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2005-11-18
A figura da médica norueguesa Gro Harlem Brundtland transmite uma solidez compatível com sua trajetória profissional. Aos 66 anos, Brundtland ostenta no currículo a chefia do governo da Noruega (foi primeira-ministra entre 1986 e 1996) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1998 a 2002. Primeira-Ministra, ficou famosa por nomear oito mulheres para cargos-chaves de seu gabinete. Na OMS, por lançar uma campanha bem-sucedida contra a indústria do tabaco.

Mas sua consagração como liderança mundial – o jornal Financial Times a qualificou no ano passado como uma das quatro personalidades européias mais influentes dos últimos 25 anos, ao lado do Papa João Paulo II, Mikhail Gorbachev e Margaret Thatcher – passa obrigatoriamente por seu trabalho à frente da Comissão Mundial sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente, das Nações Unidas, que, em 1987, publicou o relatório Nosso Futuro Comum. A Comissão Brundtland, como ficou conhecida, cunhou neste trabalho o conceito de desenvolvimento sustentável e recolocou na agenda mundial a perigosa relação do homem com o meio ambiente.

O relatório alertava para a forma insustentável como a humanidade vinha crescendo. Pedia investimentos em fontes alternativas de energia (para substituir os combustíveis fósseis), em transporte público (para reduzir a poluição nas grandes cidades) e na gestão de recursos hídricos. Suas informações ajudaram a transformar a III Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como ECO 92 - realizada no Rio de Janeiro há 13 anos –, em um marco na história do movimento ambientalista mundial.

Apesar distas conquistas, Gro Brundtland ainda teme pelo mundo que seus nove netos herdarão. Em visita ao Brasil esta semana, para participar da entrega de um prêmio para empresas socioambientalmente responsáveis, diz que o desenvolvimento sustentável é uma meta atingida em poucos e insuficientes locais do planeta. – As futuras gerações não votam nem pagam impostos, por isso não são prioridade para os atuais governantes-. Mas faz questão de frisar: – A democracia é a única forma de sociedades, por mais pobres que sejam, de cobrar ações transformadoras dos governos. É o caminho para um futuro melhor-. O ISA participou de entrevista coletiva com Brundtland. Leia abaixo alguns trechos da conversa.

Como a senhora avalia o impacto do relatório Nosso Futuro Comum ?

Brundtland - O relatório teve impacto muito grande, foi além do movimento ambientalista. E isso levou a uma mudança em políticas públicas que prepararam o terreno para a ECO-92. Mas tivemos muitas decepções depois, como a enorme dificuldade de comprometer países em relação à políticas climáticas. O problema é que compromissos como o Protocolo de Kyoto foram assinados por mais países pobres do que ricos, como os Estados Unidos. A não adesão americana é um grande problema, pois permite que países como Brasil, China e Índia se esquivem de estabelecer metas próprias [de redução de emissão de gases de efeito estufa]. E torna o ritmo demasiado lento. De todo modo, não há milagre que faça o meio ambiente se tornar uma prioridade para os governos. Temos que dar passo por passo até chegar um ponto de maturidade real.

A senhora acredita que o conceito de desenvolvimento sustentável foi realmente assimilado pela comunidade mundial?

Brundtland - Posso dizer que se trata de um conceito conhecido, em alguns países mais do que em outros. Muitas pessoas sabem que é preciso oferecer qualidade de vida ao maior número de pessoas possível, sem comprometer as futuras gerações. O problema é que o papel de cada um ainda não está claro. Enquanto muitas empresas lideram processos de transformação em seus setores de atividade, outras permanecem ignorando os avisos do relatório. Nossa sorte é que muitas ONGs trabalham duro para alertar a sociedade sobre as atividades das empresas em relação ao meio ambiente. Isso é uma ajuda importante.

Como a senhora avalia a falta de acordos multilaterais em questões relacionadas à preservação ambiental?

Brundtland - Isso equivale a perguntar como a humanidade enfrenta seus problemas. Temos que nos lembrar que, ainda que as questões ambientais ignorem fronteiras e a existência de Estados-Nações, o mundo é controlado por governos, que fazem acordos muito difíceis. As ações para chegarmos ao desenvolvimento sustentável têm um alto custo e vão beneficiar as futuras gerações. Acontece que os que estão por vir ainda não votam nem pagam impostos. E os organismos multilaterais não têm poderes sobre países. Essa perspectiva provoca muita decepção, mas acredito que em cem anos teremos mais acordos internacionais que fortaleçam ações sobre assuntos como a preservação ambiental.

De que forma países como o Brasil podem, na prática, conquistar um modelo de desenvolvimento sustentável?

Brundtland - Acredito que seja pela via democrática, que decide as regras do jogo. Não estou a par da política interna brasileira, mas sei que falta uma política eficiente para a proteção da bacia amazônica. O uso de energias poluentes é um problema para todos os países, e alternativas, como o biocombustível, devem ser pensadas e receber investimentos. Mas nenhum país vai crescer de forma sustentável isoladamente. O cenário mundial tem um peso muito grande nessa balança. Acredito que tanto no Brasil como na Noruega, por mais diferentes que sejam suas realidades, os governos são responsáveis pelo que fazem as empresas, e devem ser cobrados por instituições e pela sociedade civil. A cobrança permanente dos governantes é fundamental para que a democracia caminhe numa direção desejável.

Como soluções para problemas ambientais podem ser aplicadas em locais onde questões sociais básicas, como a fome e o desemprego, ainda não foram resolvidas?

Brundtland - A Prêmio Nobel da Paz do ano passado, Wangari Maathai, do Quênia, que é um país muito mais pobre que o Brasil, mobilizou centenas de comunidades locais para plantar árvores, pensando numa sustentabilidade futura. Esse é um exemplo forte de que a pobreza não pode ser um obstáculo para se atingir o desenvolvimento sustentável. A questão no Brasil é saber se os governos podem fazer mais do que estão fazendo para apoiar atividades locais. Nas comunidades do interior do país é que podem se encontrar soluções. As antigas vilas pobres da área rural da Noruega, por exemplo, hoje oferecem uma qualidade de vida muito melhor do que a existente na capital, Oslo, graças à presença de serviços públicos eficientes.

A senhora acredita que a gripe aviária e outras doenças contagiosas são uma ameaça global?

Brundtland - É preciso agir com eficiência para o problema não se agrave. Enquanto centenas de países têm planos contra a gripe, muitos outros ignoram o assunto. E já há indícios de que a doença atingiu animais selvagens na Europa, o que aumenta muito a chance de que chegue a outros continentes, como a África, em razão dos ciclos migratórios da aves. (ISA, 17/11)

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