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2005-11-24
De um lado, novos empregos e novas áreas de preservação. Do outro, o receio de impactos ambientais irreversíveis. Os recentes anúncios de investimentos das indústrias de celulose e papel Stora Enso e Votorantim Celulose e Papel (VCP) em projetos de reflorestamento trazem boas expectativas econômicas para a metade sul do Estado, mas preocupam ambientalistas pelas alterações no pampa, que poderiam acarretar perda na biodiversidade.

O eucalipto é escolhido pelas duas empresas pelo seu ritmo de crescimento acelerado (seu ciclo é de sete anos) e pela qualidade que a fibra curta e de baixa granulação dá ao papel. Essas características garantem ao produto final resistência, lisura e maciez. A árvore é originária da Austrália. Por ser uma árvore exótica, ambientalistas como Helena Maria Maltez, coordenadora do programa Mata Atlântica da ONG World Wildlife Fund (WWF), preocupam-se com o modo do plantio que, segundo ela, poderia comprometer fontes de água e causar extinção de alguns animais.

A Stora Enso ainda não definiu se plantará pínus, ao que os ambientalistas estão atentos pela característica invasora da árvore, cuja semente se espalha facilmente.

- Quanto mais diversificada é uma paisagem, mais sustentável ela será do ponto de vista ambiental - explica Helena.

Helena observa que nenhum ambiente natural tropical tem uma única espécie. Ela sugere que se intercalem ao plantio de eucaliptos outros cultivos.

- Qualquer monocultura em áreas contínuas tem um impacto violento, como no sul da Bahia e no Espírito Santo, onde as plantações de eucaliptos estão se expandindo descontroladamente.

O agrônomo e consultor da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) e do Programa de Financiamento Florestal Gaúcho (Proflora) da agência de fomento CaixaRS, Floriano Isolan, afirma que a primeira atitude do governo estadual antes de licenciar as empresas para a plantação é exigir responsabilidade com o ambiente.

- Toda ação do homem causa reação na natureza. Queremos garantir o menor impacto.

Necessidade de revitalizar a Metade Sul é um estímulo

A necessidade de revitalizar a metade sul do Estado é um estímulo para os projetos de reflorestamento. De acordo com Isolan, a estimativa é dobrar o número de vagas na atividade, que hoje emprega cerca de 200 mil gaúchos. Para o agrônomo, outra vantagem com a implantação desses projetos é a garantia de áreas preservadas. Por lei, as empresas devem manter no mínimo 20% da área adquirida.

Glayson Bencke, pesquisador do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica, observa que as empresas estão cumprindo o Código Florestal. - A lei privilegia as florestas. Tanto que existe um código só para elas. As áreas preservadas na Metade Sul deveriam ser de campos, que predominam na região.

Assim como Helena e Bencke, outros ambientalistas defendem um zoneamento das áreas para descobrir climas e solos que suportariam o eucalipto e só depois plantar a árvore nas regiões adequadas. Para o membro da ONG Igré - Amigos da Água, biólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ludwig Buckup, não é esse o caso da Metade Sul.

- Se originalmente não temos florestas lá é porque não há condições climáticas.

As empresas e o governo rebatem as críticas afirmando que são responsáveis ambientalmente porque, além do interesse econômico, a atividade depende da natureza. Isolan afirma que não haverá alteração na biodiversidade do pampa, já que, segundo ele, cerca de 3% das áreas disponíveis na região serão cultivadas. O fato é que a polêmica está aberta.

Experiência de mais de 30 anos
O Rio Grande do Sul teve seu primeiro projeto de reflorestamento com eucaliptos realizado pela Borregaard, hoje Aracruz, em 1967, no município de Barra do Ribeiro. Hoje, a prefeitura afirma que é a atividade que mais emprega na cidade. O chefe de meio ambiente da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, John Würdig, afirma que houve falhas nos primeiros plantios, como plantar eucaliptos muito próximo a banhados e perda na biodiversidade natural, o que já não ocorre mais. Para Würdig, a fiscalização de órgãos como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) é mais rígida hoje para que não se repitam esses erros. A região compreende diversos ecossistemas. Áreas de butiazais, por exemplo, diminuíram significativamente. Na época da introdução dos eucaliptos no município, grandes áreas de mata nativa foram devastadas. Como conseqüência, algumas espécies de animais perderam seu hábitat. - Se não tivessem preservado algumas áreas, não teríamos mais nada desse tipo de vegetação. O técnico em meio ambiente observa que hoje a fiscalização é maior. As empresas têm de plantar em áreas distribuídas, mantendo corredores de mata nativa. Ao colocar na balança perdas e ganhos, Würdig acredita que o investimento vale a pena pelo desenvolvimento que trouxe à cidade. Mas é preciso que a fiscalização de órgãos, como a Fepam, continue cobrando das empresas. - É uma opção que se faz pelo desenvolvimento. A natureza impõe seu preço, por isso é preciso ser responsável.

Impactos ambientais
Segundo o biólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ludwig Buckup, teria de chover cerca de 33 vezes mais no pampa para se plantarem os 28 milhões de eucaliptos previstos pela Votorantim Celulose e Papel (VCP). Em um ano, esses 28 milhões de eucaliptos necessitariam de mais de um quatrilhão de água. Na região chove, em média, 10,5 bilhões de litros em um ano.

Embora o índice pluviométrico do pampa seja próximo ao de Barra do Ribeiro, onde, segundo John Würdig, não se registrou seca nas fontes de água desde que se começou a plantar eucalipto em 1967, o lençol freático da Metade Sul é mais profundo, ou seja, o volume de água no solo é menor.

O diretor florestal da VCP José Maria de Arruda Mendes Filho afirma que a empresa evita o problema plantando eucalipto em áreas com índices pluviométricos acima de mil milímetros/ano, quantidade absorvida pela árvore. Esse número na Metade Sul varia entre 1,4 mil milímetros/ano a 1,7 mil milímetros/ano. Uma das exigências para o licenciamento é respeitar os limites de distância das nascentes, que variam conforme o volume de água. Para o professor Buckup, não é suficiente respeitar esses limites.

- Com o eucalipto, o pampa, que já tem o clima seco, corre o risco de enfrentar escassez do recurso hídrico - afirma Buckup.

Um dos autores de Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul, Glayson Bencke afirma que, das 250 espécies de animais ameaçados de extinção no Estado, cerca de 30 estão nessa condição por causa de árvores exóticas.

Animais cujo hábitat é campo aberto, como o pampa, não sobrevivem em ambientes sombreados como uma floresta.

O engenheiro florestal e diretor do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (Defap), Antonio Carlos Bueno e Souza, diz que a floresta plantada serve de abrigo para os animais. Glayson observa que algumas espécies até podem usar as plantações como abrigo, mas não depender dessa floresta plantada. Segundo o pesquisador, populações podem se isolar, favorecendo o empobrecimento genético, provocando surgimento de doenças recessivas e comprometimento da fertilidade.

- Essa vegetação dos pampas é encontrada somente aqui e num pedaço do Paraguai e do Uruguai. O Brasil é signatário da conservação da biodiversidade, de toda essa riqueza que se gosta tanto de vender lá fora - declarou Luiza Chomenko, bióloga pesquisadora do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul no seminário Os Impactos da Expansão das Áreas com Monoculturas de Árvores do RS, promovido pela ONG Núcleo Amigos da Terra Brasil, em Porto Alegre, no mês passado.

Luiza afirma temer a perda da biodiversidade, que seria a conseqüência final do plantio de árvores exóticas. Mais de 400 espécies de gramíneas e a diversidade de solo representam a riqueza natural da região.

O licenciamento para o plantio exige que as empresas plantem em mosaico, intercalando áreas limpas com as cultivadas. Assim a floresta não fica fechada demais, o que significaria pouca incidência solar, prejudicando espécies da fauna e flora que dependem do sol. (ZH/ Ambiente, 24/11)

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