Biossegurança: posição do Brasil preocupa movimentos
2005-11-03
Considerado pela ONU o país com o mais elevado índice de biodiversidade do planeta, o Brasil será anfitrião em março de 2006 de dois encontros internacionais onde se decidirá de que maneira as principais nações irão lidar nos próximos anos com importantes temas ligados à biossegurança e à biotecnologia: o Terceiro Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3) e a Oitava Conferência das Partes da Convenção de Diversidade Biológica (COP-8).
Apesar de o Brasil ser signatário tanto do Protocolo quanto da Convenção, os movimentos sociais do país temem que o governo brasileiro assuma nos eventos do ano que vem em Curitiba uma postura recuada em relação a temas delicados como a liberalização, rotulagem e identificação transfronteiriça dos transgênicos ou a adoção de tecnologias de sementes suicidas como a Terminator, entre outros.
A desconfiança dos movimentos sociais em relação a postura que será adotada pelo Brasil na MOP-3 e na COP-8 aumentou em junho deste ano, durante reunião do Protocolo de Cartagena realizada em Montreal (Canadá). Naquela ocasião, o governo brasileiro foi contrário a uma resolução que tornasse obrigatória a rotulagem e identificação transfronteiriça dos transgênicos, além de ter atuado em bloco com países que normalmente não são seus aliados e compõem uma frente que tem uma maior visão de mercado em relação à biossegurança, como Austrália, Canadá e Nova Zelândia:
— Na delegação diplomática brasileira prevaleceu uma visão mais ligada aos ministérios da Agricultura, da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, ao invés da visão predominante nos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Sabemos que o governo Lula é um governo dividido, mas se a orientação do Brasil em Curitiba for a mesma de Montreal podemos esperar recuos - avalia Gabriel Fernandes, dirigente da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e da AS-PTA (Assessoria de Serviços e Projetos em Agricultura Alternativa).
Além de adotar um calendário de lutas que chame a atenção da sociedade para os temas ligados à MOP-3 e à COP-8, as entidades querem evitar surpresas quanto às propostas que serão defendidas pelo governo brasileiro nos dois encontros que acontecerão no Paraná. Por isso, pretendem iniciar ainda este ano um processo de discussão que torne claro o posicionamento do país em relação às principais discussões sobre biossegurança e biotecnologia:
— Temos de tentar influenciar a posição do Brasil antes que ela seja definida por um pequeno grupo ligado a este ou aquele ministério. É preciso construir um processo de negociação onde fique claro para o governo que ele está sendo vigiado pelas entidades representativas da sociedade - afirma Ângela Cordeiro, da ONG Centro Ecológico.
Na avaliação dos movimentos, no entanto, o processo de discussão com o governo tem data para acabar: janeiro de 2006, quando duas reuniões prévias à MOP-3 e à COP-8, a se realizarem em Granada (Espanha), deverão deixar claro o posicionamento oficial do Brasil. Os principais pontos de pauta previstos para essas reuniões são a adoção de critérios para a repartição dos benefícios decorrentes da comercialização dos conhecimentos das comunidades tradicionais e a discussão sobre uma nova redação para o Artigo 8J da Convenção de Diversidade Biológica, que define as formas como os países devem se precaver frente às inovações tecnológicas com impactos ainda desconhecidos sobre o meio ambiente e a saúde humana. Outros temas também serão discutidos e todos os países deverão sair de Granada com suas posições para a MOP-3 e a COP-8 definidas:
— Não somente no Brasil, mas em todos os países, os movimentos têm um prazo até as reuniões da Espanha para dialogar diplomaticamente com seus governos. A partir daí, tudo estará definido e o caminho é partir para a mobilização para reverter as piores posições - avalia o ambientalista canadense Pat Mooney, que acompanha as discussões internacionais sobre biodiversidade.
Caracas-Granada Um dos objetivos é fazer com que o Brasil não confirme em Curitiba algumas posições adotadas em Montreal:
— Faz tempo que, quando o assunto é biodiversidade e biossegurança, o governo brasileiro vem sofrendo uma clara inflexão à direita, apesar das esperanças depositadas no atual governo. No Canadá e até este momento o Itamaraty evitou da pior forma possível os contatos com os grupos de pressão da sociedade civil. É preciso rever algumas posições da delegação brasileira urgentemente - afirma a advogada Gisela Hathaway. Outro objetivo é fazer com que o Brasil não apareça com outras novidades, como no caso das sementes Terminator:
— A Lei de Biossegurança, recentemente aprovada pelo Congresso e atualmente em fase de regulamentação, fala em proibição da tecnologia Terminator, mas se refere a um tipo específico e não as suas variantes já existentes - revela Gabriel Fernandes, ressaltando que uma emenda à lei proposta pela AS-PTA e que solucionaria esse problema foi rejeitada no Senado:
— Infelizmente, não é impossível que o governo brasileiro volte a defender de alguma forma as sementes suicidas em Granada.
A uruguaia Silvia Ribeiro, do Grupo ETC (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração), lembra que as reuniões de Granada se realizarão nas últimas semanas de janeiro, mesma ocasião dos eventos do processo Fórum Social Mundial na Ásia, África e América do Sul:
— Temos que, por exemplo, estabelecer uma conexão permanente entre Granada e Caracas (Venezuela), onde estará acontecendo o FSM das Américas. Temos que fazer pressão e transformar Caracas numa caixa de ressonância do que acontece na Espanha - opina. Pat Mooney completa lembrando que, no caso do Brasil, a MOP-3 e a COP-8 coincidirão com um ano de eleições presidenciais:
— Entidades do movimento social de países com posições mais simpáticas aos transgênicos, como o Canadá e a Nova Zelândia, já avisaram que farão plantão em seus respectivos parlamentos enquanto durarem as reuniões de Granada. O Brasil poderia fazer o mesmo, e a repercussão seria grande por se tratar de um ano eleitoral - sugere.
Pressões e calendário Antes de janeiro, no entanto, os dirigentes dos movimentos pretendem procurar alguns personagens que podem influenciar na posição do Brasil nos encontros da Espanha. No Congresso, a idéia é travar discussão com os poucos parlamentares que têm atuação política na área de biodiversidade, de forma a buscar mecanismos de divulgação que possam esclarecer a sociedade como um todo. No Itamaraty, o diplomata Bernardo Veloso, que costuma representar o Brasil nas reuniões do Protocolo de Cartagena, foi identificado como peça-chave para definir a postura da delegação brasileira em Curitiba:
— Com este é preciso ter cuidado, pois é ele quem manda. É amigo dos transgênicos e sempre vai às reuniões da MOP acompanhado pelo representante do Brasil na OMC - disse um membro do governo, que preferiu não se identificar. No Palácio do Planalto, o alvo da busca por negociação das entidades será o secretário de Relações Internacionais, Marco Aurélio Garcia:
— O Garcia tem uma pauta diferente da do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores). Sua pauta é mais descontaminada das questões comerciais e diplomáticas - afirma Ângela Cordeiro, explicando a opção.
Reunidos em Florianópolis nos dias 21 e 22 desse mês, representantes de algumas das principais entidades do movimento social decidiram intensificar até março a pressão sobre o governo, realizando em todo o país algumas mobilizações ligadas a temas relativos à biodiversidade, biotecnologia ou biossegurança. Outra decisão foi estabelecer canais de comunicação entre as diversas frentes de luta, conectando as mobilizações e compondo uma rede que ao mesmo tempo seja ampla e não ignore nenhuma questão específica. Veja abaixo alguns dos eventos que, na avaliação das ONGs, são prioritários no calendário de discussões até a MOP-3/COP-8 de Curitiba:
Novembro Cúpula dos Povos – 1 a 5 - Mar Del Plata (Argentina) Conferência Nacional de Diversidade Biológica - data a confirmar - Florianópolis
Dezembro Diálogo Andino-Amazônico – 1 a 4 – Cruzeiro do Sul (Acre) II Conferência Nacional de Meio Ambiente – 10 a 13 – Brasília
Janeiro Reuniões Preparatórias MOP-3/COP-8 – 23 a 27 e 30 a 3 de fevereiro – Granada (Espanha) FSM – segunda quinzena – Caracas (Venezuela) Reunião Preparatória Sociedade Civil – data a definir – Curitiba
Fevereiro Reunião do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) – data a definir – Brasília. (Agência Carta Maior, 01/11)