Compras para salvar o mundo
marketing verde
2005-11-22
É cada vez maior o número de consumidores que apostam no poder de escolha no
caixa do supermercado para mudar o mundo. Acreditam na eficácia de pequenos atos,
como boicotar uma empresa com relações trabalhistas suspeitas ou fechar a
torneira enquanto se ensaboa a louça. Em geral, são jovens adultos, de bom poder
aquisitivo e alto nível de instrução. – Quando a gente compra um produto,
endossa a postura da empresa-, diz a psicóloga Eliana Tiezzi, de 43 anos. Ela
não usa nada que leve a marca de empresas com sede nos Estados Unidos por não
concordar com as guerras movidas pelo presidente George W. Bush e compra
alimentos orgânicos porque acredita que, além de melhores para a saúde, não
agridem o meio ambiente. – Até a minha pasta de dente é ecologicamente correta-,
diz Eliana.
Esses cidadãos encaram a compra como um ato político. Estão atentos ao que as
empresas fazem e como se posicionam em relação ao meio ambiente, à
responsabilidade social e aos cuidados com os próprios funcionários. Caso
considere algo errado, o consumidor responsável lança mão de seu maior poder.
Deixa de comprar os produtos de uma marca para forçar a empresa a mudar sua
posição.
A Nike é o caso clássico de estrago causado por uma atitude incorreta. Segundo
analistas de mercado, em meados da década de 1990 as denúncias de que
fornecedores da empresa americana no Paquistão usavam trabalho infantil fizeram
com que a Nike perdesse bilhões. A companhia declarou não ter tido prejuízos
financeiros com a repercurssão do fato. Mas admitiu a veracidade da informação e
adotou um rígido código de conduta para seus fornecedores. Viu até na situação
uma oportunidade e decidiu investir no marketing da responsabilidade. – Podemos
fazer caixas de tênis ambientalmente corretas e ainda economizar em material-,
exemplifica Lee Weinstein, diretor de Responsabilidade Corporativa da Nike. As
manchas na reputação, no entanto, não desaparecem da noite para o dia, uma vez
que a informação sobre a solução do problema leva mais tempo para chegar aos
ouvidos dos consumidores que as denúncias. – A Nike queimou o filme aqui em
casa-, conta Eliana, lembrando que a filha, Amora, de 13 anos, recusou-se a
comprar um tênis da marca recentemente.
Informação é mercadoria preciosa para o consumidor consciente. Para se orientar
de acordo com seus valores, essas pessoas precisam sistematicamente consultar a
internet, órgãos de defesa do consumidor ou o próprio serviço de atendimento das
empresas. O problema é que, por mais bem informados que sejam, esses cidadãos se
sentem perdidos em meio a diferentes dados e explicações, muitas vezes, técnicas.
– Parece que é preciso entender de tudo para saber o que cada componente pode
causar-, diz Eliana, que fica de olho nos rótulos dos materiais de limpeza que
compra no supermercado.
– Procuro me informar e, se realmente há algo de errado, boicoto mesmo-, garante
o administrador de empresas Ricardo Giovanni Venerito, de 30 anos, que deixou de
comprar produtos de empresas que utilizam transgênicos e se pluga à internet
para comprar alimentos orgânicos de pequenos produtores, que não usem
agrotóxicos e respeitem o meio ambiente. A internet, aliás, é uma boa arma para
encontrar grupos organizados em torno de um tema, seja ele lixo eletrônico ou
trabalho escravo. – Com uma palavra em um site de buscas, você acha uma cadeia
de assuntos relacionados, afirma a estudante Gabriela Gomes Prol Otero, de 21
anos, que evita usar maquiagens testadas em animais e dá preferência a empresas
nacionais.
Uma armadilha perigosa para esse cidadão sempre em busca de justiça é ser levado
a fazer escolhas erradas por empresas que tentam passar uma imagem de
responsável sem sê-lo. Seria ingênuo acreditar que uma indústria tem um bom
trabalho social, por exemplo, só porque faz publicidade disso. Mas ser cético em
relação ao marketing das empresas não é apenas uma questão de grau de instrução.
Uma pesquisa mostra que em países como Itália e Alemanha a credibilidade na
comunicação das empresas sobre marketing social é menor que no Brasil. Mas os
americanos, por outro lado, são mais crédulos. – A própria sociedade civil vai
se organizando para descobrir e eliminar o que for puro marketing-, diz Yacoff
Sarkovas, presidente da Articultura Comunicação, agência que orienta a atitude
social das empresas. – Esse tipo de controle é feito pelas ONGs, que ganharam um
poder de pressão incrível com a internet.- Para Hélio Mattar, diretor-presidente
do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, o mercado regula o comportamento das
empresas. – Com a visibilidade a que estão expostas, seria suicídio mentirem-,
acredita.
– O consumidor está escolhendo o mundo em que quer viver-, afirma Mattar. Uma
pesquisa do Akatu de 2004 revela que cerca de 65% da população brasileira se diz
disposta a reduzir um pouco seu padrão de vida para melhorar o meio ambiente e
91% acreditam que as empresas devem ajudar a construir uma sociedade melhor. No
entanto, isso ainda é teoria. Apenas 6% dos brasileiros podem ser considerados
conscientes, ou seja, praticam entre 11 e 13 ações estabelecidas como
características desse tipo de consumo, como pedir nota fiscal ou ler os rótulos
dos produtos.
Para o empresário Luiz Carlos Franco, de 52 anos, ler sobre os perfis das
empresas é um prazer. – Acho tão interessante quanto o perfil de pessoas.- E
traz surpresas. Em suas leituras, por exemplo, Franco descobriu um programa da
Coca-Cola de refeições subsidiadas para a população carente. – Voltei a tomar o
refrigerante-, diz o empresário.
Premiar quem faz a coisa certa é outra forma de o consumidor consciente agir. Na
verdade, é a principal. Uma pesquisa feita em 2004 pelo Instituto Ethos de
Empresas e Responsabilidade Social em conjunto com o Instituto Akatu mostra que,
enquanto 17% dos entrevistados declaravam ter prestigiado empresas responsáveis,
14% diziam ter deixado de comprar mercadorias de companhias que tinham feito
algo errado.
Preço e qualidade continuam a ser importantes para esse consumidor diferenciado.
Franco, que é síndico do prédio onde mora, conta que a economia financeira
gerada pelo controle do consumo de água foi fator preponderante para o
condomínio instalar um sistema de reuso para lavar o chão e molhar o jardim. –
Quando busco fornecedores, dou preferência às empresas responsáveis-, conta
Franco. – Mas se o preço é altíssimo não há O que fazer. E é preciso também ter
qualidade.-
Muitos consumidores já optam pelo mais correto mesmo quando há um gasto extra.
No condomínio de Franco, por exemplo, decidiu-se que valia a pena gastar R$ 2,50
a mais pelo cento de saco de lixo biodegradável. O produto, desenvolvido
especialmente pela administradora do condomínio, a Hubert, faz parte de uma
série de serviços ambientais oferecidos aos clientes, como treinamento e coleta
seletiva de lixo, instalação de sistema de reuso ou economia de consumo de água.
– Quando fomos tirar o ISO 9000, pensamos em obter também o certificado de
excelência ambiental-, conta Daniel Gebara, de 30 anos, diretor da Hubert. –
Hoje é um grande diferencial do nosso negócio.-
Começa-se, timidamente, a mudar alguns hábitos e acaba-se tornando militante. –
Se um amigo joga bituca de cigarro no chão, digo: Ô, meu! Precisa? ,
conta Gebara, que antes de desenvolver o projeto na empresa nem sequer reciclava
o lixo em casa. – Tento incentivar os amigos a fazer coleta seletiva, vou à casa
deles, ensino a empregada. A maioria aderiu.-
Há um pouco de consumidor consciente em cada cidadão moderno. É só despertá-lo.
– Não sou 100% ambientalista-, avalia o empresário Daniel Nagao, de 28 anos. –
Mas, dentro do possível, procuro fazer o mais correto.- Tudo começou quando
Nagao e seus sócios estavam montando o bar Maeva, em São Paulo. Ele havia lido
uma reportagem sobre madeira certificada e sugeriu usar esse tipo de material
para mesas e cadeiras. – A gente não consegue salvar o mundo, mas contribui.-
A preocupação com o ambiente às vezes vem junto com cuidados com a saúde. O
nutricionista George Guimarães optou pela dieta vegetariana por achá-la mais
saudável e porque poupa o ambiente. E estendeu a política ao trabalho: o
cardápio de seu restaurante é vegetariano, preparado com produtos orgânicos.
Segundo ele, a pecuária gasta mais recursos naturais que a agricultura.
Guimarães só compra produtos ecologicamente corretos, de preferência com
matéria-prima local para evitar transporte e poluição. – As mudanças podem ser
desconfortáveis no começo, mas nada paga a consciência limpa-, diz.
Nessa corrente do bem, um elo que ganha força é o Comércio Justo, movimento
internacional que visa diminuir a distância entre pequenos produtores de regiões
carentes e consumidores de áreas ricas, além de incluir no preço final um bônus
para a comunidade produtora. A prática beneficia cerca de 800 mil famílias na
África, na América Latina e na Ásia.
Ser responsável social, cultural e ambientalmente está deixando de representar
um diferencial na estratégia de marketing para se tornar um pré-requisito para a
sobrevivência de uma empresa. Na Austrália, o país mais à frente nesse processo,
53% dos consumidores declaram dar preferência a negócios com essa mentalidade.
Isso vem crescendo no mundo todo, inclusive no Brasil, e não vale apenas para as
grandes empresas. A academia de ginástica Ecofit Club, inaugurada há dois meses
em São Paulo, viu rapidamente seus salões encher-se de alunos que, além de
cuidar da forma física, estavam interessados em participar de um projeto
ecológico. O prédio é ecoeficiente, com madeira certificada e estrutura de ferro
em vez de aço, porque é mais fácil de reciclar. Com aproveitamento máximo de luz
natural, usa água de chuva para descargas e limpeza. A piscina é tratada com
ozônio, sem cloro. A administradora de empresas Vivian Regina Soares Santos, de
28 anos, aprovou. – Eu via o prédio em fase de acabamento com o nome Ecofit e já
pensava em me inscrever-, lembra. Foi uma das primeiras matriculadas.
(Época, 21/11)