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2005-11-08
Ao contrário do que afirmou recentemente o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, o coordenador geral do projeto de transposição do Rio São Francisco, Pedro Brito, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo que as obras só irão começar depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva der o sinal verde. O titular da pasta, ao qual Brito é subordinado, havia dito que a transposição começaria assim que fossem superadas as pendências jurídicas, demonstrando não dar importância às questões políticas, sociais e ambientais que cercam o projeto. O Palácio do Planalto, no entanto, mantém o objetivo de interfererir no curso natural das águas do Velho Chico, contrariando o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco e instituições internacionais, científicas e acadêmicas, além de especialistas e os governos dos estados cortados pelo rio.

O coordenador geral do projeto, ao contrário do ministro Ciro Gomes, acredita que a discussão sobre a transposição termina este ano. Ou seja, o acordo feito pelo presidente Lula com o bispo do município baiano de Barra, dom Luiz Flávio Cappio, termina nos primeiros dias do ano eleitoral de 2006. O Planalto definiu que os debates sobre eventuais mudanças no projeto serão encerrados ainda este ano. A idéia é estender no máximo até dezembro as conversas com a Igreja Católica, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O presidente da CNBB, dom Geraldo Majella Agnello, arcebispo primaz do Brasil e da Bahia, já disse ser contrário à transposição e a favor da revitalização.

Atualmente, os aspectos jurídicos e políticos impedem o início das obras. Do lado jurídico, o governo federal avalia que num prazo de duas semanas conseguirá superar dois entraves - derrubar uma liminar na Justiça Federal da Bahia e garantir a licença ambiental definitiva junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). O lado político, entretanto, é o mais complicado. No início de outubro, por conta da greve de fome do bispo de Barra, o governo foi obrigado a anunciar o adiamento do início das obras e a retomada, por tempo indeterminado, das discussões em torno do projeto.

Entre o final de setembro e início de outubro, numa crítica ao atual projeto, dom Luiz Flávio Cappio ficou 11 dias de jejum no município pernambucano de Cabrobró, às margens do Velho Chico. O religioso, assim como diferentes movimentos sociais e a própria CNBB, defende a priorização da revitalização do rio e o uso dos R$4,5 bilhões que seriam gastos no projeto em obras de convivência com a seca no semi-árido em todo o Nordeste. O atual projeto prevê o atendimento de quatro estados da região: Ceará (do ministro Ciro Gomes), Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba.

O jejum do bispo de Barra chamou a atenção de todo o país e da imprensa internacional. Publicamente, Lula buscou um tom de conciliação com o religioso, sugerindo, inclusive um encontro entre eles em Brasília. Nos bastidores, porém, o presidente, segundo a Folha de S. Paulo, atacou ferozmente o religioso. O Planalto avalia que o prazo entre outubro e o final de dezembro é suficiente para concluir as negociações.

Um eventual consenso sobre a viabilidade do projeto está em segundo plano diante de tal prazo. O ministro Ciro Gomes, por exemplo, duvida que o projeto seja modificado em razão dos debates. Nesse momento, a preocupação do Planalto é não transmitir publicamente a idéia de que está com pressa, o que poderia acirrar os ânimos entre o governo e a CNBB. Oficialmente, o Planalto quer deixar pelo menos uma impressão de transparência na retomada das conversas. E, com esse enfoque, agendou um seminário sobre o tema na semana que vem, na CNBB, aproveitando a reunião do conselho da entidade que atrai bispos de todo o Brasil.

Ainda em novembro, o presidente Lula deve receber uma comissão encabeçada por dom Cappio. O bispo irá a Brasília para um seminário sobre a transposição, ainda sem data definida, e aproveitará para ouvir do presidente os argumentos do governo.

Pedido de outorga mostra inviabilidade da obra
A inviabilidade do projeto de transposição das águas do São Francisco para as bacias do Nordeste Setentrional está explícita no pedido de outorga das águas do Rio, feito pelo Ministério da Integração Nacional à Agência Nacional de Águas (ANA). A afirmação foi feita pelo coordenador regional do Baixo São Francisco no Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Luiz Carlos Fontes.

— Quando o governo federal teve que pedir a outorga, revelou o real projeto. Sugiro uma análise profunda destes documentos. O documento do Ministério da Integração é um engodo, só foi apresentado porque a ANA estava disposta a aprovar qualquer proposta - afirmou.

Fontes destacou pontos contraditórios do projeto apresentado pelo Ministério do Meio Ambiente à ANA. O primeiro deles, diz respeito ao acordo a ser estabelecido entre estados e governo federal para a garantia de sustentabilidade do projeto. Só assinam o acordo de sustentabilidade os estados receptores da água do São Francisco.

— Como é que um acordo é estabelecido apenas entre os beneficiários do projeto? - questionou o coordenador, acrescentando que os estados doadores foram excluídos do acordo.

Estados doadores também foram excluídos da constituição do comitê gestor do projeto de transposição. No conselho gestor está prevista a participação de representantes dos Ministérios da Integração, Meio Ambiente e Minas e Energia, além dos estados receptores. Além disso, segundo Luiz Carlos Fontes, os estados receptores só dão a garantia de cobrir os custos de funcionamento do sistema se for aprovado, pelas Assembléias Legislativas, a inclusão do valor do transporte das águas do São Francisco nas contas de água dos consumidores.

Fontes destacou que, pela proposta de outorga, são os consumidores dos estados receptores que vão pagar o custo da transposição das águas, independentemente de serem beneficiadas ou não.

— Os estados se comprometem a arcar com os custos de operação e manutenção e, no artigo seguinte, apenas a enviar projeto de lei ou decreto às Assembléias Legislativas, sem nenhuma garantia de que isso seja aprovado - afirmou.

Fontes alertou que, se uma Assembléia se negar a obrigar a população a pagar pela água do São Francisco, o projeto fica inviabilizado e o prejuízo só poderá ser custeado com o dinheiro da União.

— Ou seja, por todos nós. É um absurdo garantir a sustentabilidade através da proposta de um projeto de lei que sequer foi votado e aprovado.

O preço da água a ser transportada também foi contestado pelo coordenador regional do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco.

— O governo costuma propagar que a água custará barato para os consumidores, o que é uma grande mentira, já que o seu custo será dividido por um número muito maior de pessoas - afirmou. Para os consumidores finais da água do São Francisco, além da taxa de transporte, serão cobradas as despesas de tratamento e esgoto.

Fontes destacou ainda que, em algumas regiões, pessoas que moram às margens do São Francisco pagarão pelo transporte das águas sem serem beneficiadas pela transposição.

— Será que as pessoas estão sabendo disso? - questionou. Segundo o coordenador, o governo não consultou a população sobre o pagamento da água. — Em muitos lugares as pessoas não sabem que vão pagar por uma água que não vão usar.

O argumento de utilização da água apenas para consumo humano e animal também é derrubado pelo pedido de outorga de uso da água. Segundo a resolução da ANA, enquanto a demanda na região receptora for menor que a quantidade de água a ser enviada, é liberada a utilização da água para usos múltiplos.(Correio da Bahia, 07/11)

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