Milho transgênico invade o país
2005-11-17
Da mesma maneira que aconteceu com a soja transgênica, há dez anos, o milho
geneticamente modificado está entrando aos poucos no Rio Grande do Sul, e
contrabandeado da Argentina. Na semana passada, um agricultor denunciou que uma
empresa do município de Barão de Cotegipe, região Norte do Estado, estaria
vendendo semente de milho transgênico aos produtores locais. O estabelecimento
comercial se chama Agropecuária Campesato e pertence a Jânio Luciano Campesato,
morador antigo da região.
Uma amostra deste milho foi encaminhada para análise no laboratório Alac, em
Garibaldi, na Serra gaúcha. O resultado apontou que a semente possui 27,5% do
gene GA21, resistente ao herbicida glifosato - mais conhecido pelo nome
comercial Roundup, fabricado pela transnacional estadunidense Monsanto. Aquele
gene é utilizado na variedade de milho transgênico RR GA21, da Monsanto, e é a
que domina o mercado da semente geneticamente modificada na Argentina.
Abordagem
De acordo com informações do agricultor autor da denúncia, que preferiu não se
identificar, Campesato vende a semente abertamente como sendo transgênica, sem
se preocupar em omitir o fato, mesmo ciente de que o plantio e a comercialização
do milho geneticamente modificado não é permitido no Brasil. O vendedor
justifica, ainda, a pouca quantidade de semente que tem à venda justamente pelo
fato de o milho modificado não ser legal. No entanto, os agricultores podem
encomendar sementes, pois o carregamento é semanal. A comercialização é sem nota
fiscal.
Cada quilo da semente transgênica custa R$ 15,00, enquanto a convencional fica
entre R$ 3,00 e R$ 4,00. Campesato também avisa que dentro de poucos dias vai
receber um tipo de milho transgênico ainda mais resistente, que custará entre R$
20,00 e R$ 22,00 o quilo. O produto é trazido da Argentina por um comerciante
não identificado, dono de uma importadora de grãos.
Para o agricultor denunciante, não há como ter uma dimensão exata da entrada da
semente no Estado, mas ele acha que muitos produtores de Barão de Cotegipe e de
municípios vizinhos como Sertão e Tapejara também estão plantando o milho
modificado. Inclusive, existem suspeitas de que em 2004 já se produziu
transgênico. – Há boatos de que um agricultor colheu 70 sacos desse milho no ano
passado. Ele disse que não iria mais plantar semente transgênica, porque produz
menos do que a convencional-, conta. Em 2004, o quilo da semente modificada
estava sendo comercializado a R$ 8,00.
Ministério Público
Na quarta-feira, dia 11, o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS)
denunciou o contrabando de milho transgênico ao Ministério Público. Para ele, a
falta de atitudes mais enérgicas do governo federal em relação à soja transgênica
serviu para abrir precedentes ao plantio ilegal de outras culturas
geneticamente modificadas, como o algodão e, agora, o milho. – O governo federal
é o responsável pela entrada dos transgênicos no país. Não tomou qualquer
atitude para interromper a entrada da soja contrabandeada, servindo aos
interesses das transnacionais-, argumenta.
Frei Sérgio critica, ainda, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio)
que, em vez de regular os transgênicos, está à mercê das empresas. – O governo
não respeita nem essa lei que fizeram à imagem e semelhança deles. Isso porque
não tem qualquer respeito à nação brasileira.-
O deputado alerta para o fato de que o principal afetado será a economia do Rio
Grande do Sul. – O cultivo do milho transgênico é uma ameaça à avicultura e à
suinocultura gaúchas, já que a contaminação da carne de suínos e aves podem
criar diversos problemas às exportações brasileiras.- Feita a denúncia no
Ministério Público, a Polícia Federal investigará o caso.
A soja percorreu a mesma rota
Atualmente, mais de 90% do cultivo de soja no Rio Grande do Sul é transgênico. O
início do plantio começou por volta de 1998, com o contrabando da soja Roundup
Ready (RR), da Monsanto, trazida da Argentina sem nota fiscal - pois o plantio e
comercialização do organismo geneticamente modificado (OGM) não era legalizado
no Brasil. Muitos agricultores usaram a transgenia sem saber exatamente do que
se tratava e, muito menos, dos seus impactos na natureza e na economia da
pequena propriedade familiar. Importadores clandestinos iniciaram a venda da
semente no Estado, distribuindo em locais estratégicos das regiões produtoras.
Ainda houve casos de alguns agricultores que ganharam a semente de graça, e de
outros que receberam dinheiro diretamente das transnacionais para cultivar a
soja, para construir o fato consumado . A transgenia se espalhou de tal
maneira que, em 2003, o governo federal emitiu a primeira Medida Provisória (MP)
legalizando o plantio da semente, mas somente naquela safra. No entanto, a MP
foi prorrogada também para a safra 2004/2005.
Exportação de aves e agricultura familiar, os grandes prejudicados
Na opinião do ambientalista Sebastião Pinheiro, os exportadores de aves serão um
dos principais atingidos com a chegada do milho transgênico. – Vamos acabar
perdendo o mercado de carne suína e de carne avícola porque os europeus não
querem milho transgênico. Os estadunidenses estão atrolhados desse grão porque
não têm mercado, ninguém quer comer esse milho-, afirma. – Nós temos condições
de plantar milho convencional de muito boa qualidade. Mas optamos pelo que
parece ser mais fácil , sem pensar nas conseqüências,- acrescenta.
Segundo a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef),
o país é o segundo maior exportador mundial da ave, perdendo somente para os
Estados Unidos. Em 2004, o Brasil vendeu no exterior cerca de 2,1 milhão de
toneladas. O Rio Grande o Sul, o terceiro maior Estado exportador, com vendas
externas de 25,4% da sua produção, emprega direta e indiretamente cerca de 2
milhões de pessoas. Isso dá uma idéia do estrago que faria a diminuição da
compra de aves.
No entanto, não é somente a avicultura industrial que perde com a plantação do
milho transgênico. Para o ambientalista, a agricultura familiar seria outra
grande atingida, já que o milho, por servir de matéria-prima à alimentação
humana e como ração aos animais, é fundamental na pequena propriedade.
Perigo à vista
– A briga não é no campo de pró-transgênico contra transgênico. A disputa é
com transgênico não há propriedade familiar em menos de dez anos , porque
ela desaparece por falta de alimento-, avisa Pinheiro.
A contaminação dos grãos convencionais de milho e a formação de outras plantas
transgênicas são os grandes problemas ambientais apontados pelo especialista. –
O milho é uma planta muito rara, que se cruza pelo ar, com os insetos, e também
com outras gramíneas, como pastos e capins. No Rio Grande do Sul, encontramos
muitas plantas que são parentes do milho, mas que, na verdade, são
pastagens-, explica.
Essa característica do grão, aliada à transgenia, pode abrir mais uma brecha
para a cobrança de royalties pelas transnacionais. Na Justiça, existe o registro
do caso internacional de um agricultor que não usava transgênicos, mas foi
acusado de estar utilizando sementes modificadas. O agricultor foi condenado
porque o gen o modificado estava dentro da semente que plantou. (Brasil de Fato,
16/11)