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2005-11-08
A novela sobre o acesso à biodiversidade nacional para pesquisa enfim ganhou uma perspectiva de desenlace. O Ministério do Meio Ambiente quer enviar ao Congresso até o fim do ano um projeto de lei que regulamenta o acesso aos recursos genéticos brasileiros, taxando os produtos comerciais derivados da fauna e flora e desobrigando empresas e cientistas de repartir os benefícios durante a fase de bioprospecção (pesquisa).

A versão final do anteprojeto, que deverá ser encaminhado à Casa Civil nesta semana, foi apresentada na última sexta-feira pelo secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, e pelo secretário-executivo do Cgen (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), Eduardo Vélez, numa reunião na sede do ISA (Instituto Socioambiental), em São Paulo.

Com a proposta, o ministério espera facilitar o acesso à biodiversidade brasileira, virtualmente travado pela Medida Provisória 2.186, de 2001. A MP, que a ministra Marina Silva espera ver substituída, complica a bioprospecção a ponto de impedir que cientistas brasileiros façam pesquisa com a fauna e a flora nativas.

— A idéia é desonerar a pesquisa - disse Capobianco. — A MP transformou todo cientista em um biopirata potencial.

Pela regra proposta, quem quiser fazer bioprospecção será desobrigado de contrato, a menos que o faça em terra indígena -hoje os contratos existem até para quem quiser pesquisar em área privada.

A repartição de benefícios, mecanismo pelo qual se compensam as regiões de origem da biodiversidade ou os detentores de conhecimento tradicional eventualmente transformado em remédio ou cosmético, só será feita após o desenvolvimento de um produto (a grande maioria das pesquisas com biomoléculas retiradas de plantas e animais nativos não traz nenhum resultado comercial).

Hoje, até atividade de coleta é obrigada a repartir benefícios, o que tem repelido empresas farmacêuticas e de cosméticos interessadas em pesquisar -pelo menos legalmente- no Brasil.

Quem quiser fazer prospecção, pela lei, só precisará se cadastrar no Cgen para obter autorização e informar o órgão quando houver patente ou licenciamento de um produto derivado dessa pesquisa, então repartir o benefício. Ao fim de cada ano, declara-se quanto foi repartido, com base em uma taxa predeterminada -segundo o projeto, de 1% a 1,5% da renda do produto.

— Seria como um imposto de renda da biodiversidade - comparou Capobianco.

Outra novidade é que detentores de áreas privadas perdem o direito à repartição de benefícios. Para requerer o direito, os proprietários de terra terão de criar reservas particulares do patrimônio natural, comprometendo-se a preservar essas áreas.

O anteprojeto também cria um cadastro de beneficiários e um fundo para onde o IR da biodiversidade será destinado. A idéia é que esse fundo não seja gerido pelo governo, para evitar contingenciamento de verba.

Conflito indígena
Presente à reunião, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago, disse temer que a nova lei possa estimular conflitos entre povos indígenas, já que o projeto não é claro sobre como conduzir os contratos com os índios.

— Vamos induzir barreiras entre comunidades, que ficarão muito ciosas do seu conhecimento - disse. Vélez admitiu que mudanças de opinião entre os índios podem ser um problema.

O anteprojeto é um reconhecimento do governo à inoperância do Cgen, que com a legislação atual, só autorizou, em três anos de existência, três contratos de bioprospecção. Também atende a uma agenda internacional: o Brasil sediará, em março de 2006, em Curitiba, a COP-8 (Oitava Conferência das Partes) da Convenção da Biodiversidade, criada pelas Nações Unidas em 1992. A ministra quer evitar o constrangimento de o país-sede não ter nada para mostrar em relação ao acesso à biodiversidade até o encontro. (Folha de S.Paulo, 07/11)

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