplicação tem
sido feita com aviões agrícolas. A deriva do produto, na aplicação aérea,
aumenta a contaminação de outras áreas.
O glifosato tem efeitos tóxicos na microfauna do solo. Entre as possíveis
conseqüências estão a redução da capacidade da soja de fixar nitrogênio, plantas
mais suscetíveis a doenças e a redução do crescimento dos fungos micorrízicos
que ajudam as plantas a extrair o fósforo do solo. Todas estas graves questões
levantadas por Althieri e Pengue – que já podem ser observadas nas lavouras
brasileiras - devem ser pautadas pela imprensa que cobre agricultura e meio
ambiente no Brasil. (Roberto Villar Belmonte, Ecoagência, 28/11)