País opta por energia cara e poluidora
2005-11-01
No País com o maior potencial hídrico do mundo, as usinas termoelétricas podem ser a saída para evitar uma possível crise de abastecimento de energia. Com dificuldades para obter a licença ambiental prévia das hidrelétricas, o governo voltou as atenções para a eletricidade gerada a partir do óleo diesel, óleo combustível, gás natural e carvão, cuja energia é mais cara e o processo de produção mais poluidor. Até a semana passada, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, havia protocolado 166 térmicas interessadas em participar do leilão de energia nova, marcado para 16 de dezembro. Juntas, elas teriam capacidade para gerar 47 mil megawatts (MW) de energia. Enquanto isso, apenas 44 hidrelétricas e 23 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) estavam na lista para disputar o leilão.
Entre elas, estão as 13 usinas que ainda serão concedidas ao mercado e as unidades que foram licitadas no governo passado e não tinham contrato de venda de energia até a publicação do novo modelo do setor elétrico. Algumas já estão em funcionamento e outras em construção. Mas há também aquelas que continuam no papel por causa dos problemas ambientais. Das concessões que serão dadas neste ano, apenas cinco têm licença ambiental.
As demais, se não conseguirem autorização até 6 de dezembro, ficarão fora do leilão. Essa regra vale para todos os empreendimentos que participarão do evento, sejam térmicas ou hidrelétricas. O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, ressalta, no entanto, que as usinas protocoladas ainda passarão por uma análise e somente participarão do leilão se forem competitivas.
Além disso, as térmicas devem funcionar como complemento às hidrelétricas existentes. Ou seja, funcionariam em momentos críticos. As empresas receberiam uma receita fixa para remunerar o investimento. Mas se houver necessidade de a usina entrar em operação, o governo (leia-se consumidor) pagará o combustível. Para especialistas, os problemas de abastecimento já começariam em 2009, por causa da paralisia nos investimentos, e exigiriam a entrada em operação das térmicas. Apesar disso, o governo descarta a possibilidade de uma nova crise, como a que levou ao racionamento em 2001.
Na avaliação do diretor do Departamento de Infra-Estrutura da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Luiz Gonzaga Bertelli, de repente surgiram dois mundos diferentes: um sem crises, desenhado pelo governo, e outro cheio de incertezas. Ele é cético quanto às garantias apresentadas:
— O governo estava fazendo seu planejamento em cima de térmicas a gás, embora ninguém mais ignore a falta de oferta do combustível.
Por esse motivo, o governo quer levantar a bandeira de termoelétricas bicombustíveis, movidas a gás natural e diesel, por exemplo, completa Flávio Neiva, presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage). Ele alerta que, além do custo elevado do diesel, o País não tem logística para entregar o combustível. De acordo com os dados da EPE, 76 térmicas movidas a óleo diesel e 62 a óleo combustível foram protocoladas para participar do leilão.
— Há uma inundação de candidatos com as energias mais poluidoras possíveis - reclama o vice-presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), Eduardo Carlos Spalding. Do ponto de vista de competitividade, acrescenta, o País está dando um tiro no pé.
Segundo o executivo, as 17 hidrelétricas escolhidas pelo governo para licitar neste ano não são os melhores aproveitamentos do País. Quatro delas já foram até descartadas do leilão por causa das dificuldades ambientais.
— Ou tornamos viável o inventário de usinas boas e grandes, ou teremos de encher o País de térmicas - avalia.
Na opinião do professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, o problema é que não deu certo a determinação do governo de obter licenciamento prévio de hidrelétricas antes das concessões.
— Temos uma pressão ambiental muito forte e que precisa ser solucionada, senão corremos o risco de ficarmos sem luz - afirmou, ressaltando que os órgãos ambientais estão fazendo o papel deles.
Indagado se está no grupo dos especialistas que acreditam em racionamento a partir de 2009, Pinguelli responde que não:
— Estou entre os especialistas que pensam que o País terá problemas de energia já a partir de 2008.
Mas ele afirma que isso dependerá do cenário econômico. Uma melhora na renda da população, diz, tem impacto imediato no consumo de energia elétrica. Isso porque as pessoas passam a comprar mais eletroeletrônicos.
Para Pinguelli, o governo precisa começar a pensar nas grandes hidrelétricas, como as do Rio Madeira e Belo Monte, no Rio Xingu. Mas, nos dois casos, as licenças ambientais são grandes obstáculos à construção. (O Estado de S. Paulo, 31/10)