Amazônia Ocidental sofre com a maior seca em 102 anos
2005-10-26
– No oeste da Amazônia, no Acre, por exemplo, pelo menos pelos registros mais
confiáveis que temos, esta é a seca mais forte em 50 anos. Já o rio Negro na
região de Manaus, esteve tão baixo apenas quatro ou cinco vezes em 102 anos
de registros-, avalia o pesquisador Carlos Artur Nobre, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele explica que a causa principal do
fenômeno seria um aumento entre um e dois graus das águas do Atlântico, ao
norte da América do Sul, o que acarretaria uma grande concentração de chuvas
nesta região. O resultado seria um movimento descendente do ar em regiões
próximas, como a Amazônia, e, conseqüentemente, a diminuição da formação de
nuvens.
Nobre mantém a cautela em relação a estabelecer neste momento algum tipo de
relação direta entre o aquecimento global e a falta de chuvas na região, que
usualmente detém os maiores índices pluviométricos e mais de 20% da água
doce do planeta. Para o especialista, o fenômeno pode ser considerado uma
variabilidade natural do clima. Mas admite que o desmatamento e as
queimadas também podem contribuir parcialmente para a seca. E lembra que
existem trabalhos científicos que indicam que a fumaça das queimadas também
pode dificultar a formação das nuvens. – Essas são sugestões teóricas que
ainda carecem de uma comprovação, mas também não podem ser eliminadas e têm
de ser levadas em conta. [O desmatamento e as queimadas] não são o motivo
principal, mas podem ser fatores que intensificaram, na minha opinião, um
pouco, a seca-.
Para o ecólogo Paulo Moutinho, coordenador de Pesquisa do Programa de
Mudanças Climáticas da organização não-governamental Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (Ipam), no caso específico da Amazônia e dessa seca,
você tem, sim, um agravante que é o desmatamento . Ele aponta que, a grande
ameaça para a floresta é a conjunção entre fatores climáticos planetários e
os problemas locais, como a derrubada indiscriminada das árvores.
Moutinho explica que quase 50% das chuvas que caem sobre a região vêm da
chamada evapotranspiração da própria floresta, ou seja, do vapor de água
expelido pelas árvores para a atmosfera. – Se você remove a floresta e
substitui por pasto, por exemplo, essa capacidade de abastecer a atmosfera
com o vapor que alimenta as nuvens é bastante reduzida. Portanto, em eventos
globais como este, em uma Amazônia cada vez mais desmatada, estes eventos
tornam-se ainda mais intensos-.
Estudo do Ipam
O Ipam é uma das organizações responsáveis por um dos maiores estudos já
realizados na Amazônia sobre mudanças climáticas. Seus pesquisadores
cobriram com painéis um hectare de terra em uma área localizada em Santarém
(PA), a 930 quilômetros de Belém, para limitar a oferta de água às árvores
no período de chuvas mais acentuadas. Iniciado no ano 2000, o trabalho ainda
não está terminado, mas conclusões preliminares permitem afirmar que a
resistência da floresta tem limites e que as mudanças climáticas podem
causar prejuízos irreversíveis.
Secas prolongadas podem iniciar um ciclo vicioso capaz de fragilizar a
floresta até extremos perigosos. O desmatamento e as queimadas diminuem a
evapotranspiração, que diminui a intensidade das chuvas, o que, por sua vez,
torna a vegetação mais seca e suscetível às queimadas. Novos incêndios
florestais produzem fumaça, que dificulta a formação de nuvens. Durante o
processo, a taxa de mortalidade das grandes árvores, as principais
responsáveis pela manutenção da umidade no interior da floresta, pode
aumentar e, com isso, diminuir sua capacidade de regeneração.
A imensa maioria dos grandes e pequenos produtores rurais na Amazônia usa a
queimada para preparar a terra. De acordo com o Ipam, quase a metade dos
incêndios em florestas na Amazônia são involuntários, causados pela
propagação acidental do fogo a partir de uma área já desmatada que estava
sendo limpa.
Problema político
– O que aconteceu agora é mais ou menos o que está previsto pelos modelos
climáticos. Daí a tentativa de associar esses episódios com as mudanças
climáticas. Mas não há comprovação-, avalia Moutinho. Ele considera que, no
mínimo, a seca que está ocorrendo na Amazônia é um indício bastante forte e
um alerta para o problema do aquecimento global. O pesquisador lembra que,
hoje, há 30% mais gás carbônico na atmosfera, o principal causador do efeito
estufa, do que existia antes da Revolução Industrial, no século XVIII. Nos
últimos cem anos, a temperatura média da Terra aumentou em 1 grau
centígrado, o suficiente para causar várias alterações no clima.
Paulo Moutinho é um dos autores, com Márcio Santilli, do ISA, e com Carlos
Nobre, do Inpe, de uma proposta para incluir metas de diminuição do
desmatamento no Protocolo de Kyoto, o tratado internacional que entrou em
vigor, neste ano, e traz metas para a diminuição das emissões de gases
poluentes causadores do efeito estufa. Os responsáveis pela proposta
consideram que, mesmo sem a comprovação científica de que a ação do homem já
esteja influenciando nas mudanças climáticas, é preciso realizar
imediatamente todos os esforços possíveis para evitá-las e mitigá-las.
O secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, o físico José
Goldemberg, uma das maiores autoridades brasileiras em questões energéticas
e nucleares, lembra que a Convenção do Clima, de 1992, declara em um de seus
artigos que a ausência de uma certeza científica completa não deve impedir
medidas de mitigação. – O que ocorre é que apesar da prudência de meus
colegas em afirmar que existe uma relação de causa e efeito entre o
aquecimento global e o Katrina, as enchentes na China, a seca na Amazônia e
por aí afora, não há a menor dúvida de que esse eventos climáticos extremos
estão aumentando e são interpretados como as primeiras indicações do efeito
estufa, as primeiras pegadas. Essas evidências estão se acumulando. Há um
grande número de cientistas que acredita nessa correlação. Ela não pode ser
demonstrada matematicamente ainda, mas vai nessa direção-.
Márcio Santilli cita o chamado princípio da precaução, consagrado em vários
tratados ambientais internacionais, que afirma que, quando não há certeza
científica sobre a segurança para o meio ambiente e para os seres humanos de
um produto ou de uma atividade, eles devem ser controlados ou mesmo
proibidos. O representante do ISA considera que as mudanças climáticas
precisam ser encaradas como um problema político e que é preciso uma
mobilização planetária para tentar frear o ritmo das emissões de gases
poluentes. – Não há prova, mas evidências de sobra, da correlação entre as
coisas. E, em legítima defesa da espécie, devemos cobrar providências
imediatas-, defende.
As conseqüências da seca
No dia 10 de outubro, o governo estadual decretou estado de calamidade
pública em todas as 61 cidades do Amazonas. No Pará, 11 municípios já
decretaram estado de emergência e dois estão em situação de alerta. Por
causa da diminuição do volume dos rios e da contaminação provocada pela
morte de toneladas de cardumes de peixes, mais de 167 mil amazonenses e 92
mil paraenses estariam sendo afetados pela falta de água potável, comida e
transporte. As informações são do Ministério da Integração Nacional e do
governo do Pará. Mais de 25 mil pescadores, cerca de 20% do total, estão sem
trabalho, e 600 escolas já fecharam as portas no Amazonas.
Na quarta-feira, dia 19 de outubro, o ministro da Integração Nacional, Ciro
Gomes, sobrevoou as comunidades mais afetadas no Estado e anunciou a
liberação pelo governo federal de R$ 30 milhões, 50 mil cestas básicas, 130
kits de medicamentos e 18 toneladas de hipoclorito de sódio para tratar a
água. O governador amazonense Eduardo Braga (PPS) admitiu à imprensa local
estar preocupado com o abastecimento de água para Manaus e disse que os
efeitos da seca também deverão chegar ao Baixo Amazonas, sobretudo nos
municípios de Maués, Boa Vista do Ramos, Nhamundá e Silves, atingindo mais
87,5 mil moradores nestes locais.
Entrevista José Goldemberg: Contribuição do Brasil é reduzir desmatamento
ISA - Como o senhor avalia a posição brasileira em relação às mudanças
climáticas?
José Goldemberg – O Brasil, excluindo o que se passa na Amazônia neste
momento, é pouco importante na emissão de gases de efeito estufa. Se
fizermos uma lista dos maiores emissores de gases que provocam o efeito
estufa, o Brasil ocupa a décima oitava posição. E as emissões de gases de
efeito estufa são aproximadamente 1% do total mundial, apesar de a população
brasileira representar 3% da população mundial. É um emissor pequeno. Isso
foi refletido no Protocolo de Kyoto, no qual países como Brasil, e outros
países em desenvolvimento como Índia e China foram excluídos das obrigações
de reduzir as emissões. Assinado em 1997, o protocolo entrou em vigor em
2005, com atraso de 8 anos, e há dúvida se os compromissos assumidos pelos
países de primeiro mundo vão ser cumpridos. Ou seja a situação não é boa.
Com o que está ocorrendo na Amazônia [desmatamento e queimadas], o Brasil
deixa o 18º e passa para o 4º lugar na lista dos maiores emissores de efeito
estufa. Assim, a contribuição que o Brasil pode dar para a redução dos
problemas globais provocados pelo efeito estufa seria reduzir o
desmatamento.
ISA- E quais são as estratégias do País em relação às mudanças climáticas?
José Goldemberg - O Brasil não tem estratégias para mudanças climáticas. A
estratégia fundamental tem de ser centrada em torno de ações na Amazônia. É
a grande contribuinte. O resto do sistema é relativamente adequado. Mas o
pior é que o governo federal jamais aceitou limitações nas emissões
brasileiras, se escudando nas resoluções de Kyoto. Em dezembro, haverá a
conferência internacional da ONU sobre mudança climática em Montreal, no
Canadá, que vai rever o estado da aplicação do protocolo. A proposta que o
governo de SP vai levar por meio de seus representantes, e eu serei um
deles, será que apesar de o Brasil não ter obrigações de reduzir suas
emissões, que a conferência de Montreal tome a decisão de renegociar o
Protocolo de Kyoto, de modo que sejam criados mecanismos para que países
como o Brasil, China e Índia adotem medidas para reduzir suas emissões de
gases de efeito estufa. Mesmo que não sejam obrigatórias, os países
adotariam métodos voluntários. Nossa proposta é de que os grandes bancos
internacionais de fomento negociem com estes países no sentido de adotarem
metas voluntárias de redução. Então, essas instituições financeiras
estabeleceriam programas de estímulo à realização de outras atividades que,
no caso do Brasil, não provocassem o desmatamento da Amazônia. O Brasil,
então, se proporia a fazer, voluntariamente, um grande esforço para
estabelecer metas de desmatamento anuais –por exemplo, 10% no ano que vem,
20% no outro - e os bancos internacionais colocariam recursos para programas
de desenvolvimento da Amazônia encorajando, por exemplo, atividades mais
industriais. Sob esse ponto de vista, acho que a Zona Franca de Manaus é
algo que protege a Amazônia. Embora o estado do Amazonas seja o que menor
indice de desmatamento registra entre todos os outros da região, creio que
atividades industriais em Manaus atraem a força de trabalho para a cidade.
O Brasil tem uma Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas,
secretariada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e o que tem feito é
apreciar projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Exerce um
trabalho basicamente burocrático. Que não é ruim, é bom, mas nunca propôs
coisas mais abrangentes.
ISA - Além das ações do governo federal de combate ao desmatamento, que
outras medidas podem ser tomadas?
José Goldemberg - O Estado de São Paulo, por exemplo, adotou duas medidas que
não vão resolver o problema da Amazônia mas vão ajudar. Em todas as
concorrências públicas será exigido que se a madeira vier da Amazônia,
deverá ser certificada. A segunda medida é a decisão de intensificar a
fiscalização para combater a entrada de madeira clandestina no Estado.
Mas
são coisas pequenas comparadas com o que está acontecendo na Amazônia. Afora
isso, o que se pode fazer é tentar melhorar a produção e o consumo de
energia. Isso não é o principal – o principal é a redução do desmatamento –,
mas está sendo feito. Há um esforço de usar energia com mais eficiência
porque à medida que isso ocorre é preciso construir menos usinas. Quando o
sistema brasileiro era basicamente hidrelétrico, a construção das usinas não
criava problemas para o efeito estufa. Acontece que agora, o sistema
energético brasileiro de eletricidade está se movimentando para fontes
térmicas, que são o gás natural e o carvão, que contribuem para o efeito
estufa, porque emitem gases. Além disso, acho que é preciso aumentar a
cobertura florestal fora da Amazônia. Não resolve o problema, mas
compensaria um pouco a perda da cobertura florestal lá.
(Ecoagência, 23/10)