Nucleares evitam apagão no Rio de Janeiro
2005-11-16
Enquanto acende e apaga suas lâmpadas e aparelhos elétricos, a população fluminense nem imagina o risco de ficar às escuras que o Rio de Janeiro volta e meia corre. Em três ocasiões desde junho, as linhas de transmissão que trazem ao estado a energia gerada pela hidrelétrica de Itaipu foram danificadas pelos fortes ventos que têm atingido o Paraná. Em razão disso, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) solicitou à Eletronuclear o aumento da potência das usinas de Angra 1 e 2. Durante 26 dias, as duas unidades operaram perto da capacidade máxima e chegaram a responder por 65% da energia consumida no Estado do Rio — o normal são 50%. Não fossem as usinas nucleares, o Rio e provavelmente o Espírito Santo teriam enfrentado apagões nos horários de pico de consumo, entre 19h e 22h.
Os problemas ocorridos com a transmissão da energia de Itaipu — de 15 a 26 de junho, de 5 a 11 de setembro e de 4 a 10 de outubro — só são comparáveis à época do racionamento, entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, segundo o engenheiro Sergio Gonçalves Mathias, do Departamento de Comercialização da Eletronuclear. Naquela ocasião, sem as usinas nucleares em plena potência, o corte de consumo necessário para o que o Rio não apagasse teria sido de 29%, em vez dos 20% estabelecidos pelo governo federal para todo o país.
O Rio não produz toda a energia que consome. Metade da demanda é atendida por Angra 1 e Angra 2; 20%, por Itaipu e o restante, pelas usinas de Santa Cruz e outras menores. É verdade que num sistema interligado, como é o brasileiro, nenhum consumidor é capaz de determinar a origem da energia. A eletricidade sai das usinas, entra nas linhas de transmissão e chega aos lares e empresas sem certificação de origem. Mas conhecendo a capacidade de geração do sistema, é possível determinar o estrago que a paralisação de uma unidade causaria.
Novas linhas para Rio e Espírito Santo
O caso do Rio e do Espírito Santo é mais delicado, porque ambos estão no trecho final das linhas de transmissão, o que os especialistas chamam de ponta do sistema. Significa que qualquer problema no caminho da eletricidade traz risco de desequilíbrio no fornecimento. O problema pode ser contornado com a construção de linhas, o que já está acontecendo, afirma o físico Luiz Pinguelli Rosa, professor da Coppe-UFRJ e ex-presidente da Eletrobrás.
— Como o Rio está na ponta da linha, as usinas nucleares garantem a disponibilidade e a estabilidade do sistema - assinala Aquilino Senra Martinez, professor do Programa de Engenharia Nuclear da Coppe.
— Se Angra 1 e 2 não existissem, 70% da energia consumida no Rio teriam de vir de Itaipu, o que aumentaria os riscos do sistema - completa Mathias.
Mário Santos, diretor-geral do ONS, entidade que coordena as operações de geração e transmissão de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN), diz que as térmicas nucleares são importantes para todo o país. Segundo ele, Angra 1 e Angra 2 funcionam como um seguro contra os riscos hidrológicos, porque o Brasil é muito dependente das hidrelétricas. Elas representam 84% da matriz energética e precisam das chuvas para garantir o nível de seus reservatórios.
Quando não chove, como em 2001, o jeito é aumentar a potência das usinas térmicas (nucleares, a gás, a carvão ou a óleo combustível). No racionamento, a geração das usinas nucleares totalizou 11,760 milhões Mwh, 10% da capacidade de armazenamento do sistema interligado. Em 2004, a geração das nucleares permitiu que os reservatórios armazenassem 9% mais energia.
O par de usinas de Angra dos Reis, segundo o ONS, responde por 25% do consumo fluminense e capixaba juntos — nos horários de pico, alcança um terço. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, representam 7% da energia gerada. Em todo o Brasil, detêm pouco mais de 2% da capacidade instalada de geração.
Um executivo de Itaipu, que prefere não se identificar, informa que as usinas nucleares têm sido de grande importância este ano, quando a Região Sul vem sendo fortemente atingida por vendavais. Há quem identifique como polígono dos tornados a área que concentra as linhas de transmissão de Furnas, no Paraná. Elas se interligam aos outros estados do Sul e a São Paulo, Minas Gerais, Rio e Espírito Santo.
Em 2005, os ventos tiveram tal intensidade e foram tantas as quedas no sistema que um grupo de trabalho - formado por ONS, Ministério de Minas e Energia, Furnas e Empresa de Política Energética (EPE) - foi encarregado de estudá-los. Segundo Santos, é preciso descobrir se os fenômenos climáticos que levaram às interrupções no fornecimento foram episódicos ou serão freqüentes, exigindo assim a reavaliação dos projetos no setor elétrico.
Angra 3, eterna discussão
De tempos em tempos, o setor elétrico brasileiro desenterra o debate acerca da retomada da construção de Angra 3. Há dois meses, o tema veio à tona com a decisão do governo do Estado do Rio de fazer da usina sua prioridade. O secretário estadual de Energia, da Indústria Naval e do Petróleo, Wagner Victer, enviou à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, um ofício em defesa da usina. Especialistas estimam que a conclusão de Angra 3 ainda demandará investimentos de US$ 1,5 bilhão a US$ 1,8 bilhão. Por outro lado, o projeto já consumiu cerca de US$ 750 milhões em equipamentos, que exigem gastos anuais de US$ 20 milhões em manutenção.
O assunto está nas mãos do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que se reuniu pela última vez em abril, quando a Casa Civil ainda estava sob o comando do deputado José Dirceu. Na ocasião, Dirceu deu parecer favorável. O projeto tem o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e o voto contrário da pasta do Meio Ambiente. O Ministério de Minas e Energia, que apresentou seu parecer durante a gestão de Dilma, é favorável, mas não de imediato.
A construção daria ao Rio de Janeiro a auto-suficiência na geração de energia. Hoje, Angras 1 e 2 têm capacidade para atender a metade do consumo do estado. Com Angra 3, a potência supriria 84%, estima o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Edson Kuramoto:
— O projeto é estratégico também porque a indústria nuclear está concentrada aqui (no Rio).
Aquilino Senra Martinez, do Programa de Engenharia Nuclear da Coppe-UFRJ, considera fundamental para o país a diversificação de sua matriz energética. Além disso, Angra 3 viabilizaria o investimento brasileiro no domínio do ciclo do combustível nuclear. Luiz Pinguelli Rosa, também da Coppe, diz que a tecnologia nuclear não emite gases causadores do efeito-estufa, mas ressalta que o custo de construção e geração é maior que o de usinas hidrelétricas. A ONG Greenpeace é radicalmente contra Angra 3, pelo risco de acidentes e por causa do lixo atômico. (O Globo, 14/11)