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2005-11-07
Posso comer maionese caseira ou gema de ovo cru com tranqüilidade, ou é melhor me abster? É inevitável e iminente uma epidemia humana depois da mutação do vírus da gripe aviária? Viveremos uma catástrofe com dezenas de milhões de mortos, como nossos antepassados com a gripe espanhola em 1918, ou estamos mais bem preparados e vamos deter o golpe?

Meio mundo pode estar se fazendo essas perguntas.

A causa está nas indicações e afirmações contraditórias que governos, autoridades sanitárias e organizações internacionais formularam nas últimas semanas em torno da possibilidade de que a gripe aviária do tipo H5N1, que em dois anos matou mais de 60 pessoas na Ásia, se transforme em um novo e perigoso vírus transmissível entre seres humanos. As contradições se estendem aos principais aspectos da questão.

Em 29 de setembro, o novo responsável da ONU pelo combate à gripe aviária, o doutor David Nabarro, disse: –Esperamos que a próxima epidemia de gripe apareça em qualquer momento e é provável que seja provocada por um vírus mutante que atualmente causa a gripe aviária na Ásia–. Naquela ocasião, a Organização Mundial de Saúde (OMS) insistiu que uma epidemia desse tipo era inevitável.

Embora a tese de que a epidemia humana seja inevitável continue dominando hoje, as mensagens se tornaram mais cautelosas na medida em que o surgimento de novos casos de gripe aviária animal aumentava o alarme provocado pelas próprias autoridades. Em 18 de outubro, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças afirmou que –o risco de infecção para a maioria dos europeus é próximo de zero–. O órgão acrescentou que o H5N1 representa hoje –um risco muito baixo para a saúde humana, já que os casos registrados na Ásia ocorreram quase todos entre pessoas que tiveram estreito contato com aves de quintal infectadas–.

O mesmo órgão disse que –embora uma epidemia de gripe humana seja provavelmente inevitável, pode não ocorrer durante anos e pode não ser causada pela gripe aviária H5N1. Há muitos outros vírus candidatos, como por exemplo a gripe do cavalo e do cachorro, que circulam habitualmente pela América do Norte–.

Na Espanha, a ministra da Agricultura, Elena Espinosa, foi mais longe ao indicar dois dias depois que a possibilidade de epidemia humana pelo vírus da gripe aviária pertencia à –ficção científica–. No mesmo dia, 20 de outubro, sua colega da Saúde, Elena Salgado, complementou dizendo que –não existe sinal concreto de que essa epidemia ocorrerá de forma iminente–.

Um capítulo à parte merecem as previsões sobre vítimas mortais da suposta epidemia. O já mencionado David Nabarro coroou sua estréia como coordenador da ONU para a gripe aviária com a previsão de que a doença causaria entre 5 milhões e 150 milhões de mortes entre seres humanos, e poderia portanto ser mais desastrosa que a gripe espanhola de 1918 (30 milhões).

A OMS demorou um dia para contradizer e desautorizar Nabarro: em 29 de setembro o porta-voz da organização para temas relacionados à gripe, Dick Thompson, afirmou: –Obviamente ocorreu uma confusão, e deve ser esclarecida. Não creio que voltem ao escutar nunca mais o doutor Nabarro fazendo uma afirmação desse tipo–.

Thompson acrescentou que era mais cabal a previsão do Centro de Controle de Doenças dos EUA de que o número de mortos poderia oscilar entre 2 milhões e 7,4 milhões.

Em 13 de outubro, o comissário europeu de Saúde, Markos Kyprianou, recomendou aos países-membros fazer estoque de antivirais, assim como vacinar a população de risco contra a gripe comum. Então, a corrida para a compra de doses do antiviral Tamiflu, do laboratório Roche, não só havia começado como estava adiantada, com o Reino Unido liderando dentro da UE. A Espanha se manteve praticamente à margem.

No dia seguinte às manifestações de Kyprianou, a ministra Salgado disse que os 2 milhões de doses de antivirais que a Espanha já havia encomendado, e que estarão disponíveis no primeiro semestre de 2006, serão –suficientes–. Quatro dias depois, entre fortes pressões do Partido Popular (de direita, na oposição) e de alguns cientistas, a Comissão de Saúde Pública, formada por representantes do ministério e das comunidades autônomas, concordou em adquirir de 6 milhões a 10 milhões de tratamentos antivirais, o que daria cobertura para aproximadamente 20% da população.

Em 20 de outubro, a própria Salgado disse porém que se estava dando –uma ênfase excessiva para a utilidade dos antivirais–. E acrescentou que a OMS não havia recomendado –nem vai recomendar qualquer porcentagem de população que deva ser coberta– por esse medicamento.

Responsáveis do departamento de Salgado e cientistas de todo o mundo também estavam reconhecendo que a eficácia do famoso Tamiflu se limita a 48 horas após o contágio de uma gripe comum e, no caso de um novo vírus resultante de uma mutação a partir do H5N1, ou outro, sua eficácia é desconhecida.

Em 18 de outubro, o comissário Kyprianou disse em Luxemburgo que na UE –ainda não alcançamos o nível de preparativos que deveríamos ter– diante da eventualidade de uma epidemia, e isso em todos os países-membros. O responsável europeu referia-se sobretudo aos estoques de antivirais. A afirmação do comissário saiu em grandes títulos em toda a Europa. Dois dias depois, o próprio Kyprianou se corrigiu ao indicar em Londres que –em quase todos– os países europeus havia estoques suficientes ou já se haviam feito os pedidos necessários para enfrentar uma epidemia.

Enquanto a confusão sobre os antivirais persistia --e persiste--, existe um acordo geral sobre a idéia de que a capacidade para fabricar e distribuir vacinas contra uma epidemia de gripe humana é insuficiente.

Em 26 de outubro a Agência Européia de Segurança Alimentar aumentou ao extremo a confusão sobre a gripe aviária, ao recomendar que não se consumam ovos crus. O comunicado da agência foi contraditório: –Até esta data não há evidências para sugerir que a gripe aviária possa ser transmitida ao ser humano por comer alimentos como frango e ovos–, afirmava de início. Mas em seguida acrescentava: –Como o cozimento destrói o vírus, só as pessoas que comem produtos de frango cru teriam esse risco, e já é uma recomendação usual evitar esses produtos crus, incluindo ovos–.

A Comissão Européia retificou a advertência no mesmo dia. –Não há risco no consumo de ovos crus, embora se deva dizer que existe um risco residual de outras infecções por seu consumo–, disse o porta-voz comunitário de Saúde e Proteção ao Consumidor, Philip Todd. (La Vanguardia, 5/11)

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