Usina no Pantanal: Problema do projeto é frear água que corre morro abaixo
2005-11-21
Não é na biologia que moram os problemas ambientais envolvidos no projeto defendido por Zeca do PT. É na física, especificamente na Lei da Gravitação Universal e nas leis de Newton. De acordo com o projeto, a faixa que pode ser explorada se estende no planalto, na beirada do Pantanal Sul-Mato-Grossense. É ali, no alto, onde nascem os rios que depois descem geografia abaixo, seguindo a lei da inércia, para alimentar a planície num ciclo de cheia e seca que repete ano a ano. O que técnicos e ambientalistas explicam é que, uma vez instaladas as usinas, produtos químicos que poluam solo e água vão cair no Pantanal, assim como um subproduto tóxico do beneficiamento da cana-de-açúcar, o vinhoto ou vinhaça.
Para cada litro de álcool produzido, sobram 12 litros dessa substância. Ela pode ser usada como fertilizante, mas seu manuseio inadequado consome o oxigênio de um rio ou lago. Numa bacia como a do Rio Paraná, que se oxigena rapidamente, um acidente teria impactos graves. No caso do Pantanal, a situação seria ainda pior.
A Bacia do Rio Paraguai não é tão rica em oxigênio.
— Há uma baixa declividade (na topografia), então as águas se movem muito lentamente. Em várias regiões, os rios correm nas duas direções seguindo a cheia e a seca - explica o biólogo Alcides Faria, diretor da ONG Ecoa. O processo de cheias e secas provoca a decomposição de vegetação na água, consumindo o pouco oxigênio diluído – o fenômeno, natural, chamado dequada, chega às vezes a provocar uma alta mortandade de peixes.
Se o vinhoto contaminasse a bacia, todos os ecossistemas seriam afetados, do plâncton que alimenta os peixes ao gado que come o capim na margem dos rios.
— Imagine o impacto de um acidente desse na economia pantaneira, no turismo de pesca, por exemplo - diz Faria.
Também a Lei da Gravitação está atrás de outro problema ambiental envolvido no projeto. No planalto existem pequenas fissuras na rocha. Atraída pela gravidade, a água escoa para dentro da terra e alimenta o Aqüífero Guarani, a maior reserva subterrânea de água doce da América, que se estende por quatro países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Produtos químicos lançados na plantação de cana, como fertilizantes e agrotóxicos, podem contaminar a água subterrânea. O processo já ocorre em Goiás, onde substâncias tóxicas usadas na monocultura de soja poluem o aqüífero.
Para o engenheiro agrônomo Felipe Dias, as exigências feitas pelo projeto, de montar usinas a 230 metros de altitude e a mil metros de corpos dágua, são inócuas.
— Independentemente da altitude, as ações decorrentes da atividade sucroalcooleira nessa região se refletiriam em toda a bacia. Ninguém segura água morro abaixo. Será que o Estado tem poder para alterar a Lei da Gravidade? - pergunta. — Ninguém aqui é contra usina. O problema é o local escolhido.
Depois de ambientalistas e da ministra do Meio Ambiente, talvez o governador de Mato Grosso do Sul queira discutir o projeto com Isaac Newton. (O Estado de S. Paulo, 20/11)