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2005-11-21
Quatro projetos industriais dentro da planície do Pantanal em Mato Grosso do Sul degradarão o ambiente se forem implantados, afirmam ambientalistas e pesquisadores. O governador José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, é o principal articulador dos empreendimentos, mas nega os danos. Há uma semana, o ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, 65, o Franselmo, morreu após atear fogo ao próprio corpo, durante protesto em Campo Grande contra um outro projeto que ameaçaria a área, e também do governo estadual, só que localizado no entorno do Pantanal: a instalação de usinas de álcool. Zeca do PT afirmou que essas usinas ficarão fora do Pantanal.

As quatro propostas que atingem a planície são para instalação de um pólo para processar minério de ferro, um pólo para retirar fertilizantes e gás de cozinha do gás natural boliviano, uma usina termelétrica e uma hidrovia. Os três primeiros serão em Corumbá (a 400 km de Campo Grande). É a principal cidade do Pantanal, cuja área é de 140 mil km2. No solo do município, há uma jazida de minério de ferro de boa qualidade. Em relatório concluído em agosto passado, o Ministério Público Federal apontou problemas no EIA (Estudo de Impacto Ambiental) da usina termelétrica.

Uma das conclusões do relatório diz que houve prevalência dos aspectos econômicos sobre os ambientais na análise das alternativas de localização. Outra crítica está no fato de o EIA não identificar os impactos do lançamento na atmosfera de substâncias tóxicas.

Apesar do relatório desfavorável, em setembro o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) deu licença prévia para a instalação da usina. Um mês depois, em outubro, Zeca do PT concedeu incentivos fiscais ao grupo EBX, escolhido para construir a termelétrica. Além do parecer contrário do Ministério Público, integrantes da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) afirmaram em documento que os riscos de explosão, contaminação com substâncias químicas, conforto térmico e sonoro ocorrerão em área residencial pertencente à área de influência direta [da usina].

Quanto a outro empreendimento, o do pólo gás-químico, Sônia Hess, pós-doutora em química e pesquisadora da UFMS, aponta que haverá riscos de vazamentos de insumos para rios e poluição atmosférica.

O projeto do pólo vai ser tocado pela Petrobras e multinacionais.

Outra obra prioritária para Zeca do PT é o pólo minero-siderúrgico, que tem a participação do grupo Rio Tinto, que extrai de minério de ferro em Corumbá. Em setembro, o governador cobrou e obteve do grupo o compromisso com a instalação do pólo.

Nesse empreendimento, a pesquisadora Hess disse que, além da poluição atmosférica, outro impacto seria um possível aumento de desmatamento, caso seja usado carvão vegetal no processo de purificação do minério de ferro.

Na opinião de Mônica Harris, da ONG Conservação Internacional, as atuais áreas de reflorestamento não conseguiriam atender à demanda de madeira para ser transformada em carvão.

O escoamento da produção nos pólos (gás-químico e minero-siderúrgico) seria feito pela hidrovia Paraguai-Paraná, o quarto empreendimento no Pantanal apoiado pelo governo petista. No final do mês passado, Zeca do PT acertou com o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), ingressar com ações para suspender o embargo judicial que proíbe obras no rio Paraguai para ampliar a navegação.

O secretário-executivo da coalizão de ONGs Rios Vivos, Alcides Faria, explicou que essas obras -retirada de rochas, de curvas e o aprofundamento de trechos do leito do rio Paraguai- vão acelerar a vazão do rio.

Para o ambientalista, isso pode alterar os ciclos de cheia e de seca na planície alagável.

— O Pantanal, com as características atuais, poderá desaparecer - disse.

Não quero ser troglodita, diz governador
— Claro que eu não quero causar prejuízo ao Pantanal. Sou pantaneiro. Agora, eu não quero ser retrógrado. Não quero ser homem da pedra. Não quero ser troglodita - disse o governador Zeca do PT sobre as críticas de ambientalistas à industrialização em Corumbá (MS).

— Acho que isso é importante para o crescimento, geração de emprego e modernização do meu Estado.

O governador declarou que atualmente há mecanismos para coibir, evitar e diminuir impactos ambientais. E que estudos provam que os empreendimentos não afetam o Pantanal. Ele também defendeu a usina termoelétrica.

O diretor de Licenciamento e Qualidade do Ibama, Luiz Felippe Kunz, disse que a concessão da licença ambiental para a Termopantanal não levou em conta apenas o EIA criticado mas também análises anteriores.

Ambientalista não era radical, afirma viúva
O ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, 65, o Franselmo, que ateou fogo ao corpo no dia 12 passado durante protesto contra a instalação de usinas de álcool no entorno do Pantanal, não gostava de aparecer, define a viúva Iracema Sampaio, 67.

— Também não era radical. Ele era religioso, mas sem radicalismo - diz Iracema, acrescentando que jamais imaginou uma atitude daquelas do marido, sempre calmo e envolvido com leitura.

A reportagem ouviu jornalistas, ambientalistas e funcionários de órgãos ambientais. Eles disseram o mesmo sobre Franselmo.

— Como eu fui arrumar uma rival tão forte - lamenta Iracema, casada há 34 anos. Ela se refere à Fuconams (Fundação para Conservação da Natureza de MS), ONG criada no fim da década de 70 por Franselmo justamente para impedir que uma usina de álcool se instalasse no Pantanal.

As manifestações deram certo, pois em 1982 a Assembléia Legislativa do Estado proibiu destilarias na bacia do Alto Paraguai, onde fica a planície pantaneira. Lei que desde agosto passado o governador Zeca do PT tenta derrubar na mesma Assembléia.

Franselmo foi de Salvador (BA) para Campo Grande em 1977. Ex-cabo da Aeronáutica e ex-funcionário administrativo de uma madeireira, tornou-se jornalista e criou a Fuconams. Minutos antes de atear fogo ao corpo, Franselmo entregou 17 cartas ao colega ambientalista Jorge Gonda. Numa, pediu que assumisse a presidência da Fuconams.

— Não precisa ser fanático como eu - escreveu.

— Nada e nenhum problema me levaria a tomar esta decisão. Só por decisão de Deus - escreveu na carta endereçada às três irmãs.

— Podia ter sido até uma alucinação momentânea, mas foi confirmada há mais de um mês desde que começamos a ver este problema - acrescentou.

O problema, segundo Iracema, é que o ambientalista percebeu que a Assembléia poderia aprovar em votação as usinas de álcool.

No sábado, dia do protesto, ele saiu de casa com uma camisa de tecido sintético (material mais inflamável) por baixo da camisa de algodão.

— Foi tudo planejado - conclui Iracema.

Na carta a Gonda, Franselmo confirma: — Se o óbito se der, faça o velório na Capela da 13 [de Maio], dá mais repercussão. (Folha de S.Paulo, 20/11)

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