Degradação e ações criminosas deixam Reserva do Gurupi em estado de emergência
reserva biológica gurupi
madeira ilegal da amazônia
2005-11-14
Uma das últimas áreas remanescentes da Floresta Amazônica maranhense, a Reserva
Biológica (Rebio) do Gurupi, com cerca de 273 mil hectares, encontra-se ameaçada e em
grave estado de deterioração. Com o título de unidade de conservação em pior
situação do Brasil , a Rebio enfrenta, desde a sua criação em 1988, problemas
relacionados à ocupação ilegal do território e ações criminosas associadas à extração
ilegal da madeira, como a pistolagem.
– O problema mais sério na Rebio do Gurupi é o crime. Além da extração da madeira,
pistoleiros resguardam outros crimes lá dentro, como plantações de maconha e desmonte
de carros-, afirma Marluze Pastor Santos, gerente do Ibama-Maranhão. Segundo a gerente,
os funcionários do Ibama que ficavam lotados em uma casa-sede da instituição,
localizada a um quilômetro da Rebio, foram transferidos no início deste ano da região,
devido às constantes ameaças de morte recebidas. – Essa casa foi invadida a tiros pelos
pistoleiros. A sorte é que ninguém estava lá no momento da invasão-.
Conservação ameaçada
A situação da Rebio do Gurupi é bastante crítica sob o ponto de vista da conservação. –
Segundo as minhas estimativas, resultantes do levantamento feito na região, cerca de
70 a 80% da área já foram alterados pela extração da madeira-, explica o pesquisador
Tadeu Gomes de Oliveira, da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e da ONG
Associação Pró-Carnívoros, que é também responsável pelo relatório Estado de
Conservação da Reserva Biológica do Gurupi: alerta vermelho à conservação da última
fronteira amazônica do Maranhão .
Extração ilegal de madeira, criação de gado, plantações de milho e arroz são algumas
das atividades que, ao longo dos anos, causaram a devastação de pelo menos 60 mil
hectares da Reserva, onde se encontram duas espécies de primatas endêmicos e em perigo
de extinção, o cairara-kaapor ( Cebus kaapori ) e o cuxiú-preto ( Chiropotes
satanas ).
– A maior parte das áreas da Rebio são invadidas por posseiros, têm seus recursos
[madeireiros e outros] explorados, são caçadas, pastoreadas e, em maior ou menor
escala, queimadas. Isto sem contar que nenhuma está, até o momento, sendo devidamente
manejada ou fiscalizada. Caso este cenário não seja invertido, a biodiversidade local
estará seriamente ameaçada-, alerta o relatório elaborado pelo pesquisador em abril de 2
004.
Segundo relatos dos próprios madeireiros a agentes do Ibama, a Rebio poderá ser
explorada por apenas mais dois ou três anos. A avaliação é que, após esse período, não
existirá mais nada na área além da total degradação da mata. O clima de tensão, porém,
tem dificultado as ações em prol da conservação da unidade. Desde outubro do ano
passado, os trabalhos de pesquisa na área estão paralisados. – A Polícia Federal
aconselhou que a nossa equipe não entrasse mais na área porque é um risco muito grande.
Todos que entram lá correm risco de vida-, comenta Tadeu.
Ilegalidade
Áreas bastante restritas em relação à presença humana, de acordo com o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (Snuc), as reservas biológicas visam à manutenção dos
recursos genéticos de determinada região. Permitem apenas a realização de estudos
científicos, monitoramento e educação ambiental. Contrariando a legislação brasileira,
o Instituto de Terras do Maranhão (Iterma) fez, nos últimos dez anos, assentamentos na
área da Reserva. Propriedades privadas também estão localizadas dentro da unidade -
desde antes do decreto de criação da Rebio - e há anos arrastam-se no Ministério
Público processos de desapropriação dessas terras, que deveriam resultar na indenização
dos moradores. Até hoje, nenhum desses processos foi concluído.
A presença de madeireiros, pequenos agricultores e fazendeiros na área, bem como as
deficiências nas ações de fiscalização e vigilância, facilitam a contínua abertura de
estradas, a comercialização e o escoamento ilegal da madeira retirada da Reserva.
A maior parte da madeira extraída ilegalmente segue para a comercialização nos
municípios de Buriticupu (MA), Paragominas (PA), Açailândia (MA), Itinga (MA) e Dom
Eliseu (PA). O que não é aproveitado pela indústria madeireira é transformado em
carvão vegetal, tendo como possível destinatário as indústrias de ferro-gusa da região
central do estado do Maranhão.
– É preciso que uma operação em larga escala seja feita na área urgentemente. E a ação
deverá envolver diversas instituições, na tentativa de se conter uma situação tão
crítica e fora de controle-, afirma Tadeu Gomes.
Para Marluze Sãntos, o grande entrave às ações do Ibama na área é a morosidade dos
processos de regularização fundiária, que correm no Ministério Público. Segundo a
gerente, a fiscalização na área é feita a cada 40 dias, quando uma operação que agrega
cerca de 20 agentes (Ibama e Polícia Militar Ambiental do Maranhão ou Polícia Federal)
inspeciona a Unidade de Conservação. Porém, a questão da criminalidade precisa ser
resolvida urgentemente. – O Plano para a Rebio é acabar com o crime. A partir daí,
deve-se pensar, junto com as populações, em campanhas tanto para a proteção de espécies
de animais, como de reflorestamento-, afirma a gerente, que explica também a
importância de se promover eventos, discussões e estudos voltados à recuperação das
áreas degradadas. – Nesse sentido, a colaboração dos cientistas, estudiosos e
pesquisadores é de extrema e vital importância-, completa.
Rebio do Gurupi
Criada em 1988, com 272.379 hectares, a Reserva Biológica do Gurupi é a única unidade
de conservação desta categoria em área amazônica a leste do Rio Xingu, tendo
fundamental importância na conservação ambiental do estado do Maranhão, por estar
entre os domínios da Amazônia, Cerrado e Caatinga. Localiza-se na divisa dos municípios
de Centro Novo do Maranhão e Bom Jardim (MA) e abriga várias espécies de animais
endêmicos – encontrados apenas na região - e ameaçados de extinção.
Além do cairara-kaapor ( Cebus kaapori ) e o cuxiú-preto ( Chiropotes
satanas ), a região da Rebio e reservas indígenas adjacentes abriga animais como a
ararajuba ( Guarouba guarouba ), a onça-pintada ( Panthera onca ), o
gato maracajá-peludo ( Leopardus wiedii ), o cachorro-do-mato (Speothos
venaticus ). Encontram-se nessas áreas também os últimos exemplares de ariranhas
( Pteronura brasiliensis ) existentes no Maranhão.
Em relação à flora, observa-se uma grande diversidade de espécies vegetais, dentre as
quais destacam-se a copaíba, a maçaranduba, o jatobá, o ipê e o estopeiro. (Ecoagência,
11/11)