Gestão sustentável de usinas hidrelétricas é tarefa urgente
2005-11-28
Importante fonte de produção de energia elétrica para os países que compõem a Bacia do Prata, as polêmicas usinas hidrelétricas foram objeto de discussão nesta quinta-feira (24/11) durante o Fórum Internacional Diálogos da Bacia do Prata, que acontece em Foz do Iguaçu (PR). Responsável por traçar propostas sobre esse tema que serão incluídas no documento final do Fórum, a oficina Hidroeletricidade e Sustentabilidade seguiu a linha geral do evento e apostou na internacionalização dos esforços de gestão da bacia hidrográfica como melhor caminho para se chegar à utilização sustentável da mesma. Os representantes do setor elétrico presentes à oficina propuseram também a elaboração de um diagnóstico dos problemas da bacia e a criação de mecanismos de conscientização dos diversos atores envolvidos sobre a importância de uma gestão compartilhada e ambientalmente sustentável.
A principal proposta aprovada na oficina foi definir, através de uma gestão intergovernamental, mecanismos de financiamento e incentivos para a realização de programas, políticas e ações voltadas para garantir a sustentabilidade da bacia hidrográfica do Prata. Outra proposta foi a realização de um diagnóstico integrado e quantificado sobre a produção de sedimentos e a qualidade da água na bacia, de forma a identificar ações necessárias para sua gestão. Este diagnóstico, segundo o decidido na oficina, poderá ter sua realização estendida para as demais bacias hidrográficas da América do Sul.
Uma vez traçado, o diagnóstico deverá também definir as responsabilidades de gestão dos diversos atores que atuam na Bacia do Prata, entre órgãos do poder público, concessionários dos reservatórios e usinas e produtores rurais. A terceira proposta que será enviada à plenária final do Fórum, que acontece sexta-feira (25), fala em divulgar, entre os atores que atuam na Bacia do Prata, programas bem-sucedidos de gestão ambiental desta e de outras bacias, através de ações de conscientização e educação ambiental.
A quase nula participação de representantes da sociedade civil na oficina acarretou que algumas questões importantes fossem deixadas de lado nas propostas elaboradas. Entre elas, a possibilidade de reaplicação na gestão sustentável da bacia de parte do dinheiro oriundo das compensações financeiras recebidas pelos municípios que têm seus recursos hídricos utilizados para a produção de energia elétrica. A formulação inicial que falava em definir a obrigatoriedade, através de legislação específica, da reaplicação dos recursos financeiros acabou sendo substituída na proposta final pela vaga menção à gestão intergovernamental, que não agradou a todos os presentes:
— O Plano Nacional de Recursos Hídricos, que está para ser aprovado, determina que os comitês gestores das bacias hidrográficas cobrem pelo uso da água. É preciso definir em lei que parte desses recursos seja obrigatoriamente aplicada em ações integradas de gestão sustentável - afirmou Gertjan Beekman, do Instituto Interamericano de Cooperação.
Outra lacuna apontada nas propostas decididas pela oficina diz respeito à realização do diagnóstico sobre o estado das coisas na Bacia do Prata. Alguns participantes avaliaram que a proposta ficou muito limitada ao abordar apenas a produção de sedimentos e a qualidade da água, deixando de lado a análise e avaliação de outros problemas ligados à gestão da bacia e, sobretudo, aos impactos sociais e ambientais das usinas hidrelétricas:
— A proposta, infelizmente, deixou de lado questões importantes como o impacto das usinas sobre a fauna e a flora ou o problema social das populações que são deslocadas para possibilitar a criação dos reservatórios - afirmou Eduardo Forneck, doutorando do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Forneck lamentou também a pouca participação de representantes da sociedade civil:
— Cadê o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens)? Eles deveriam participar dessa discussão - disse.
Diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Fernando Campagnoli apresentou um interessante estudo sobre a produção de sedimentos no território brasileiro. A erosão acentuada das margens dos rios e o assoreamento dos reservatórios das usinas hidrelétricas é um dos principais obstáculos à utilização ambientalmente sustentável das mesmas, e o mapa da produção de sedimentos apresentado no estudo mostrou que o Brasil precisa urgentemente se preparar para enfrentar esse crescente passivo ambiental. Além das áreas que historicamente produziram grande quantidade de sedimentos, o problema começa a se alastrar em outras regiões, como a Amazônia, por exemplo:
— A produção de sedimentos tem aumentado brutalmente no chamado arco do desmatamento da Amazônia. Isso vem acontecendo sobretudo na Região Centro-Oeste, graças à pressão da cultura de soja e da pecuária - disse Campagnoli.
A produção de sedimentos, segundo o diretor da Aneel, também é aumentada por outros fatores, como o que ele qualificou de estresse de captação em áreas metropolitanas. Grandes centros urbanos, como São Paulo (através do sistema Billings) ou Rio de Janeiro (através do sistema Guandu), têm uma demanda de água tão grande que há anos realizam a captação em bacias distantes, o que aumenta a produção e o deslocamento de sedimentos. Outro problema identificado por Campagnoli são os sedimentos importados, como no caso da região do Rio Madeira:
— Se analisarmos o mapa que apresentei, veremos que o Madeira, no Brasil, tem baixa produção de sedimentos, com cerca de 21,3 toneladas por quilômetro quadrado ao ano. O mapa não considera, no entanto, os materiais que vêm pelo rio do exterior para o território brasileiro e que, se considerados, fazem a conta aumentar para 900 toneladas - disse.
Para Campagnoli, quando se fala em sustentabilidade, é preciso fazer uma análise dos custos envolvidos:
— Se o Brasil fizer um plano de conservação do solo nas bacias hidrográficas e de retirada de material sedimentar dos reservatórios das usinas, vai gastar R$ 100 milhões por ano com isso. É preciso ver quanto custa a ação e quanto custa não agir - disse. A intenção da Aneel com o estudo, segundo o diretor, é garantir e preservar o funcionamento das futuras concessões para a gestão das usinas:
— O concessionário deve ser obrigado a participar de um conjunto de programas e ações com o foco de preservar o potencial hidráulico da usina e otimizar sua vida útil - disse. Nesse caso, a regulamentação das ações, assim como sua fiscalização, ficaria a cargo da Aneel: — Dentro de um programa conjunto, a depreciação do patrimônio ambiental pelo concessionário seria passível de sanção - imagina. (Agência Carta Maior, 25/11)