Rio São Francisco: Com Exército, transposição segue
2005-11-25
Novas denúncias incriminam o Exército brasileiro de estar trabalhando para a transposição do Rio São Francisco. Tal atitude descumpre o acordo firmado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o frei Luiz Flávio Cappio. Entre setembro e outubro, o bispo da diocese de Barra (BA) enfrentou 11 dias de greve de fome e só a interrompeu com a promessa do governo de paralisar o avanço do projeto e debatê-lo. A ação dos militares desrespeita também a determinação da 14ª Vara da Justiça Federal, na Bahia, que, em 6 de outubro, suspendeu a licença prévia e proibiu a continuidade da obra.
Depois de denúncias de camponeses, no dia 17, Alzení Tomáz, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), foi até a região dos municípios de Petrolândia e Floresta (PE). Segundo o projeto, é nessa área que as águas do Eixo Leste da transposição serão captadas (veja mapa ao lado). Chegando lá, ela viu e conversou com oficiais do 3º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) do Piauí que estavam fazendo a realização geométrica do eixo do canal e o levantamento topográfico da faixa de domínio e segmento de captação da água. Alzení explica:
— Estão fazendo picadas no solo para demarcar a área onde os canais passarão. Trabalho topográfico na tomada da água é o início da obra.
Alzení assegura que ouviu tais informações da boca dos militares.
— Não só vimos os soldados trabalhando, como eles confirmaram que estavam fazendo isso para a transposição. Perguntamos o que eles achavam da questão do bispo (frei Luiz) e eles responderam que continuavam trabalhando independentemente disso - revela Alzení.
GOVERNO NEGA
O tenente Alysson Hayalla, comandante do destacamento do 3º BEC em Petrolândia, negou as denúncias. Ele diz que o trabalho topográfico que fizeram para a transposição já está parado há muito tempo por causa da decisão judicial.
— Quando ela (Alzení) chegou lá, estávamos só fazendo um reconhecimento do terreno. Não era serviço. Foi só um reconhecimento - garante Hayalla.
Segundo a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) - chefiada pelo ministro Jacques Wagner, mediador das conversações com frei Luiz durante a greve de fome -, não existe nenhuma obra iniciada por parte do governo e do Ministério da Integração, responsável pelo projeto. Isso por conta da decisão judicial e do acordo com o bispo. Representante da SRI que pediu para não ser identificado afirmou:
— Isso é uma obra de infra-estrutura do governo, não é uma obra de transposição do Rio São Francisco.
A SRI ainda informa que a topografia já feita será utilizada para outra coisa. Porém, não souberam precisar o quê.
MAIS DENÚNCIAS
O Eixo Leste da obra será responsável pelo transporte da água para os Estados da Paraíba e de Pernambuco. Subindo o Velho Chico, próximo à cidade de Cabrobó (PE), fica o ponto de captação do Eixo Norte, previsto para levar água ao Ceará e ao Rio Grande do Norte. De acordo com Alzení, os oficiais com quem conversou em Petrolândia disseram que, em Cabrobó, estão efetivos do Grupamento de Engenharia de Construção da Paraíba fazendo o mesmo trabalho.
A informação reforça as denúncias do Neguinho Truká, publicadas na edição 140 do Brasil de Fato. Segundo o líder indígena, o Exército está trabalhando na Ilha de Assunção, em Cabrobó, para desalojar famílias. O objetivo é preparar as áreas para receber máquinas que seriam usadas na transposição. A SRI alega que o Exército está na região atendendo a reivindicações da tribo Truká, resolvendo problemas de pequenas estradas, reconstruindo 150 casas destruídas pelas cheias e asfaltando 20 quilômetros da ilha. Neguinho Truká confirma as informações do governo, porém garante que o desalojamento das famílias também ocorre.
FREI LUIZ VAI A LULA
No sul do Ceará, terra do principal empreendedor da obra, o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), indenizações já foram pagas para famílias de dois municípios, Brejo Santo e Mauriti. Essas pessoas foram recompensadas para deixar suas terras e dar passagem aos canais da transposição.
Questionado sobre as denúncias, frei Luiz contou que, até agora, apesar de algumas entradas inconvenientes do ministro Ciro Gomes na mídia, o que sabe de oficial é que o governo tem se mantido fiel ao acordo. No entanto, o bispo revela ter ouvido, não oficialmente, que o Exército estaria fazendo alguns trabalhos, apesar de não saber ao certo qual o tipo da ação: se é demarcando área ou realizando obras em áreas indígenas.
— Tomei conhecimento, sim, de que Exército estaria lá, mas não sei se é desobedecendo o acordo ou fazendo um outro tipo de trabalho não diretamente ligado à transposição. Contudo, com toda a certeza, estão fazendo alguma coisa indiretamente relacionada ao projeto - sentencia Cappio.
O frei reitera que retomará a greve de fome se o governo descumprir o acordo, encerrando os debates e colocando as obras em execução. Atualmente, ele está preparando - ao lado de movimentos sociais - mobilizações, palestras e encontros no país inteiro.
— A coisa está efervescendo. Nos dias 14 e 15 de dezembro, vamos para Brasília participar de uma mesa de trabalho sobre por que não queremos a transposição. Nessa ocasião, vamos formular um programa alternativo para o Semi-Árido e levá-lo para o encontro que tenho agendado com o Lula nesses dias. Queremos ir ao presidente com este material nas mãos explicar concretamente os motivos que não nos permitem aceitar a transposição de águas e também apresentar-lhe as alternativas - planeja frei Luiz. (Brasil de Fato, 24/11)