Empresas tentam patentear murmuru
2005-11-23
Tramitam no Instituto Nacional de Propriedade Industrial três pedidos
para patenteamento do murmuru ou murumuru - palmeira com frutos
oleosos, encontrada no Acre e em outras áreas da Amazônia. A revelação
é do botânico Evandro Ferreira, pesquisador do Parque Zoobotânico da
Universidade Federal do Acre (Ufac) e do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia.
Evandro Ferreira e o francês Francis Kahn foram os descobridores de
uma das espécies de murmuru nativas do Acre, a Astrocaryum faranae
Kahn & Ferreira. A descoberta foi publicada na revista botânica Suiça
Candollea, em 1995.
- Sabemos que ela só ocorre no Vale do Juruá. Então pergunto: será que
vamos ter direito a alguma compensação financeira já que pediram a
patente usando a nossa espécie sem autorização? - questiona Ferreira.
Os pedidos se referem ao aproveitamento do óleo extraído do
endosperma, ou seja, o coquinho branco que fica dentro da semente. O
murmuru é usado em produtos cosméticos e farmacêuticos.
Segundo Ferreira, um dos pedidos de patente é de autoria de Fábio
Fernandes Dias, um físico paulista que chegou a Cruzeiro do Sul (AC)
no início dos anos 90 para fazer dissertação de mestrado. Realizou
amplo levantamento sobre as oleaginosas daquela região e depois de
alguns anos criou a empresa Tawaya.
A empresa produz e exporta em média 50 mil sabonetes de murmuru por
mês. Ela compra as sementes de cerca de 700 famílias do Vale do Juruá.
Segundo a empresa, apenas três componentes são utilizados na
fabricação do sabonete, sem acréscimo de nenhum conservante ou
aditivo: gordura de murmuru, solução de hidróxido de sódio e essência.
— Parece que todo sabão, inclusive os caseiros que muitas pessoas dos
vales dos rios Juruá, Purus e Acre costumam fazer, são feitos assim.
Duas semanas atrás uma equipe do Herbário do Parque Zoobotânico da
Ufac esteve em Sena Madureira e descobriu que o pessoal de lá faz
sabão caseiro de jaci, uma palmeira aparentada do uricuri, com
apenas dois igredientes: o óleo retirado dos frutos e a soda cáustica.
Quem quiser, pode acrescentar uma fragância para o sabão ficar com
cheiro agradável. Tem diferença para a patente do Sr. Fábio Dias? -
indaga o botânico.
Questões levantadas por Evandro Ferreira:
1 - Quer dizer que para fazer sabão ou sabonete de murmuru tem que
pagar para o Sr. Fábio Dias, o dono da patente? E os seringueiros que
fazem sabão em casa, também vão ter que pagar?
2 - Como descobridores de uma das espécies de murmuru eu e meu
colega francês vamos ter direito a alguma compensação financeira já
que pediram a patente usando a nossa espécie sem autorização?
Outra empresa que pede a patente do murmuru é a Chemyunion, com sede
em São Paulo. Segundo o botânico, é uma das várias empresas nacionais
e estrangeiras que estão envolvidas no comércio de sementes e óleos de
plantas amazônicas.
Essas empresas costumam enviar emissários à Amazônia em busca de
informações sobre as espécies oleaginosas nativas e sua forma de uso
pelas comunidades tradicionais.
- Muitas vezes não é nem preciso enviar emissários, basta ler
publicações científicas, como as que já fiz, que dizem quais são as
espécies, onde ocorrem e como as pessoas usam. Cabe aqui uma pergunta:
nós, os pesquisadores, estamos apenas sendo éticos ou entregando ouro
a bandidos? Provavelmente não porque alguém tem que fazer a pesquisa e
alguém tem que usar os recursos - assinala Evandro Ferreira. (Blog de Altino Machado - www.altino.blogspot.com)