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2005-11-29
Por Marcos Sá Corrêa*
Qualquer governo que se meta a fazer uma obra de R$ 4,3 bilhões num ano de campanha eleitoral é, em princípio, suspeito. De tudo, inclusive de começar o que não acabará neste mandato. Mas o governo Lula, cuja grande marca administrativa é a fusão da velha roubalheira da política nacional com a nova modalidade de seqüestro partidário da máquina pública, pode passar de fininho pelo lançamento da transposição do São Francisco.

Discutido, o projeto só foi quando, há um mês, o bispo D. Luiz Flávio Cappio conseguiu fazer barulho com a greve de fome que anunciou lá de Cabrobó, no sertão baiano, levando os brasileiros a falar por duas semanas, senão do rio, pelo menos daquele franciscano disposto a morrer pela causa, numa capela com chão de terra batida. Até que o governo mandasse a Cabrobó o ministro Jacques Wagner, para selar com o bispo um acordo que Brasília não tinha a menor intenção de cumprir.

Cappio, pela greve, foi chamado de quase tudo o que se pode publicar entre doido e demagogo. Como se demagogo não fosse também o projeto que ele combatia e doido o país que deixa um governo fazer tudo o que lhe dá na cabeça, mesmo quando não está provado que ele tem mesmo cabeça. Calado o bispo, a obra começou de fininho no São Francisco, embora embargada na Justiça. O Exército tem R$ 7 milhões para cavucar os primeiros buracos. E ninguém pensa mais nisso.

Como, pelo visto, caiu no esquecimento geral o ambientalista goiano Francisco Ancelmo de Barros, que semanas atrás saiu calado de um protesto em Campo Grande contra a construção de usinas de álcool nas bordas do Pantanal, empapou-se de gasolina e pôs fogo no corpo, deixando filho, mulher e 17 cartas de despedida. Mais um doido, como D. Cappio? Bem, todo suicida é, em princípio, candidato à execração póstuma.

Mas, desde que Francisco Ancelmo morreu, os políticos de Mato Grosso do Sul deram, estranhamente, para lhe dar razão. A Assembléia Legislativa considerou inconstuticional o projeto do governador Zeca do PT. O ministério do Meio Ambiente, que andava calado, reconheceu em nota oficial que o doido tinha razão, quando avisava que as usinas poderiam contaminar as águas do Pantanal, que vem a ser o maior viveiro natural no mundo em terrenos alagados.

Como tudo, ultimanente, acaba em troca de fogo amigo, Zeca do PT respondeu que a ministra Marina Silva estava dizendo besteira. Mas, a julgar pelo parecer que foi aprovado uninimemente pelos deputados estaduais na Comissão de Constituição e Justiça, parece que no caso quem disse besteira foi o governador. O texto condena o desenvolvimentismo a qualquer custo, a qualquer preço, como Francisco Ancelmo vinha repetindo há dois anos.

Quando os malucos começam a ter razão, os sãos precisam se cuidar. Sob pena de engolir agora a notícia de que a catarinense Miriam Prochnow, que durante o ano foi acusada até de terrorista verde na revista Isto É Dinheiro, ganhou na categoria Conquista Individual o prêmio Ford Motor Company de Conservação Ambiental. Passou pelo crivo de um júri que misturava ambientalistas de carteirinha com funcionários do Ministério da Agricultura e da Agência para o Desenvolvimento Internacional do Governo dos Estados Unidos.

E qual foi em 2005 a grande conquista individual de Miriam Prochnow? Encarnar uma derrota acabrunhante, perdendo para um consórcio chamado Baesa, o Ministério Público, o Ibama, a moleza da ministra Marina Silva, a dureza da ministra Dilma Roussef e a indiferença dos meios de comunicação uma batalha de meses para impedir que a usina de Barra Grande roubasse, nos cânions do rio Pelotas, entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, uma fatia de paisagem brasileira legalmente intocável.

Barra Grande é produto de um escândalo. Baseia-se num relatório de impacto ambiental que omitiu a existência, na área a ser engolida pela barragem, de 4.335 hectares de florestas raras, matas de araucárias protegidas até pela Constituição. O país está disposto a trocar esse patrimônio natural por 690 MW de energia elétrica? Tem todo o direito de fazer isso, desde que antes de entregar a um punhado de empresas o que, por direito, era seu, alguém tenha a fineza de lhe fazer claramente esta pergunta. Em Barra Grande, o relatório fraudado pulou essa etapa. Aliás, passou por cima de todas as exigências legais, até que a obra pronta se apresentasse ao governo como inevitável.

Miriam Prochnow, dirigindo a Apremavi, uma ONG sediada numa casa de madeira em Atalanta, cidade de 2.500 habitantes na serra catarinense, brigou pelas matas do rio Pelotas como se fossem suas – o que, aliás, pela Constituição, elas eram. Perdeu. O prêmio Ford lhe chega às mãos numa hora em que as águas de Barra Grande estão subindo, mata acima, para sempre. Mas não se trata de um consolo. Significa apenas que ela tomou o lado certo de um país onde as pessoas normais têm uma curiosa preferência pelo lado errado.

* Para o site O Mínimo.

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