Projeto do governo tenta reduzir desmatamento
2005-11-18
Está parada há um mês e meio, à espera de votação no Senado, uma proposta do governo federal que deverá reduzir o desmatamento, especialmente na Amazônia. Trata-se do projeto de lei de gestão de florestas públicas (PLC 62/2005), por meio do qual o Executivo pretende oferecer uma alternativa economicamente sustentável para quem deseja explorar as matas brasileiras, diminuindo assim as atividades ilegais e descontroladas.
Tasso Rezende, diretor da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), revela: a gestão que está sendo proposta não é novidade. Já é feita em 1,4 milhão de hectares (ha) e consiste no seguinte processo de manejo florestal: numa área do tamanho de um campo de futebol (1ha), onde cabem em média mil árvores jovens e 200 adultas, são retiradas seis árvores adultas, de trinta em trinta anos, mantendo as árvores jovens. Segundo o projeto de lei, o impacto desse tipo de manejo é de menos de 4% na área.
Para o diretor do MMA, esse projeto não é nenhuma panacéia, um remédio contra todos os males: — O que ele faz é permitir o uso sustentável de uma parte significativa das florestas brasileiras que estão em terra pública, ou seja, mantendo a floresta em pé.
Rezende acredita que uma das melhores formas de combater o desmatamento é fazer a floresta ter valor em pé. Segundo ele, em 2005, o governo investiu muito no controle e na fiscalização - o que deve representar uma diminuição de cerca de 40% no corte da vegetação, a maior queda histórica.
— O problema é que esses resultados estão aparecendo a partir do estrangulamento de atividades econômicas ilegais mas que fazem parte da dinâmica da região. Temos de ocupar o espaço da economia local com atividades sustentáveis e que possam manter a floresta em pé. A melhor forma de fazer isso é manejar a floresta - conclui Rezende.
No entanto, a proposta de gestão de florestas públicas vem encontrando muita resistência nos setores que desconfiam do manejo sustentável. O biólogo Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews e colunista do jornal Correio da Cidadania, acha que a proposta do governo está recheada de palavras bonitas, mas é de pouca eficácia.
— Imaginemos que a maioria das concessões seja entregue a empresas interessadas na preservação. Imaginemos também que nenhuma empresa tente cortar mais do que o estabelecido, que ninguém tentará esquentar madeira ilegal, que não haverá uma interferência das empresas nas administrações municipais, que não haverá omissão consciente de fiscalização, que não haverá coerção ou assassinato de fiscais sérios e nem tentativa de corrupção, que as diversas regiões sem lei passarão a integrar-se ao Estado de direito. Mesmo esse cenário não é interessante porque manejo sustentável é algo que não existe no atual estágio de conhecimento. É apenas uma palavra bonita que vende bem, ajuda a convencer os incautos - critica Grassetto.
De acordo com o biólogo, não há conhecimento científico suficiente para estabelecer parâmetros de corte que garantam a preservação de espécies no longo prazo, pois várias espécies comercialmente importantes têm taxas de crescimento extremamente lentas e ciclos muito longos de desenvolvimento.
Grassetto também defende que o projeto de lei aumentaria o desmatamento: — Obviamente haverá um aumento, já que o cerne da proposta é de concessão para uma exploração de madeira de forma presumivelmente sustentável. O impacto disso nos valores de desmatamento como um todo é difícil de prever - reconhece.
Além disso, o biólogo prevê que mesmo a retirada de poucas árvores por hectare tem um impacto considerável, graças às clareiras abertas com a queda das toras, o sistema de trilhas para os tratores que puxam as toras, a abertura de estradas para os caminhões, os pátios de estocagem, entre outros. Grassetto acredita ainda que essas áreas, mais secas por conta dos efeitos da derrubada das árvores, estariam mais sujeitas a incêndios.
Rezende, do MMA, discorda. Ele revela que, até o final da década de 1980, não havia, realmente, tecnologia para trabalhar o manejo florestal.
— Hoje, o trabalho é feito de forma totalmente diferente. Primeiro, faz-se um mapa das árvores da floresta para definir exatamente quais serão abatidas e por onde serão arrastadas. Existem também estudos para calcular como cortar a árvore de forma a causar o menor impacto nas remanescentes. Quando calculamos impacto de 4%, já contamos com as quedas e o arraste - tranqüiliza Rezende.
ALTERNATIVAS: A omissão dos governos anteriores em implantar um programa sério de fiscalização e controle, segundo Grassetto, gerou o desmatamento.
— Por isso, como outros ambientalistas, defendo que a primeira medida deveria ser um aumento brutal na fiscalização. Uma vez controlado todo o desmatamento ilegal, poderíamos começar a pensar em projetos alternativos de desenvolvimento da Amazônia - diz. Rezende lembra que só policiamento não basta:
— Não existe uma regra que permita fazer legalmente o manejo florestal da terra pública. Precisa haver a regulamentação de modo a tornar legal uma atividade econômica importante para a economia local. E, a partir dela, gerar renda para fazer um processo de fiscalização mais ordenado - rebate Rezende.
Grassetto, contudo, sustenta que além da fiscalização deveria haver um esforço de regularização fundiária da região pois aquilo está uma bagunça. Em paralelo, o biólogo defende investimentos em projetos que favoreçam primeiro as comunidades carentes e excluídas.
— Além de socialmente justo, se não houver alternativas para elas, é impossível pensar em preservação em longo prazo. Também não sou favorável a mega-idéias, projetos grandiosos e únicos. Temos que considerar as diversidades e as diferentes propostas de fornecer renda sem destruir o ambiente, tais como turismo ambiental, frutas nativas plantadas dentro da floresta, piscicultura extensiva, criação extensiva de animais selvagens, extrativismo - sugere Grassetto. (Brasil de Fato, Edição Nº 142 - De 17 a 23 de novembro de 2005)