Movimento ecológico gaúcho discute profissionalização
2005-11-25
O fundador da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), Augusto Carneiro, atuou como tesoureiro no auge da atuação da ONG, no início da década de 70, quando mil associados pagavam a anuidade em dia. Ele entende que o movimento ambientalista não tem tido progresso, porque não tem mamata, não tem emprego, que é só o que atrai as pessoas hoje em dia.
A provocação do pioneiro toca num ponto fundamental. Com uma atuação baseada no ativismo voluntário, as organizações perderam muitos quadros importantes na última década, especialmente para governos, mas também para universidades e até empresas. A decisão tem uma razão simples: a oferta de um salário, privilégio que a grande maioria dos ecologistas não recebe nas ONGs.
O tema da profissionalização foi uma das pautas do 25º Encontro Estadual das Entidades Ecológicas, promovido pela Apedema/RS (Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente), em 19 de novembro, em Porto Alegre.
Cerca de 30 ambientalistas de 20 ONGs passaram o dia debatendo os rumos da atuação no Estado, o que passa pela sobrevivência e fortalecimento das entidades. — As empresas têm gente contratada para pensar o dia inteiro a questão ambiental e com isso acabam superando as ONGs, que antes eram a principal referência nesta pauta-, aponta Rafael Altenhofen, coordenador da União de Proteção ao Ambiente Natural (UPAN), de São Leopoldo.
Ele acredita que ainda dá para trabalhar de forma voluntária, desde que o primeiro escalão tenha um mínimo de profissionalização. — Da maneira como estão estruturadas, as ONGs não conseguem ser propositivas em relação aos problemas e questões que aparecem. Apenas correm atrás, reagem -, observa.
Conforme Altenhofen, para voltar a apresentar propostas, as entidades ecológicas precisam ter integrantes trabalhando com horário fixo, captando recursos, mobilizando as bases e pensando estratégias. — E essas pessoas têm que sobreviver, não dá para contar com elas o dia inteiro. Para exigir mais do que um ou dois dias por semana de participação, só garantindo o sustento -, aponta.
O Greenpeace, por exemplo, remunera integrantes que ocupam cargos executivos nos escritórios de São Paulo e Manaus. Isso permite dedicação exclusiva. No plano local, quem se aproxima deste modelo é o Núcleo Amigos da Terra, uma das ONGs mais atuantes do Rio Grande do Sul.
O NAT encontrou uma forma mista de organização. Reúne quinze militantes, sendo seis remunerados. O dinheiro vem de fundos internacionais captados pelo Amigos da Terra Internacional (Friends of Earth), rede mundial da qual o NAT faz parte. — Esses recursos representam cerca de 50% da nossa receita -, contabiliza Káthia Vasconcellos Monteiro, coordenadora do Núcleo. Os outros 50% são doações de três fundações, voluntários e anuidades dos sócios.
Para ela, ativistas não remunerados também podem ser profissionais. — Isso não desqualifica o militante -, afirma, citando o exemplo de outra ONG, a Agapan, onde os integrantes exercem suas profissões, paralelamente ao ativismo ambiental. Lá, ninguém é assalariado.
Pelo contrário. É a mensalidade dos associados que banca os gastos da entidade, que se nega a receber dinheiro de governos e de empresas poluidoras. — O ideal seria um repasse de verbas através dos Fundos do Meio Ambiente, municipal, estadual e federal. O dinheiro serviria para projetos e também para garantir a estrutura básica das entidades, dar estrutura -, acredita Edi Fonseca, presidente da Agapan.
Para isso, a legislação teria de ser alterada, já que hoje, esses recursos não podem ser utilizados no aparelhamento ou instrumentalização das entidades não-governamentais. — Para utilizá-los, é necessário apresentar um projeto específico, como um mutirão de recolhimento de lixo ou campanha voltada a educação ambiental-, exemplifica Edi.
A questão do uso de verbas gera discordância entre os ambientalistas. — O importante é que esse dinheiro será utilizada para uma causa justa-, disse um dos ecologistas, para quem a fonte não interessa. Outros, rechaçaram a idéia, apontando que não pode corromper, favorecer interesses, ou servir para cooptar.
Uma posição pragmática
O biólogo e mestre em Ecologia Humana, Rafael Altenhofen, tem 30 anos, 11 de movimento ambientalista. Assim jovem, já é o coordenar da UPAN, de São Leopoldo. Depois de uma década, ele amadureceu seu discurso, adotando uma postura pragmática, não só em relação à profissionalização das ONGs, mas também às estratégias e o papel que deve ser assumido pelas entidades ecológicas do Estado.
— Não conseguimos nos atualizar frente à nova dinâmica política, social e principalmente econômica. O mercado é muito mais agressivo, as empresas se impõem e o Governo está, de certa forma, de mãos atadas. As ONGs devem se adaptar a esse novo contexto-, acredita.
Ou seja, não adianta os ecologistas apenas se manifestarem contra determinado empreendimento, isso não vai impedir que ele se concretize. —Tem a vontade do poder econômico, que ainda usa o discurso ambiental e o social, nós vamos gerar emprego. Podemos mudar alguma coisa, de forma pontual, mas não a ponto de frear o modelo de desenvolvimento.
A saída proposta pelo coordenador da UPAN é dialogar com esses setores, ao invés de se restringir a censurá-los. — Nem todo empresário é safado, nem todo o governo é corrupto. Temos que saber com quem nos aliar e tentar construir alternativas, unir forças -, sugere.
Os projetos de plantio de eucalipto para a Metade Sul do Estado, por exemplo, são condenados pelo movimento ambientalista. Altenhofen também é critico, mas observa que até o momento, as ONGs não apresentaram uma alternativa para impedi-los.
— Talvez no futuro, com mais organização, consigamos barrá-los. Hoje, o melhor é conversar para adequar ou minimizar o impacto o máximo possível. Pressionar para que sejam estabelecidos padrões rígidos, para que haja reflorestamento com espécies nativas, medidas mitigatórias e compensação ambiental local.
Críticas ao Greenpeace
A participação de organizações mundiais em questões locais também está sendo debatida pelas ONGs. No encontro estadual de 19 de novembro, o Greenpeace foi alvo de duras críticas. A proposta do evento era mesmo corrigir eventuais equívocos e planejar ações conjuntas.
Uma das queixas é que o Greenpeace, em suas aparições no Estado, não procura as outras entidades, mesmo quando se trata de questões locais, em que o conhecimento da realidade é maior entre os outros ativistas. Outra celeuma é o fato de a ONG internacional obter todo o reconhecimento e retorno de mídia, conquistando sócios e recursos, mas deixando a briga diária da defesa pelo meio ambiente para o voluntarismo das ONGs locais.
O representante do Greenpeace justifica que busca dar respaldo às entidades locais. Mas admite que nessas ações busca novos sócios, fonte de renda da instituição. São 15 mil associados no Brasil, o que não é suficiente para manter os custos do núcleo brasileiro, que recebe auxílio do exterior.
O Greenpeace mantém cerca de 50 ativistas remunerados no Brasil, sendo 30 em São Paulo e 20 no Amazonas. A ONG tem coordenadores em outros cinco Estados: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e Bahia, mas nenhum deles é remunerado. O trabalho é voluntário.
Por Guilherme Kolling e Carlos Matsubara