Projeto da Vale pode expulsar 14 mil pessoas da zona rural de São Luís
2005-11-17
O sol incide quase que de forma ininterrupta sobre São Luís, capital do estado mais pobre da nação, Maranhão. Trata-se de uma senhora que beira os 400 anos de vida. Patrimônio cultural da Unesco, por conta do casario colonial do século XVIII, é uma ilha com quase um milhão de habitantes. Franceses e portugueses estão na matriz de sua fundação, bem como africanos trazidos à força.
Nos derradeiros cinco anos a cidade tem recebido construções de hotéis e condomínios de luxo. Se num extremo a cidade se verticaliza, no outro, as palafitas avançam contra o mangue. No rosário de problemas que aflige a ilha, o abastecimento de água figura com um dos mais graves. Sotaques de África pulsam com intensidade no mês de junho: bumba-meu-boi em diversos modalidades, côco, tambor de crioula, cacuriá varam noites.
É nesta seara que uma das maiores companhias de mineração do mundo, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), privatizada em 1997, pretende a implantação de um complexo siderúrgico. Posição geográfica, boas condições no porto para navios de grande porte, ajudam no endosso da escolha. A questão foi debatida durante a reunião do Grupo de Trabalho sobre Energia, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimento Social (FBOMS), realizada entre 24 a 27 do mês passado, em São Luís.
O empreendimento de U$ 1,5 bilhão na fase inicial é liderado pela CVRD, em parceria com a corporação chinesa Baosteel e a francesa Arcelor, e visa instalar na capital maranhense, próximo ao porto do Itaqui, um complexo de três usinas e duas gusarias em uma área de 2.471 hectares onde moram cerca de 14 mil pessoas em 11 comunidades rurais. Cada usina teria capacidade de produzir 7,5 milhões de toneladas anuais de placas de aço por ano, totalizando 22,5 milhões de toneladas para exportação (72% da produção brasileira e 2,3% do aço fabricado no mundo). Informa o jornalista Edwilson Araújo, em matéria vinculada em diversas páginas na rede mundial de computadores.
O projeto figura num portfólio da CVRD, que tem se dedicado na área de infra-estrutura. Na região de Carajás, sudeste do Pará, avança em projetos de exploração de níquel e cobre, bem como gusa. Já no nordeste do mesmo estado pretende a construção de duto para escoamento de bauxita, matéria prima para produção de alumínio, em suas fábricas com sede no município de Barcarena, próximo a capital paraense, Belém. A empresa ainda é parceira em projeto de geração de energia. No Pará tem orçamento maior do que o próprio Estado.
A âncora do discurso de tal modalidade de projeto tem sido a geração de emprego, renda e desenvolvimento. Se os interessados trabalham na amplificação dos números de geração de emprego, na proporção inversa silenciam sobre os graves problemas sociais e ambientais embutidos em tais projetos. Ou mesmo sonegam que caberá à sociedade absorver os passivos sociais e ambientais. E mesmo para onde irão as 14 mil pessoas a serem reassentados, caso o projeto vingue. A migração massiva tem sido o impacto inaugural nessa modalidade de empreendimento. Assim, teríamos na questão humana, além do problema da migração, a população a ser reassentada. Há em São Luís área que possa garantir a reprodução material, cultural e social de tal população?
Entre as 11 comunidades onde a CVRD pretende a instalação do mega projeto, ocorrem casos de comunidades seculares, como a do Taim. Um dos focos de resistência ao projeto. Como em outros locais do país, o processo passa por cooptação de dirigentes, representantes públicos, como o registrado no processo de audiência pública do projetos da Hidrelétrica de Estreito (MA/TO) e no caso do Juruti, oeste do Pará, exploração de bauxita.
A comunidade de Taim integra um coletivo contra o pólo batizado de Reage São Luís, que aglutina quase 50 representações. O coletivo tem se esmerado no processo de audiências públicas, realização de oficinas, e mesmo construção de página na rede mundial de computadores: www.siderugianaamazonia.com.br. Na região abundam nascentes de água, rios, igarapés e vasta flora. O coletivo denuncia que não consegue ser recebido em Brasília. Entre as pretensões do movimento oposicionista tem-se a pauta de transferência da debate do licenciamento ambiental para a esfera do IBAMA de Brasília. Posto o projeto envolver dois estados: o Pará, de onde virá o minério de ferro, e o Maranhão.
Quatro fases totalizam o processo para que o pólo siderúrgico possa ser implantado em São Luís. Faz-se necessário a outorga para uso da água, porto, cessão de terras no sub distrito industrial, e ainda na questão ambiental. Na Câmara Municipal tramita processo de alteração do plano diretor da cidade.
Moradores das comunidades informam que a empresa paulista Diagonal Urben, contrata pela CVRD para a realização de um diagnóstico da área pretendida pelo projeto, realizou práticas semelhantes ao nazismo. A mesma numerava as casas visitadas, informando aos proprietários que os mesmos estariam impedidos de promoção de qualquer melhoria em suas propriedades.
A prática assemelha-se a identificação dos judeus pelos nazistas. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e plataforma dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (DHESC) estão debruçados na investigação sobre o projeto. O último visitou a zona rural da ilha de São Luís. O relatório da visita será apresentado em audiência pública. (Estação Vida – MT, 16/11)
Nota do Ambiente Já: E empresa chinesa Baoshan Iron and Steel (Baosteel) anunciou, no dia 8 de novembro, que desistiu de implantar, no curto e médio prazos, o complexo siderúrgico em São Luís em sociedade com a Vale do Rio Doce (CVRD).