Nanobiotecnologia é incógnita para o meio ambiente
2005-10-27
O desenvolvimento da nanotecnologia pode ter implicações ainda mais graves que o grande impacto social que certamente provocará com a prometida revolução nos modos de produção, na eficiência dos produtos e no mundo do trabalho. Organizações ambientalistas de vários países temem os efeitos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana que as nanopartículas liberadas na natureza possam provocar e alertam para os riscos que a associação da nova ciência com a biotecnologia - conhecida como nanobiotecnologia - pode trazer à humanidade num futuro próximo.
A nanobiotecnologia consiste na construção em laboratório de sistemas que integram em nanoescala elementos vivos e não-vivos, criando mecanismos programados para desempenhar tarefas específicas, também chamado pelos cientistas como máquinas vivas.
— Os cientistas ainda não sabem ao certo como as nanopartículas interagem na natureza e os experimentos realizados até agora com animais em laboratório são assustadores. Além disso, não se tem a mínima idéia de como as vidas molecularmente modificadas vão afetar as formas de vida naturais - alerta o ambientalista canadense Pat Mooney, que é dirigente do Grupo ETC (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração) e especialista no tema. Em visita ao Brasil, Mooney fez palestras em São Paulo e Porto Alegre e participou de uma discussão sobre esse e outros temas ligados à biossegurança num workshop que reuniu 28 organizações brasileiras e internacionais no último final de semana em Florianópolis.
O evento foi promovido pelo Grupo ETC, em parceria com o Centro Ecológico e apoio da Fundação Heinrich Böll, e teve como objetivo começar a armar a intervenção da sociedade civil no terceiro Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3) e na oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (COP-8) que acontecem em março de 2006 em Curitiba.
Os riscos à saúde trazidos pelas nanopartículas existem, por exemplo, no carbono, que promete ser o carro-chefe da nova indústria graças à eficiência dos nanotubos feitos com esse material desenvolvidos em laboratório. Resistente como o aço e seis vezes mais leve se reduzido à escala nanométrica, o carbono permitirá a produção de novos e poderosos produtos para funções isolantes e semicondutoras, entre outras.
Um estudo feito este ano pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, no entanto, revela que um grupo de camundongos expostos a nanotubos de carbono desenvolveram sérios danos no coração e na aorta. Além disso, quando injetados nos pulmões dos ratos, os nanotubos de carbono causaram lesões pulmonares que levaram alguns indivíduos à morte. Outro estudo feito nos Estados Unidos revelou que, quando jogadas em um tanque com água do mar, as nanopartículas conhecidas como fulerenos (esferas ocas de carbono em nanoescala) desencadearam em pouco tempo danos cerebrais em diversas espécies de peixe.
A maior preocupação dos ambientalistas quanto à saúde humana e dos animais deriva do fato de as nanopartículas terem enorme facilidade para se deslocar dentro de um corpo sem nem mesmo serem percebidas pelo sistema imunológico. De acordo com o livro Nanotecnologia – Os riscos da tecnologia do futuro (Editora L&PM), publicado este ano no Brasil pelo Grupo ETC, com 70 nanômetros, as nanopartículas podem se incrustar profundamente no tecido pulmonar; uma partícula de 50 nanômetros pode introduzir-se dentro das células sem serem notadas e partículas tão pequenas quanto 30 nanômetros podem atravessar a barreira do sangue do cérebro.
A toxidade das nanopartículas também é alta na natureza, pois elas têm maior capacidade de mobilidade e reatividade química a outros elementos. Os nanotubos de carbono, por exemplo, se dissolvem e reagrupam quando entram em contato com a água, o que aumenta a possibilidade de reações ou combinações químicas desconhecidas. Apesar dessas evidências, as pesquisas realizadas para se conhecer os riscos ambientais da nanotecnologia não chegam a 10% dos estudos feitos para fins comerciais.
Quando se trata de nanobiotecnologia, os riscos potenciais para o homem e o meio ambiente são ainda maiores e menos conhecidos. Financiados pelas grandes empresas, os cientistas desenvolvem mecanismos para controlar a plataforma manufatureira da natureza, assim como a sua capacidade de auto-reprodução, para fins industriais. Um exemplo citado no livro do Grupo ETC é o trabalho do cientista Carlo Montemagno, que criou um dispositivo de tamanho menor que um milímetro e feito com células de coração de rato combinadas com células de silício. A engenharia nanobiotecnológica fez com que um tecido muscular começasse a crescer sobre o esqueleto robótico de silício, permitindo ao mecanismo se mover como um ser vivo. As empresas acreditam que essa descoberta possa ser usada no futuro para aumentar a capacidade dos chips de computadores e criar mecanismos de inteligência artificial.
As possibilidades de combinação de materiais vivos e não-vivos parece infinita e suas aplicações podem se dar nos mais variados campos. Proteínas de cloroplastos de espinafre em nanoescala são usadas para criar circuitos eletrônicos alimentados por fotossíntese, o DNA de um vírus modificado possibilitou a produção em nanoescala de diminutos fios inorgânicos que podem ser usados em componentes eletrônicos de alta velocidade, a porta de carro feita com nanobiopolímeros incrustados com proteínas pode reparar a si própria depois de uma colisão.
Existem ainda pesquisas mais audaciosas, que pretendem reverter acidentes ambientais (como a bactéria desenvolvida em nanoescala para evaporar em minutos o óleo derramado sobre a água) ou combater as mudanças climáticas (como a nanopartícula de ferro aliada a um componente de um plâncton que baixa a temperatura da atmosfera).
Segundo o livro do Grupo ETC, as conseqüências da nanobiotecnologia são de tirar o fôlego, pois possibilitam a criação de não somente novas espécies e nova biodiversidade como também de formas de vida auto-replicantes que podem ser dirigidas digitalmente pelos seres humanos. O domínio das nanopartículas permite também aos cientistas controlar a produção de objetos de baixo para cima, ou seja, começando com a manipulação de átomos para formar moléculas e outras estruturas maiores. Seria um sistema de produção muito diferente do atual, que é feito de cima pra baixo, e significaria uma redução drástica no consumo de matéria-prima necessária à produção de um objeto.
Em relatório enviado ao presidente Geroge W. Bush, o diretor do Laboratório de Inteligência Artificial do Michigan Institut of Technology (MIT), Rodney Brooks, resumiu as maravilhosas possibilidades da nanobiotecnologia:
— A nossa meta nos próximos trinta anos é ter um controle tão apurado sobre a genética dos sistemas vivos que, em vez de fazer crescer uma árvore, cortá-la e fabricar uma mesa a partir dela, seremos finalmente capazes de fazer crescera própria mesa - escreveu.
Nova Era do Gelo
O perigo de que todo esse potencial não seja utilizado exatamente para melhorar a vida da humanidade é que assusta os ambientalistas:
— Todas as pesquisas bancadas pelas grandes empresas até agora ignoram as dimensões humana, ambiental e social da nanobiotecnologia, o que nos indica um cenário assustador. Além do caráter privatizante que terá a nova indústria, quem nos garante que esses conhecimentos não serão usados para o desenvolvimento de novos modos de repressão ou de armas muito mais letais? - alerta Pat Mooney.
O canadense fala também da possibilidade de criação de uma bomba étnica e outras armas:
— Aliando seus conhecimentos aos da genômica, a nanobiotecnologia pode criar uma bomba biológica que atinja somente determinado grupo populacional. A técnica que serve para copiar uma célula de carbono pode servir também para se recriar um vírus como o da varíola. O que acontecerá se essa técnica cair em mãos erradas? - instiga Mooney.
Apesar dos riscos evidentes, alguns países parecem apostar que a nanobiotecnologia vai ajudá-los a mudar o mundo. Os governos de Estados Unidos, Canadá e Chile, entre outros, já admitem estar fazendo pesquisas com nanopartículas com o intuito de desenvolver técnicas para combater o aquecimento do planeta. Segundo o Grupo ETC, cerca de 30 países já estariam fazendo pesquisas e testes de alteração climática a partir da utilização de nanopartículas:
— Os governos parecem se dar conta de que o Protocolo de Kyoto, no impasse em que se encontra, não será suficiente. Por isso, começam a se preocupar e partem em busca de novas soluções tecnológicas - avalia Mooney.
As pesquisas divulgadas até aqui, no entanto, são mesmo de assustar. Único país a admitir ter realizado testes de campo, os EUA relataram uma experiência feita no ano passado na qual derramaram sobre a superfície do oceano - numa região entre a Nova Zelândia e a Antártida - um composto de nanopartículas de ferro, outros materiais e uma espécie de plâncton. O composto passou a absorver rapidamente dióxido de carbono da água, ocasionando o esfriamento da atmosfera. Responsável pela pesquisa, o Departamento de Energia do governo dos EUA afirmou que a experiência foi extremamente bem-sucedida, mas ainda assim foi abandonada devido aos riscos que trazia:
— Espalhando uma pequena quantidade do composto de nanopartículas sobre uma área do mar, obtivemos excelente resposta no esfriamento da atmosfera. Se tivéssemos um só navio cargueiro cheio do composto, provocaríamos uma nova Era do Gelo - diz o relatório. (Agência Carta Maior, 25/10)