Entrevista com Wangari Maathai: Cientista e ativista
2005-11-08
Por Roberto Villar Belmonte*
A professora Wangari Muta Maathai nasceu em 1940 na
cidade de Nveri, no Quênia, e foi a primeira mulher a
obter um título de Doutora no Leste e no Centro da
África. Em 1964 ela graduou-se em Ciências Biológicas
no Mount St. Scholastica College em Atchison, no
Kansas (EUA). Dois anos depois concluiu o mestrado na
Universidade de Pittsburgh. Depois de realizar o
doutorado na Alemanha, Wangari obteve Ph.D na
Universidade de Nairobi onde lecionou anatomia animal.
De 1976 a 1987, Wangari participou ativamente do
Conselho Nacional da Mulher do Quênia onde começou a
mobilizar grupos de mulheres em torno da campanha para
o plantio de árvores. Mais de 30 milhões de árvores já
foram plantadas através do Movimento Cinturão Verde
(www.greenbeltmovement.org). Em 1998, ela passou a
defender o cancelamento da dívida externa dos países
pobres da África. Atualmente, a Prêmio Nobel da Paz
2004 trabalha no Ministério do Meio Ambiente do
Quênia.
Corremos um risco enorme
A Prêmio Nobel da Paz de 2004, Wangari Maathai,
concedeu uma entrevista coletiva no dia 14 de outubro
para jornalistas ambientais de 32 países reunidos em
Monte Porzio Catone, a 40 quilômetros de Roma. A
seguir trechos da conversa com os repórteres presentes
no III Fórum Internacional de Mídia Meio ambiente,
caminho de paz promovido pela Associação Cultural
Greenaccord.
Pergunta: O consumo excessivo dos recursos naturais é
um estilo de vida imposto pela nossa cultura ocidental
e reforçado pelos meios de comunicação. É possível
mudar esta tendência de hiper-consumo?
Wangari: Eu creio que precisamos elevar o nível da
nossa consciência moral, voltar a ter uma perspectiva
ética em relação aos recursos naturais e às outras
criaturas. O problema é que ainda achamos que os
nossos recursos durarão para sempre. Sem elevar o
nosso nível de consciência ética, não poderemos
entender que esse nível de vida tão elevado para
poucos em detrimento de muitos não pode seguir
adiante. No meu país, o Quênia, pelo menos 10% das
pessoas vivem desperdiçando recursos porque querem
imitar o nível de vida do mundo rico. Os recursos não
são suficientes. Os países ricos exploram os recursos
naturais dos pobres, e os poucos ricos dos países
pobres fazem o mesmo. A nossa forma de lutar contra a
pobreza é lutar contra esta forma de hiper-consumo não
apenas no mundo industrializado, mas também nos países
em desenvolvimento onde lamentavelmente estamos
copiando o mundo rico em detrimento do nosso povo. Se
seguirmos por este caminho, corremos um risco enorme.
Pergunta: Como garantir dignidade aos refugiados
ecológicos que cada vez mais migram dos países
devastados do Terceiro Mundo para a Europa e Estados
Unidos?
Wangari: É muito difícil para um ser humano sentar e
ficar sofrendo até a morte. Quando ele percebe que
pode procurar uma vida melhor em outro país, ele
migra. É preciso solidariedade e compaixão com estas
pessoas que buscam um lugar melhor para viver. Mas é
preciso também garantir condições para que estas
pessoas possam viver nos seus próprios países com
dignidade. É por isso que eu defendo o cancelamento da
dívida externa para permitir investimentos locais que
possam melhorar a economia dos países pobres dando
mais condições de trabalho às populações.
Pergunta: Como evitar a atual destruição florestal na
África?
Wangari: Recentemente eu fui chamada a ajudar na luta
contra a destruição da floresta do Congo, a segunda
maior do planeta depois da Amazônia. A questão é que
não temos recursos suficientes para impedir a
devastação. Tem muita pobreza no meu continente, mas a
África não é pobre, tem muitas riquezas no solo e nas
selvas. Os países desenvolvidos exploram os nossos
recursos sem qualquer escrúpulo. A exploração
madeireira no Congo está destruindo a biodiversidade.
A culpa é também dos nossos líderes africanos. Eles
permitem que isto aconteça porque querem copiar o
mundo desenvolvido. A imprensa não deveria falar só
dos aspectos negativos do continente africano, mas nos
ajudar a mobilizar a população e os nossos líderes.
Pergunta: Diante de tantos problemas ambientais, a
senhora mantém o otimismo?
Wangari: Eu sempre sou otimista. Eu acordo pela manhã
e sinto que tenho muitas razões para viver. Vivemos em
um planeta que é único. O maior problema que temos é a
ignorância. Tem muita gente que não sabe nada das
mudanças climáticas. Este fenômeno é geralmente
apresentado com dados complicados. Muitos chefes de
estado não se convencem que tem que intervir. Nós não
podemos deixar de insistir para que os nossos
dirigentes tomem decisões. Temos que estar convencidos
que podemos fazer algo. Depois que as costas forem
invadidas pelo mar e os campos inundados pelos rios,
não haverá mais o que fazer. É fundamental que todos
juntos insistam com os nossos líderes para que tomem
consciência do risco e da gravidade da situação e
pensem não apenas nas vantagens de curto prazo, mas em
políticas de longo prazo.
*Roberto Villar Belmonte participou do III Fórum
Internacional de Mídia Proteção da natureza, um
caminho de paz à convite da Associação Cultural Greenaccord.