Bispo que fez greve de fome diz que confia na palavra do presidente
2005-10-27
Contra as palavras duras do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que se declarou contrário à revitalização e defendeu o início das obras de transposição do Rio São Francisco após a superação de impasses judiciais - com ou sem a realização de novas greves de fome contra o projeto -, o bispo do município baiano de Barra, dom Luiz Flávio Cappio, optou pela tolerância e humildade franciscanas. Com simplicidade nas palavras e sem demonstrar o mínimo de agressividade política, ele desautorizou o ministro, ontem, em coletiva à imprensa concedida em Salvador.
— Vou tratar do assunto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda esta semana. Foi o presidente quem me garantiu que o projeto seria mais claramente discutido e que, no momento, prioridade seria dada à revitalização do rio - declarou.
Antes da coletiva, dom Cappio fez uma exposição apontando os pontos negativos do projeto, sobretudo do ponto de vista social, no segundo dia da 43ª assembléia da regional três da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que engloba os estados da Bahia e Sergipe e termina hoje. Questionado por um religioso se as palavras do ministro Ciro Gomes poderiam provocar uma nova greve de fome - o bispo de Barra ficou 11 dias sem se alimentar, em Cabrobró (PE), em protesto contra a transposição -, o franciscano disse que prefere acreditar na palavra do presidente.
— Quero acreditar que o governo vai honrar o que foi acordado lá em Cabrobró. Quero acreditar na honestidade do governo. Se não acontecer, vamos pedir ao Espírito Santo que nos ilumine - ressaltou o religioso, que fez questão de detalhar o acordo feito com o presidente da República, através do ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner.
— Ficou acertado, em uma negociação longa, de cinco horas, com telefonemas ao presidente, que haveria um amplo debate sobre o projeto que está aí, que haveria investimentos anuais na revitalização e que seria elaborado um projeto alternativo dentro do princípio do desenvolvimento sustentável, coisa que a transposição não abrange.
A exposição de dom Cappio foi atentamente assistida pelo presidente da CNBB, dom Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador e arcebispo do Brasil. O bispo de Barra disse que o projeto só beneficia o Nordeste setentrional, quando cerca de 30% do semi-árido nordestino está na Bahia, que é um dos estados doadores de água.
— Ao invés de se gastar R$4,5 bilhões na transposição, o governo poderia investir em projetos de menor custo que possam beneficiar todo o semi-árido, como a construção de cisternas.
Ele também negou que desconheça o projeto, como insinuou o ministro Ciro Gomes.
— Se apresentaram o projeto errado, o fizeram para todo mundo - respondeu, acrescentando que a transposição, como está sendo proposta pelo governo do PT, não beneficia a população mais carente.
— O problema não é a quantidade de água que vai ser desviada. Mas, sim, o endereçamento dessa água, que não vai atender aos pobres, mas sim a quem menos precisa, como os produtores de camarão - denunciou.
Dom Luiz Flávio Cappio alertou que, se o governo federal levar adiante a transposição, estará decretando a morte do Velho Chico.
— Antes de pensarmos em qualquer possibilidade de transposição, é preciso que o governo faça a revitalização - reafirmou o religioso. Ele anunciou ainda que aguarda até sexta-feira que o presidente Lula o convide para uma audiência para tratar do assunto, em Brasília. O religioso disse que não vai fazer juízo do governo federal até o encontro com o presidente.
O vice-presidente da regional três da CNBB, dom Mário Sivieri, bispo da cidade sergipana de Propriá, também defendeu a revitalização.
— A posição dos bispos da Bahia e de Sergipe é a favor da revitalização há muitos anos. Somos críticos da transposição, a não ser que ela seja exclusiva para consumo humano - afirmou, acrescentando que o governo passado nunca consultou a entidade sobre o projeto.
Dom Geraldo Majella Agnelo defendeu a mesma posição, em nome da CNBB.
— O que é necessário é a revitalização. Em caso de transposição, queremos a garantia de que a população mais carente do semi-árido será beneficiada.
A assembléia que reúne os 28 bispos da Bahia e Sergipe termina hoje.
Em Brasília, o secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Odilo Scherer, reagiu às afirmações do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, de que as obras para a transposição do Rio São Francisco aguardam somente a licença ambiental para serem iniciadas.
— Seria importante que o governo ouvisse e levasse em conta o anseio da sociedade - afirmou. O bispo de Jales, no interior de São Paulo, dom Demétrio Valentini, classificou o projeto como uma aventura do governo, que com recursos parcos, vai investir num megaprojeto, com resultados duvidosos e destinação ambígua. (Correio da Bahia, 26/10)