Ampliação do porto de São Sebastião (SP) pode prejudicar APPs
2005-11-18
Região que preserva grande parte da Mata Atlântica remanescente no Estado de São Paulo,
o Litoral Norte passa por mais um delicado processo de interferência em suas
áreas – uma faixa litorânea de 161 quilômetros, que compreende 164 praias e 17
ilhas. Com o projeto de ampliação do porto de São Sebastião em andamento será
necessária a duplicação da Rodovia dos Tamoios o que pode colocar em risco áreas
de preservação ambiental do Parque Estadual da Serra do Mar.
Na entrevista abaixo, o coordenador de projetos da organização não-governamental
Vale Verde e representante da Rede de Ongs Ambientalistas do Litoral Norte (Real
Norte), André Miragaia, fala sobre as transformações antrópicas na costa ao
longo da história do país, a importância do processo de participação das
entidades ambientalistas nesse processo e comenta recente encontro com
representante da Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo que esteve em
meados de outubro apresentando o projeto do corredor de exportação em seminário
promovido por ongs, em Caraguatatuba (SP), durante a 2ª Ecoadventure.
EcoAgência: Quais as principais questões ambientais envolvidas no corredor de
exportação do Porto de São Sebastião?
Miragaia: A idéia que conversamos com a Secretaria de Transportes é que aqui
ainda resta um pouco de Mata Atlântica do que sobrou do Brasil inteiro e esse
corredor de exportação coloca em risco todo o Parque Estadual da Serra do Mar. A
duplicação das estradas vai passar por áreas de preservação ambiental. E toda
estrada é indutor de ocupação no entorno dela. Nossa grande dúvida em relação à
Secretaria de Transportes é o que está sendo pensado para estas estradas para
que a gente consiga coibir essa ocupação. Uma das propostas que trouxeram para
discussão foi construí-las nos moldes da Rodovia dos Imigrantes, que liga São
Paulo a Santos, e passa por túneis ou por viadutos. Ela não tem o impacto local
de retirada da cobertura vegetal e também não intercepta de modo que se
fragmente a floresta em duas áreas com uma estrada no meio. Esse tipo de
construção possibilita que você tenha interatividade entre um lado e outro da
mata para ter as trocas genéticas.
EcoAgência: O que foi apresentado às organizações durante a discussão na
Ecoadventur?
Miragaia: Só o que a Secretaria tem certo é que vai existir o corredor de
exportação. Existem algumas propostas de traçados por onde vão se feitos os
relatórios de impactos ambientais e tudo isso vai ser submetido a uma audiência
pública. O que a gente questionou é que se vem com várias propostas de traçado
você vai ter que elaborar vários EIA/Rima para cada uma delas e a gente sabe que
não é barato de fazer. Então, além da questão ambiental a gente discute a
utilização de recurso público. Por que não se discute previamente com a
comunidade daqui do Litoral Norte sobre qual seria a melhor proposta de traçado
e depois parte-se para a elaboração do projeto base e o seu EIA/Rima?
EcoAgência: Como está a abertura para participação da comunidade e das
organizações da sociedade civil organizada do Litoral Norte nesse projeto?
Miragaia: Nossa proposta é de que tragam antes para discussão para que se
chegasse a uma proposta viável de traçado, porque o fato de se criar um corredor
de exportação é inevitável. Existe uma demanda reprimida no Estado de São Paulo,
principalmente na região de Campinas e no Vale do Paraíba que é muito grande.
São áreas altamente industrializadas e que exportam muito para o exterior. Então,
a discussão hoje é que esse Porto de São Sebastião tem calado e condições
suficientes para atendem toda essa demanda de exportação. E aí o Estado passou
por cima das discussões e está vindo com uma proposta fechada em relação aos
municípios da região.
EcoAgência: Como será feita essa ampliação do acesso ao Porto?
Miragaia: É essa nossa discussão. Não se admite hoje com a tecnologia atual que
se faça uma pista que passe por dentro da Mata Atlântica. Já que existe a
tecnologia que foi empregada na Rodovia dos Imigrantes que não precisou tirar
nada, o que estamos exigindo é que se use essa tecnologia para uma eventual
duplicação de qualquer uma das estradas locais.
EcoAgência: Qual o retorno do órgão gestor do projeto?
Miragaia: A Secretaria de Transportes tem colocado que a idéia também é essa.
Acontece que quando essa duplicação chega aqui embaixo no Litoral Norte eles
farão o contorno dos municípios porque a demanda de caminhões é muito grande.
Você não pode jogar tudo isso num fluxo que já existe e é intenso. Com o
corredor de exportações vai aumentar muito o fluxo dessa região, então vai
precisar construir outras vias para atender essa demanda. E esse contorno dos
municípios que eles estão propondo dentro desse projeto maior é o que também nos
deixa dúvidas porque vai sair das áreas urbanizadas e irá para as áreas de
preservação do Parque da Serra do Mar e aí vão fragmentar mais um pedaço da
floresta.
EcoAgência: Foi apresentada alguma proposta durante o seminário?
Miragaia: Eles apresentaram um projeto preliminar. Ainda não têm o projeto
básico para ser discutido em cima. O que eles estão alegando é que já tem umas
sete propostas que estão trabalhando em cima do licenciamento ambiental para
trazer para uma audiência pública. O que não conseguimos entender é se vão gastar
uma fortuna para fazer o licenciamento ambiental de todas essas propostas. Como
até agora não temos participado, a nossa pressão é que não venham com um pacote
fechado porque não vamos engolir.
EcoAgência: Já se tem estabelecida a data da audiência sobre o projeto do c
orredor de exportação?
Miragaia: O processo de abertura de audiência pública segundo a informação da
Secretaria está para acontecer em fevereiro ou março.
EcoAgência: Como a Vale Verde está atuando para a preservação ambiental da
região em seus 18 anos de atividades?
Miragaia: Temos dois focos. Um, trabalhar com as políticas públicas de meio
ambiente na região. São 36 municípios no Vale do Paraíba e quatro no Litoral
Norte em nossa área de abrangência. Participamos de fóruns, dos Comitês de
Bacias da Paraíba, do Litoral Norte, da Serra da Mantiqueira e do Conselho
Estadual de Meio Ambiente. Atuamos ainda muito fortemente na educação ambiental.
EcoAgência: Um projeto de destaque é a Maquete Ambiental do Vale do Paraíba.
Como funciona?
Miragaia: Através da maquete contamos a história da região, desde a Serra da
Mantiqueira até a Serra do Mar, desde 1500 até os dias de hoje. Mostramos como
ocorreu o processo de transformação da paisagem, que era essencialmente coberta
de Mata Atlântica e hoje ficou reduzida aos topos de morros.
EcoAgência: Isso tudo, associando com a história do Brasil?
Miragaia: Exatamente. Essa região foi altamente cafeeira, um dos grandes pólos
de exportação do Brasil e o grande causador da dizimação de Mata Atlântica.
Depois do café, veio o gado leiteiro, a pecuária e depois, em 1950, com a
construção da via Dutra ocorreu a grande mudança de vocação da região. São Paulo
e Rio de Janeiro ficaram muito próximos, cerca de cinco horas, e o Vale do
Paraíba situado no meio virou uma grande região industrializada. Várias grandes
indústrias se alojaram às margens da via Dutra porque tinham ali a facilidade de
transporte terrestre e o Rio Paraíba que é o grande manancial de abastecimento.
É uma região altamente impactada por toda essa história.
EcoAgência: Quais as conseqüências ambientais desse processo de devastação da
Mata Atlântica no Litoral Norte?
Miragaia: Primeiro, quando você perde essa floresta de Mata Atlântica,
comprometemos a quantidade de água e sua também está comprometida com o esgoto
doméstico. Várias das cidades não fazem tratamento algum. Uma cidade rica como
São José dos Campos, com 600 mil habitantes, com pólo industrial e tecnológico
trata só 40% do esgoto. 60% do esgoto são jogados em natura. Os municípios
vizinhos como Jacareí e Taubaté, que tem cerca de 400 mil habitantes tratam zero
de esgoto doméstico. O rio Paraíba recebe uma carga de poluição muito grande.
Praticamente é um rio morto, que passa por uma grande região e que depois que
sai de São Paulo e entra no Rio de Janeiro é o responsável por 80% da água que
se bebe na região metropolitana da capital. É um rio muito importante para a
Região Sudeste. Pela pressão das Ongs, nos últimos cinco anos, o Estado hoje tem
dado muito mais ênfase às políticas ambientais. Os comitês de bacias têm
alertado para falta de tratamento do esgoto doméstico porque a própria existência
da legislação ambiental fez com que os efluentes industriais não sejam hoje uma
das questões mais graves na região. Hoje realmente o esgoto doméstico é o grande
impactador.
EcoAgência: E a vazão do Rio está havendo redução?
Miragaia: Sim, a disponibilidade de água para a região está comprometida por
conta de toda essa devastação nas áreas florestais e da impermeabilização do
solo.
EcoAgência: Já houve racionamento?
Miragaia: A gente ainda não chegou a ter relacionamento. Temos a Serra da
Mantiqueira de um lado e a Serra do Mar no outro que são grandes produtores de
água, mas a má gestão desses recursos hídricos aos longo de todos esses anos
está fazendo com que a gente realmente esteja chegando num limite dos nossos
recursos naturais. Tanto que, em 2002, quando passamos aquela fase do apagão,
sofremos realmente um momento limítrofe entre fazer o racionamento da água. Só
que a crise de energia era uma crise de água, de chuva. As represas da região
chegaram a 14% de sua capacidade total, isso fez contivessem a vazão do rio,
fechando as comportas da represa. Só que o esgoto continuava chegando na mesma
quantidade. Com menos água e mesmo esgoto, a água ficou mais poluída ainda e no
Rio de Janeiro tiveram que fazer uma captação cinco vezes maior do que o normal
para poder abastecer a população. O rio ficou um córrego.
EcoAgência: Como está o uso do turismo como fator de desenvolvimento da economia
local?
Miragaia: O Litoral Norte ele está se projetando no Litoral Sul para criar seu
modelo de crescimento. O Litoral Sul (Santos, Guarujá) são grandes cidades que
tiveram grandes impactos e recebem grande fluxo de turistas. Hoje, o turista vem
de São Paulo para o Litoral Norte porque ele ainda tem essas áreas preservadas
de Mata Atlântica. A Beleza Cênica ainda é muito maior. Só que toda essa pressão
da vinda do turismo pra cá está gerando a ocupação de áreas impróprias e o
aumento exagerado da população. O município de São Sebastião tem um dos maiores
índices de crescimento do Brasil inteiro e agora, com a duplicação do porto e a
base de gás da Petrobras, ele ainda vai receber mais um impacto não só pela
questão da passagem dos gasodutos, mas pela pressão da população e demanda por
serviços. Essa ocupação precisa ser planejada, discutida com a população.
EcoAgência: Acaba sendo contraditório já que a atração é justamente a área
preservada, não é?
Miragaia: Essa é a nossa briga. O fator de atração do turista pra cá é a beleza
cênica, são esses morros ainda preservados de Mata Atlântica. Se começarem a
fazer a ocupação dessas áreas, acabaremos como o Litoral Sul com os morros todos
ocupados por empreendimentos. (Ecoagência, 17/11)