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2005-10-31
A invasão da sede administrativa da Aracruz, no Espírito Santo, por um grupo de 200 índios tupiniquins e guaranis, no início do mês, teve repercussão tímida no Brasil. Mas na Europa, principal mercado da empresa, a notícia chegou rápido. Com a ajuda de uma ONG alemã chamada Robin Wood, imagens da ocupação eram enviadas, em tempo real, para os grandes clientes da Aracruz – maior produtora de celulose de eucalipto do mundo, com 97% da produção voltada para o mercado externo. O presidente da empresa, Carlos Aguiar, passou três dias em conferências via internet com investidores estrangeiros explicando a política da empresa em relação aos índios.

— Essa foi a primeira vez que tivemos uma invasão das instalações e pode representar o início de uma escalada - avalia o diretor de Meio Ambiente e Relações Corporativas da Aracruz, Carlos Alberto de Oliveira Roxo. Até então, os índios, que há mais de uma década travam uma disputa com a companhia, restringiam os protestos às terras propriamente ditas. Dos 254,8 mil hectares de área plantada da Aracruz, 11 mil estão invadidos pelos mesmos tupiniquins e guaranis, que lutam pela incorporação das terras à suas reservas, e 8 mil hectares estão ocupados pelo Movimento dos Sem Terra (MST).

A invasão da Aracruz nos dias 6 e 7 de outubro durou tensas 30 horas e deixou alguns dos principais executivos da companhia de plantão noite adentro, em meio a boatos de que poderiam ser seqüestrados.

— Esse nível de insegurança jurídica preocupa e pode perturbar o ambiente econômico, afastando investimentos. Mesmo que você tenha a documentação de compra das terras toda correta, não há nenhuma garantia. Nunca se sabe se vai haver um novo ciclo de expansão de reservas - diz Roxo.

A invasão acendeu um alerta também na Companhia Vale do Rio Doce, empresa que administra conflitos com índios de forma recorrente, ainda que não tenha sido registrada nenhuma invasão este ano.

— Eventos como o que aconteceu na Aracruz mudam bastante a percepção de risco no País - afirmou o presidente da Vale, Roger Agnelli. — O governo e a sociedade têm de prestar atenção nisso. Empresas que têm competitividade global e dominam mercados têm de ser protegidas e preservadas, não atacadas.

O presidente da Vale se defende de críticas sobre o impacto negativo dos grandes empreendimentos ao meio ambiente e às populações nativas.

— A Vale e as indústrias de papel e celulose investem mais em comunidades indígenas do que o governo federal, do que a Funai (Fundação Nacional do Índio).

Não chega a tanto, mas ainda assim são investimentos expressivos. Em 2003 (último dado disponível), a Vale investiu R$ 18 milhões em programas e projetos de apoio à comunidades indígenas. O investimento beneficiou 7 mil índios de 8 comunidades que vivem no entorno das minas de Carajás e ao longo da Estrada de Ferro Carajás, no sul do Pará.

Na Aracruz, os investimentos tampouco são desprezíveis. De 1998 até 2004, a Aracruz desembolsou R$ 22 milhões com as comunidades indígenas, seja por meio de contratos de compra de madeira e outros acordos comerciais, seja com ações voluntárias. Já o orçamento da Funai previsto para este ano é de R$ 90 milhões. Naturalmente, uma parte significativa é usada para custear a burocracia. Além disso, enquanto os recursos se destinam a todo o País, os investimentos privados são localizados.

A relação entre os índios e as grandes empresas foi batizada de conflito e cooperação pelo estudioso do assunto e professor de Estratégia Ambiental da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Célio Andrade. Autor de um livro sobre a relação entre Aracruz e índios, Andrade afirma que os índios que vivem no entorno de grandes indústrias acabam entrando na lógica econômica, virando fornecedores das empresas.

— Há um conflito permanente, com momentos de cooperação.

Na sua opinião, não resta às empresas outra saída senão incorporar esses atores no planejamento estratégico.

— Depois de muito apanhar, a Aracruz percebeu isso. Deixou de encarar a questão como problema técnico e passou a tratá-la como problema político. Criou-se uma nova diretoria para lidar com a questão e negociar de igual para igual com caciques.

Andrade acredita que essa atitude da companhia é responsável por manter uma relativa paz com os índios nos últimos oito anos. Em 1997, os índios iniciaram um movimento de ampliação de suas reservas, com uma demanda sobre 13,3 mil hectares da empresa. Apesar de uma recomendação favorável da Funai, o Ministério da Justiça concedeu apenas 2,3 mil hectares.

No início do mês, os índios apenas concordaram em desocupar a Aracruz quando o presidente da Funai, Mércio Gomes, chegou ao local com a promessa de retomar as discussões sobre os 11 mil hectares restantes. Na quinta-feira (27/10), ficou decidido que a Funai vai atualizar o estudo de 1997. A tendência, segundo a Funai, é de vitória dos índios.

— A expectativa é de que em 4 meses saia uma portaria garantindo a nossa posse das terras. Se sentirmos que estão nos enrolando, nós voltaremos a agir - ameaça o cacique Jaguareté Tupiniquim. (O Estado de S. Paulo, 30/10)

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