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2005-11-09
Há poucos dias, no auditório do Ministério da Cultura, em Brasília, onde ocorreu o relançamento do livro Sinfonia Inacabada - A Vida de José Lutzenberger, da jornalista gaúcha Lílian Dreyer, todas as pessoas que se manifestaram a respeito do falecido ex-secretário Nacional do Meio Ambiente (governo Collor) foram unânimes em apontá-lo como um homem muito à frente do seu tempo.

É verdade. Quem ler hoje o livro Fim do Futuro, de 1976, vai ver que há 30 anos Lutzenberger já tratava com conhecimento e segurança de todos os temas que hoje formam a pauta da vanguarda do pensamento, mas que naquela época pouco ou nada estavam em discussão: o drama das matrizes energéticas poluidoras e geradoras de mudanças climáticas; a insustentabilidade dos padrões globais de produção e consumo; os problemas da agropecuária com a contabilidade energética e hídrica, além da poluição química.

— Encontramo-nos num divisor de eras - dizia ele já naquele tempo, enfatizando a noção de biosfera terrestre e a inter-relação de tudo o que há no planeta, a maravilhosa sinfonia da evolução orgânica. E conclamava os ambientalistas a não se importarem de ser acusados de radicais, de líricos, quando não de apocalípticos:

— Apenas somos realistas. A realidade é grave.

A documentada biografia, além de relatar a formação desse personagem ilustre, mostra com que coragem abandonou uma brilhante carreira numa das maiores empresas de agroquímicos do mundo para ser coerente com seu pensamento. Narra sua trajetória pelo movimento ambientalista gaúcho, sua chegada ao mais alto posto de governo nessa área. Ali , entre muitas outras coisas, acabou com os incentivos fiscais na Amazônia para a produção de carvão destinado a gusarias exportadoras. E, ao lado do então ministro da Justiça Jarbas Passarinho, promoveu a desocupação da área ianomâmi, redemarcada e retalhada pelo ex- presidente da Funai Romero Jucá, que permitira a invasão por dezenas de milhares de garimpeiros.

Uma das maiores conquistas de Lutzenberger, entretanto - a criação de um grupo interministerial encarregado de propor critérios de contabilidade ambiental para avaliação de todos os projetos públicos e dos privados sujeitos a licenciamento - foi abandonada tão logo ele deixou o governo, nos primeiros meses de 1992. E precisaria ser retomada com urgência. Porque seria um instrumento poderoso para transversalizar a chamada questão ambiental, na expressão da ministra do Meio Ambiente. Levá-la para o centro e o início de todas as políticas públicas e dos empreendimentos privados.

Ainda há poucas semanas, na Cúpula do Milênio, o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Klaus Toepfer, lembrou que o meio ambiente não é um objeto de luxo, uma bolsa de Gucci ou uma gravata de seda só utilizadas quando outros assuntos houverem sido resolvidos. Ao contrário, é preciso dar-lhe prioridade, como chave para o desenvolvimento humano, que coloque o capital natural em pé de igualdade com o capital humano e o capital financeiro. Se não for assim, não terão êxito os esforços para derrotar a pobreza e implantar o desenvolvimento sustentável.

Toepfer chegou a dar exemplos de como uma boa contabilidade ambiental muda para melhor os rumos. Um deles é o de Nova York, que, precisando reforçar o suprimento de água para 9 milhões de pessoas, optou, depois de uma avaliação contábil, por investir US$1 bilhão na recuperação de rios, no replantio de matas ciliares, na readequação de projetos agrícolas, no tratamento de lixo. Com isso economizou US$ 5 bilhões em equipamentos despoluidores.

Outro exemplo por ele citado é o dos mangues, o berço da vida nos oceanos, que atuam como filtros naturais e ajudam também a preservar as costas. Nessa função, têm seu valor calculado em US$ 1 mil por hectare; mas estão desaparecendo, usados como fazendas de criação de camarões, onde valem US$ 200 por hectare. Um terceiro exemplo citado é o da floresta amazônica. Segundo estudos da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, os serviços que ela presta na regularização do regime hidrológico e na absorção de dióxido de carbono valem três vezes mais que a madeira extraída ou o carvão produzido. Um exemplo africano é ainda mais contundente: o produto bruto da África poderia ter sido 25% ou US$ 100 bilhões maior no ano 2000 se a malária houvesse sido erradicada ali há 35 anos.

Por essas e outras, a União Internacional para Conservação da Natureza está pedindo ao Banco Mundial que inclua a riqueza natural e o capital humano nas contas do produto bruto de cada país. E a ONU, até 2010, vai calcular o valor do capital natural no mundo (um estudo de Robert Constanza e outros economistas da Universidade da Califórnia, há alguns anos, estimou que os recursos e serviços naturais podem valer até três vezes mais que o produto bruto anual do mundo).

O Senado brasileiro já aprovou projeto de lei do senador Waldeck Ornelas que concede incentivos fiscais para projetos ambientais. Depende agora da Câmara dos Deputados. Sua aprovação ali, assim como a reconstituição do grupo para propor critérios de contabilidade ambiental poderiam ser boas homenagens a Lutzenberger. E o lançamento do Índice de Sustentação Empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo parece sinalizar na direção correta.

Como diz o presidente da Cruz Verde Internacional, o ex-primeiro-ministro Mikhail Gorbachev, precisamos de uma glasnost global; somos hóspedes, e não senhores da natureza.

Lutzenberger concordaria. (O Estado de São Paulo, por Washington Novaes, 04/11)

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