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2005-11-29
Apenas 30% das informações científicas sobre a Amazônia são produzidas no Brasil. O restante vem de fora, quase sempre sem a participação de brasileiros.

— E esse hiato tem aumentado ao longo do tempo - diz Adalberto Luís Val, 49 anos, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e professor da Universidade do Estado do Amazonas.

— Hoje, sequer temos capacidade de acompanhar toda essa produção estrangeira - afirma Luís Val. — É preciso aumentar o que é feito por aqui, gerar mais conhecimento em todas as áreas.

O cientista paulista é o que se pode chamar de amazônico por opção. Nascido em Campinas, graduou-se em biologia no Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto, antes de seguir para o Norte do país em 1981. No Inpa, fez o mestrado e o doutorado, sempre na área de ictiologia (ramo da zoologia que estuda os peixes).

Mas se engana quem acha que o pesquisador restringiu seu universo ao mundo dos peixes dos rios da floresta. Quem já teve a oportunidade de assistir a uma apresentação sua sabe bem que ele olha a Amazônia como um todo. Ou melhor, as várias amazônias que existem de forma integrada.

Há tempos o pesquisador do Inpa defende uma política nacional para a região, com a participação de todos os Estados. Levar os cientistas para a Amazônia e fazer uma interlocução científica a partir de lá pode ser a saída para que a soberania intelectual da região seja preservada.

Em entrevista à Agência FAPESP, Luís Val reforça que é urgente colocar a Amazônia brasileira definitivamente na pauta do dia.

Agência FAPESP – A Amazônia, pelo menos na última década, tem sido discutida com freqüência nos fóruns científicos e políticos. Isso não tem provocado nenhuma ação prática?

Adalberto Luís Val - Claro que existem sinais positivos. A inclusão da Amazônia como uma área de interesse nacional num evento como a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação [realizada em Brasília de 16 a 18 de novembro] é, por exemplo, um passo importante. Mas falta a região deixar apenas de chamar a atenção e passar a ser também uma zona de ação do governo federal. Há uma base de instituições importante que precisa ser fortalecida. O país forma mais de 9 mil doutores a cada ano, mas apenas 1 mil estão fixados na Amazônia. É fácil perceber que falta uma política nacional para tentar mudar esse quadro.

Agência FAPESP – Na sua opinião, quais são os principais exemplos da base estabelecida na Amazônia?

Luís Val - O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que tem crescido bastante, é um deles. O Museu Paraense Emilio Goeldi, instituição centenária de muito valor, é outro, da mesma forma que as universidades, tanto as federais como as estaduais. E temos também o Inpa, claro.

Agência FAPESP – A questão da Amazônia, em termos de conhecimento científico, pode ser resolvida apenas com recursos humanos?

Luís Val - O ponto principal é que não existe uma solução única, precisamos pensar em múltiplas alternativas. E é preciso acabar com a disputa entre os Estados, as decisões devem ser tomadas em conjunto, em termos de Nação. Depois, os estados poderão desempenhar um bom papel na administração das necessidades locais. A Amazônia requer um tratamento completamente diferente.

Agência FAPESP – Não existe um rascunho desse tratamento?

Luís Val - A Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] tem pensado nisso. O CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] também. Mas a ausência do Estado na região é antiga e crônica. Ainda falta o desenvolvimento de um projeto de mobilidade nacional para que, de fato, nos apropriemos do conhecimento que tem sido gerado sobre a região.

Agência FAPESP – Quer dizer que isso não ocorre atualmente?

Luís Val - O Brasil produz apenas 30% do volume de informações científicas sobre a Amazônia. E esse hiato tem aumentado ao longo do tempo – em 1990, respondíamos por 58% do total. Além disso, esses 70% de conhecimento gerado lá fora não têm a participação de brasileiros. Hoje, sequer temos a capacidade de acompanhar toda a produção estrangeira. E o mundo todo não vem para a floresta apenas por ela ser bonita.

Agência FAPESP – Qual é o melhor caminho: seguir a informação de fora ou produzi-la por aqui?

Luís Val - A saída é aumentar o que é feito aqui. Precisamos gerar conhecimento em todas as áreas. Nas ciências sociais, na agronomia, na física, na matemática, no sensoriamento remoto e em muitos outros campos.

Agência FAPESP – Além de produzir, fixar recursos humanos na própria Amazônia não é outro ponto fundamental?

Luís Val - É exatamente isso que defendemos. Ciência é uma atividade social. É preciso haver uma interação com as pessoas. Temos que nos impregnar da realidade amazônica, essa é a tônica principal. É por isso que existe a necessidade de um projeto nacional, que envolva o governo federal, esteja permeado por todas as amazônias e chegue aos estados. Se o Rio de Janeiro produz uma determinada capacidade, vamos usá-la da melhor forma possível. O mesmo vale para o Rio Grande do Sul, e por aí vai. Precisamos criar processos de cooperação Norte-Sul dentro do próprio país. Viajar de São Paulo de avião por quatro horas, chegar, fazer uma coleta e voltar é totalmente diferente de viver na Amazônia.

Agência FAPESP – A questão, então, é criar uma interlocução a partir da própria região?

Luís Val - O problema é que hoje meu interlocutor não está na Amazônia e, muitas vezes, muito menos no Brasil. Precisamos trazer essa interlocução para dentro de casa, processo que deve ser feito tendo em vista as diferenças dentro da região Norte. Há grandes diferenças no Índice de Desenvolvimento Humano em São Paulo, o estado mais rico da Federação. Imagine, então, na Amazônia. Nem precisa andar muito para perceber as grandes diferenças ali presentes.

Agência FAPESP – Diante dos grandes problemas da região, da falta de ação e da grande produção no exterior, será que dará tempo?

Luís Val - Sempre vai dar tempo. Temos que adotar um ponto virtual lá na frente, fixá-lo bem e caminhar até ele. Depois, podemos nos apropriar do que foi produzido daquela marca para trás, se algo tiver ficado pelo caminho. Mas não podemos correr atrás dos problemas. O Brasil tem, por exemplo, excesso de máquinas de seqüenciamento de DNA. Todos correram para comprar esses equipamentos quando a onda da genômica chegou. Agora, para atingir o ponto lá na frente e depois caminhar a partir dele é preciso ter gente. Com o número de pessoas que temos hoje fixadas na região não conseguiremos coisa alguma. Para ser bem realista, recursos humanos é a nossa primeira prioridade. Sem gente não se trabalha, nem na Amazônia nem em lugar algum. (Agência FAPESP, 28/11)

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