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2005-10-27
Lideranças de comunidades rurais e ribeirinhas se reúnem na cidade paranaense do Vale do Ribeira para definir estratégias contra o alagamento de suas terras previsto no projeto da usina hidrelétrica de Tijuco Alto. Na mesma semana, a dona do empreendimento, CBA, entrega Estudo de Impacto Ambiental ao Ibama.

Na manhã da última sexta-feira, 21 de outubro, cerca de cinqüenta pequenos agricultores de Cerro Azul, cidade paranaense localizada no Alto Vale do Ribeira, ocuparam o salão paroquial da igreja matriz da cidade para dizer não – e não era a proibição do comércio de armas de fogo no Brasil que estava sendo reprovada. Os presentes - a maioria deles lideranças comunitárias de bairro rurais nas aforas da sede municipal - disseram não à perda de suas terras, casas e plantações, localizadas nas margens do rio Ribeira de Iguape. Não à construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), cujo reservatório pode vir a alagar áreas de cinco municípios na região – as de Cerro Azul seriam as mais afetadas.

Os ribeirinhos de Cerro Azul querem resistir.
— Me criei na lavoura, até hoje tenho cisma da terra e não quero sair dali - diz José Teodoro Lambert, 74 anos, cuja propriedade compartilha com filhos e netos e na qual planta feijão, milho, mandioca, entre outros alimentos.

Ao seu lado, Ângelo Vitorino, também um agricultor de idade avançada, se levanta da cadeira e bate forte a mão no peito.

— Estou doente mas sou forte, sou contra a barragem e da minha terra só saio morto - se emociona, e se retira a passos rápidos da reunião - como que fugindo das próprias lágrimas.

No centro do furacão
Ângelo Vitorino, ao se retirar, ficou sem saber que o licenciamento de Tijuco Alto avança. Na semana passada, a CBA entregou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Tijuco Alto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O órgão federal tem agora até 60 dias para responder se o aprova ou não. Em caso positivo, abre a agenda para a realização de audiências públicas nos municípios envolvidos, eventos obrigatórios para a análise dos impactos socioambientais do empreendimento. Nesse caso, Ângelo Vitorino e outros lavradores de Cerro Azul deverão receber proposta para vender suas terras para a CBA.

A empresa comprou, entre 1988 e 1997, 379 imóveis em cinco municípios: Cerro Azul, Doutor Ulisses e Adrianópolis, no Paraná, e Ribeira e Itapirapuã Paulista, em São Paulo. Para formar os 56 quilômetros quadrados do reservatório, portanto, a CBA ainda teria que adquirir cerca de 250 imóveis. A maior parte deles está exatamente em Cerro Azul, município de 16 mil habitantes com mais de 3/4 de sua população vivendo na zona rural. É por isso que os ribeirinhos e pequenos agricultores de Cerro Azul são figuras centrais na novela de Tijuco Alto, que se arrasta há quase vinte anos. São também objeto de investidas dos empreendedores, como as ocorridas no final de julho e começo de agosto passado, quando a CBA convidou comunidades atingidas por Tijuco Alto a ouvir uma proposta de reassentamento antes mesmo da entrega do EIA da usina ao Ibama.

Presença estranha
A marcação cerrada continuou na reunião da semana passada. Em meio aos ribeirinhos e pequenos agricultores que se acomodavam no salão paroquial, estavam presentes representantes da CBA e da Cnec Engenharia, empresa responsável em conduzir o licenciamento ambiental da usina de Tijuco Alto. A presença estranha gerou tensão e constrangimento por quase uma hora, até que o grupo decidiu se retirar.

— Nós estamos a disposição para qualquer esclarecimento - despediu-se Pierre Proença, da CBA.

Com o fim do contratempo, as lideranças dos bairros rurais de Cerro Azul puderam traçar estratégias para informar suas comunidades sobre os prejuízos que uma barragem pode causar em suas vidas. E se comprometeram a lutar em parceria com as populações rurais do Médio e Baixo Vale do Ribeira, representadas na ocasião pelo quilombola José Rodrigues, da comunidade de Ivaporunduva, em São Paulo.

— Temos que nos unir para impedir que o rio Ribeira, um patrimônio de todos nós, de múltiplos usos, seja apropriado pela iniciativa privada para um uso exclusivo: gerar energia para uma fábrica de alumínio - defendeu José Rodrigues.

— É nosso dever trabalhar para que o Vale do Ribeira ganha um modelo de desenvolvimento sustentável e que promova a inclusão social.

Os ribeirinhos também puderam expressar suas preocupações. Muitos afirmaram que a presença da CBA na região já trouxe prejuízos para milhares de trabalhadores rurais, expulsos de suas casas após a empresa ter comprado centenas de propriedades ao longo do rio.

— Estimamos que 3 mil pessoas, entre ex-proprietários, meeiros, arrendatários e posseiros tenham perdido seus meios de sobrevivência - afirma Adriano Briatori, presidente da Associação Sindical dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar de Cerro Azul. Os problemas provocados pela aquisição de terras pela CBA em toda a região do Alto Vale do Ribeira, por sinal, foram detalhados pelo ISA em reportagem publicada em agosto passado.

Coisas sem cabimento
A agricultora Maria Madalena Marche, que vive no bairro Quarteirão dos Órfãos, no limite urbano da cidade, garante que teve prejuízo ao vender parte de suas terras para a CBA.

— Só fiquei com a herança do meu pai, que não vendo de jeito nenhum.

Dona Maria acha estranhas as visitas que têm recebido de pessoas que falam em nome da CBA.

— Me perguntam até se eu como feijão, frango, coisas sem cabimento. Eu faço cara feia e nem respondo - afirma. A moradora também relata que os supostos funcionários da CBA a teriam pressionado a vender suas propriedades, todas cercadas por terras já adquiridas pela companhia.

— Falam que se eu não vender logo vou ter que negociar barato.

Carlos Lourenço Furquim deu depoimento parecido.

— Em 2001 tentaram comprar minhas terras mas não houve negócio, o preço era muito ruim. Agora dizem que se eu não vender vão tirar minha terra na Justiça.

Seu Carlos ainda afirma que representantes de Tijuco Alto teriam ido a sua casa, quando ele não estava, para convencer sua esposa a vender a propriedade.

— O que eles não sabem é que minha terra dá meu pão e uma vida com dignidade, e isso ninguém vai tirar de mim - diz o agricultor, cuja casa está situada a 13 metros da beira do rio Ribeira.

Vale sustentável
O amor à terra expresso nas falas dos agricultores encontra explicação no passado e no presente. A população camponesa de Cerro Azul e de outros municípios do lado paranaense do Vale do Ribeira é, em geral, filha ou neta dos imigrantes europeus que lá chegaram no final do século XIX e início do século XX.

Desde então suas famílias vivem em pequenos lotes agrícolas nas margens ou próximos do rio Ribeira e de afluentes. São responsáveis, principalmente, por uma produção de frutas - em especial laranja e tangerina - que corresponde a mais de 6% da produção de todo o estado do Paraná, de acordo com estudo do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econônico e Social (Ipardes).

A agricultura familiar desenvolvida em Cerro Azul, além de ser uma marca da cidade, abastece os mercados da capital Curitiba e garante a renda da maioria da população. É um contraponto positivo a outros cenários encontrados no Vale do Ribeira, onde predominam áreas de pastos e latifúndios improdutivos. A própria região de Cerro Azul, por sinal, tem suas montanhas mais altas tomadas por plantações de pinus e eucalipto. (ISA - Instituto Socioambiental, 25/10)

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