Evento ressalta incertezas sobre mudanças climáticas
2005-11-23
A necessidade de evidenciar à sociedade, especialmente aos tomadores de decisão, as incertezas inerentes aos modelos de previsão de mudanças climáticas foi um dos assuntos da II Conferência Regional sobre Mudanças Globais: América do Sul, realizada entre 6 e 10 de novembro, em São Paulo. O evento reuniu pesquisadores de vários países para apresentar o panorama atual das pesquisas sobre mudanças climáticas no continente sul-americano e discutir uma agenda de investigações futuras.
Entre os participantes da conferência, Walter Baethgen, do Instituto de Pesquisa para Previsão Climática, dos Estados Unidos, foi um dos que mais defendeu a importância de se destacar na interação entre geradores e usuários dos modelos não só os cenários futuros previstos, mas também o grau de incerteza associado a cada um deles.
— Um problema sério de comunicação científica é que os resultados das pesquisas são apresentados de modo extremamente simplificado - criticou Baethgen. — Isto é um risco muito grande, pois os usuários dos modelos, incluindo tomadores de decisão e os próprios cientistas, os entendem como cenários verdadeiros - advertiu. O pesquisador lembrou que as incertezas podem ser tão grandes que, em alguns casos, diferentes modelos aplicados para uma mesma região podem apresentar previsões completamente opostas em relação, por exemplo, a aumentos ou diminuições de temperatura e chuva.
A existência de tanta incerteza, no entanto, não significa que os modelos não sejam úteis.
— A modelagem é a única forma para poder fazer previsões de como poderá ser o clima no futuro - ressalvou José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). As incertezas das previsões têm várias origens: compreensão ainda limitada da dinâmica atmosférica e de sua relação com as dinâmicas hidrológica e dos ecossistemas, a partir das quais são baseadas as equações matemáticas para funcionamento dos modelos; imprecisões e lacunas no registro dos dados climáticos do passado (histórico e geológico), que servem como ponto de partida para as projeções sobre o clima futuro; e o próprio caráter probabilístico das análises estatísticas a que os dados são submetidos.
No caso dos modelos que buscam avaliar os impactos das mudanças climáticas em determinado setor (como agricultura, saúde ou ecossistemas naturais), a maior dificuldade refere-se às projeções de como será o cenário socioeconômico futuro, que é determinante para se tentar prever, por exemplo, os níveis de emissão de gases de efeito estufa e mudanças no uso das terras.
— Isto faz com que os modelos tenham um grande grau de imprecisão, pela própria natureza das incertezas sobre as tendências de crescimento da economia mundial - apontou o pesquisador Weber Amaral, da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo Baethgen, todas essas limitações não podem ser ignoradas quando os resultados das previsões de mudanças climáticas e seus impactos são apresentados aos tomadores de decisão para subsidiar suas ações de planejamento.
— Se realmente um dos objetivos do trabalho científico é ter algum impacto social, os resultados devem ser expressos de maneira bem inteligível e destacando sempre a medida da incerteza associada, que é a característica mais importante de qualquer pesquisa em mudança climática - destacou o pesquisador norte-americano. Essa também foi a opinião de Marengo.
— Temos que qualificar as incertezas e inseri-las na informação, indicando qual o grau de confiabilidade da previsão climática fornecida pelo modelo - defendeu.
De acordo com o pesquisador do INPE, essa preocupação está presente no projeto Cenários Climáticos Regionalizados de Mudanças Climáticas para América do Sul (CREAS), por ele coordenado. Segundo Marengo, o projeto leva em conta que as previsões atualmente disponíveis são pouco precisas, e o objetivo é usar modelos que forneçam aos tomadores de decisão cenários futuros mais detalhados – acompanhados de suas respectivas incertezas – sobre mudanças climáticas e seus impactos para diferentes regiões do continente sul-americano. (ComCiência, 22/11)