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2005-11-11
Este ano foi o marco das mudanças climáticas, com furacões, secas e enchentes de grande intensidade, que deixaram de ser meras previsões científicas para ocuparem as páginas dos jornais, em uma clara indicação de que o planeta está bem vivo e o homem fragilizado diante de tamanho impacto. Entre os especialistas, não resta mais dúvidas de que o clima está se modificando, mas os meios de amenizar ou controlar futuras pioras nas condições de vida humana ainda são incertos. O Protocolo de Quioto, em vigor desde fevereiro último, ainda é uma tímida atitude, embora tenha sido o primeiro passo para discutir o problema globalmente.

Quando teriam começado as mudanças climáticas causadas por atividade humana? Muitos atribuem o início após a invenção da máquina a vapor, no século XVIII. Mas William Ruddiman, geólogo marinho da Universidade de Virgínia (EUA), defende que a contribuição humana é bastante anterior, há cerca de 11 mil anos, quando houve um aumento nas concentrações de gás carbônico, enquanto a tendência natural seria uma diminuição até o começo da era industrial. Sua hipótese, um tanto polêmica, baseia-se em amostras de ar aprisionadas em uma amostra de gelo de dois quilômetros de comprimento extraída, nos anos 1990, da estação Vostok, na Antártida.

Em artigo publicado na revista Scientific American do Brasil (n. 35, abril de 2005), o cientista explica que o início das atividades agrícolas coincide com o período de mudanças na quantidade daqueles gases na atmosfera. O aumento verificado de metano, por exemplo, resultaria da fermentação de plantações de arroz em áreas alagadas na Ásia, há cinco mil anos. A prática do desmatamento, para abrir novas frentes de áreas cultiváveis e para habitação da crescente população, também teria lançado dióxido de carbono (CO2, ou gás carbônico) em excesso, há cerca de dois a três mil anos. Como resultado, Ruddiman prevê, por meio de simulações, que o planeta deveria ser 2ºC mais frio.

— As temperaturas atuais estariam no caminho das glaciais típicas se não fossem as contribuições de gases-estufa da agricultura primitiva e da posterior industrialização - conclui.

Caso a hipótese do geólogo esteja correta, ficaria provado que mesmo a atividade humana em menores proporções teria contribuído para alterar a composição atmosférica, em um primeiro momento, tornando-se mais intensa, como se acredita, a partir da era industrial. Do carvão passa-se ao motor movido a combustíveis fósseis; a agricultura e pecuária aprimoram-se ocupando largas extensões de terra e as cidades explodem substituindo vegetação e leitos de rios por asfalto e concreto. O resultado foi que mudanças antes percebidas localmente - como a Londres industrializada cujo céu vivia encoberto de cinzas das fábricas que nele lançavam partículas de carvão - passaram a ser percebidas globalmente, em um processo crescente do qual ainda não existem previsões das conseqüências futuras.

Estudos ecológicos já dão pistas de que as populações de animais já estão migrando em busca de áreas com temperaturas mais amenas.

— Muitos dados de estudos independentes sobre uma grande variedade de organismos (de borboletas a aves e mamíferos) tem-se acumulado e documentado migrações de espécies tropicais em direção Norte, para os EUA - afirma James Patton, curador do Museu de Zoologia de Vertebrados da Universidade da Califórnia, em Berkeley nos EUA. Ele e sua equipe estão revendo uma base de dados centenária sobre as populações de mamíferos do Parque Nacional Yosemite, o mais antigo do país.

— A maioria, mas não todas, as espécies de pequenos mamíferos têm apresentado mudanças na altitude e amplitude de seu habitat neste último século ao longo de nosso transecto [faixas territoriais amostradas] - explica Patton. Os especialistas identificaram uma expansão em 500 metros no habitat de espécies de altas altitudes, não influenciada por queimadas, e, portanto, sinalizando influências significativas associadas à mudança do clima. Os numerosos registros sobre o Parque, no último século, indicam um aumento médio de 4º C durante o inverno e de 6º C no verão.

Outra comprovação dos efeitos da elevação da temperatura é o aumento no nível dos oceanos. Observações por satélite feitas pelo Office of Climate Observation (OCO), nos EUA, desde 1993 até o ano passado, mostram um aumento estável em 2.8 (+/-0.4) milímetros ao ano (mm/ano), bem acima dos 1.8 (+/-0.3) mm/ano observados nos últimos 50 a 100 anos por meio de tábuas de marés. As conclusões, publicadas no recente relatório Estado dos Oceanos, levam a crer que ainda não se sabe se os dados ilustram um ciclo histórico ou apenas uma manifestação específica da década, mas estariam ligadas à expansão da água, pelo aumento do calor, e degelo da Groenlândia e Antártica e, em menor proporção, de glaciais montanhosos.

A previsão, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) é que até o final deste século a temperatura do planeta deverá aumentar, em média, 2,6º C e o nível dos oceanos se elevará entre 15cm e 1m, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam reduzidas.

Para tentar brecar alterações ainda mais violentas causadas, sobretudo, pelo chamado efeito estufa - acúmulo de gases como o dióxido de carbono (CO2) e metano na atmosfera, que impedem o calor de sair - discute-se e planeja-se medidas baseadas, mais uma vez, no problema já posto e não de forma a preveni-lo.

Medidas Apenas recentemente, em 1988, estabeleceu-se o IPCC como forma de reiterar que existe um ciclo sociedade-natureza, cada um influenciando o outro de maneira complexa e até perigosa. O IPCC publica freqüentemente relatórios que monitoram as condições de oceanos, temperatura, degelo, clima etc. Mas a atenção pública veio apenas a partir de 1992, com a Eco-92, que delineou, pela primeira vez, metas de redução de gases de efeito estufa.

O Protocolo de Quioto, estabelecido em 1997, modificou e viabilizou aquelas estratégias, que apenas neste ano entrariam em vigor. Embora bastante criticado por não ser uma ferramenta suficiente para reverter o quadro de aquecimento global, o acordo é uma primeira tentativa internacional de se agir globalmente.

Desde então, criou-se o chamado mercado de carbono, onde países, como o Brasil, passaram a negociar na Bolsa de Valores créditos de carbono para países poluentes (veja notícia sobre o assunto). Em troca o comprador negocia o bônus pela absorção de carbono, por exemplo, pela plantação de florestas, que retiram (ou capturam) carbono da atmosfera (em excesso) e o transformam em matéria orgânica. O mercado virtual de carbono ainda não entrou na rotina das negociações internacionais, mas já é uma alternativa para o controle desse poluente - enquanto uns poluem, outros certificam que o poluente é transformado de forma benéfica pela natureza.

A geo engenharia é outra técnica que tem sido empregada pelos Estados Unidos e países europeus para retirar gás carbônico do ar. Ainda em desenvolvimento, esse processo consiste em injetar no solo grandes quantidades de gás carbônico em alta pressão como meio de extrair petróleo retido em grandes profundidades, explica Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Novamente, funciona a gangorra: remove-se o poluente da atmosfera para facilitar a extração do petróleo, que queimado, libera nova carga de dióxido de carbono.

No final do mês ocorrerá a Conferência das Partes da Convenção do Clima, no Canadá, em que se discutirá novas metas para o controle do aquecimento global a partir de 2012 quando se encerra a primeira fase de Quioto, entre elas a continuidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Este mecanismo estabelece medidas compensatórias de emissões de gás carbônico na atmosfera como os créditos de carbono. A expectativa é que os países que estão desobrigados de cumprir as metas de redução de emissões de carbono com vistas aos índices de 1990, como Brasil, China e Índia, apresentem metas voluntárias de autocontrole.

O Brasil, com os altos índices de desmatamento da Amazônia (26 mil km² entre 2003 e 2004) e outros biomas, garantiu o triste título de quinto maior emissor de CO2 na atmosfera, o que requer medidas imediatas de controle de focos de incêndio, que, a cada ano, se multiplicam. Por outro lado, o país, é o segundo no mundo em quantidade de projetos (84) de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que totalizaram uma redução de emissão de 132 milhões de toneladas de gás carbônico e possui enormes áreas degradadas que poderia reflorestar e, com isso, lucrar com toneladas de carbono retirados na atmosfera para alimentar o crescimento das árvores.

A estimativa é que uma tonelada de carbono retirada da atmosfera valha US$10, ou seja, a chance de garantir bons lucros e a recuperação do meio ambiente.

As políticas de estratégias para minimizar os impactos da atividade humana na qualidade de vida do planeta também devem chegar até o plano micro, ou seja, o indivíduo, que raramente se julga parte envolvida nos processos de mudança, ainda mais globais. Um exemplo da ausência dessa preocupação está, ironicamente, nos Estados Unidos, onde inúmeros governadores se mobilizam para estabelecer metas de redução de emissão de gases do efeito estufa, mesmo diante da recusa do presidente George Bush em ratificar o Protocolo de Quioto. A febre consumista no país revela a preferência por caminhonetes (movidas a diesel), carros esportes (que consomem mais gasolina) e espaçosos (como os famosos Cadillacs), em detrimento da adesão a carros econômicos (motor 1.0) ou bicombustíveis, como no caso brasileiro. (ComCiência, 11/11)

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