Consumo consciente pode ajudar a preservar a natureza
2005-10-26
Desde sua fundação, em 1987, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec – vem se consolidando como uma referência na luta pelos direitos do cidadão de modo geral. Atenta à legislação e sabendo valer-se do acesso à Justiça, a entidade contabilizou vitórias importantes como o veto do Governo, em 1991, ao DES - Dietilestilbestrol, um hormônio utilizado na engorda de gado que tem propriedades cancerígenas. A luta foi mais longe e, dez anos depois, foi proibido o uso de qualquer anabolizante hormonal com o objetivo de ganho de peso animal. O Idec foi também o precursor em disseminar o conceito de consumo consciente, ou seja, decisões e procedimentos simples que, praticados pelos consumidores, contribuem para a racionalidade no uso dos recursos naturais. Nessa entrevista a AmbienteBrasil, reuniram-se quatro membros da equipe do Instituto - Sezifredo Paz, o coordenador executivo; e três advogados: Daniela Trettel, Paulo Pacini e Maíra Feltrin. Confira.
AmbienteBrasil – O Idec é autor, junto com o Ministério do Meio Ambiente, do Guia de Consumo Sustentável, lançado em 2000. Que práticas o consumidor pode adotar, em seu dia-a-dia, capazes de contribuir para a conservação dos recursos naturais?
Sezifredo Paz - Há várias formas de o consumidor contribuir. Desde separar o lixo a consumir produtos que não gerem mais lixo também (como recusar sacolas plásticas em feiras livres, levando sua sacola de lona). Muitas dicas podem ser retiradas do manual de consumo sustentável, disponível para download no site do Idec (http://www.idec.org.br/emacao.asp?id=480).
Ambiente Brasil - O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) analisou, entre 2001 e 2004, 4001 amostras de alimentos in natura. De todos os resíduos encontrados 71,5% estavam regulares, de acordo com a legislação vigente. Dos 931 resíduos irregulares, 83,4% eram de agrotóxicos não autorizados para a cultura analisada. O restante das irregularidades, 16,6%, era de resíduos encontrados em níveis acima do permitido pela legislação. Se a Lei Federal de Agrotóxicos (7802) não vem sendo cumprida - como afirma o próprio Idec em seu site -, se o Governo não fiscaliza, como pode o consumidor se defender?
Sezifredo - Primeiramente, gostaria de afirmar que o Idec entende que esse programa da ANVISA é um dos mais importantes na área alimentar, pois revela uma situação que interessa muito aos consumidores do ponto de vista da saúde. Portanto, deve ser mantido, apoiado e ampliado para mais estados e mais culturas. Com relação aos resultados é possível tirarmos as seguintes conclusões:
- A Lei Federal de Agrotóxicos (7802) não vem sendo cumprida e, por isso, o consumidor brasileiro está exposto a um risco sanitário inaceitável pelo mau uso dos agrotóxicos. Isso exige medidas rigorosas dos órgãos governamentais responsáveis (agricultura, saúde, meio ambiente, órgãos da classe agronômica);
- A elevada presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos de grande escala de consumo, como cenoura, alface e tomate, com níveis acima dos permitidos pela legislação ou o uso de pesticidas proibidos, é um problema nacional;
- 28 % das amostras apresentaram irregularidades em relação à presença de resíduos, o que é um nível elevado de contaminação. O fato de 83% das amostras apresentarem produtos agrotóxicos não autorizados para aquela cultura significa que os agricultores estão conseguindo comprar produtos de forma irregular, possivelmente sem receituário agronômico. Há falhas na fiscalização da venda e falta de uso e controle do receituário;
- 16 % com resíduos acima do limite permitido também é um índice alto e que põe em risco a saúde do consumidor, pois extrapola o limite tido como seguro pelos órgãos de saúde (OMS/FAO);
- Analisando o conjunto dos três anos, vemos que a maioria das culturas têm problema, algumas mantendo índices elevados de amostras contaminadas, como morango e alface. Outras um sobe e desce como tomate e laranja. Outras, embora com percentagens menores, mantém contaminações nada desprezíveis e constantes, como maçã e banana, que têm índices menores, mas também preocupantes. Mamão e batata vêm diminuindo, o que é positivo.
AmbienteBrasil – Que recomendações o Idec faz aos órgãos governamentais sobre este tema?
Sezifredo - A ANVISA e o Ministério da Agricultura devem reavaliar a autorização no País de determinados agrotóxicos que estão sendo comercializados e utilizados em culturas para as quais são proibidos e qual a responsabilidade das indústrias de agrotóxicos em relação a esse fato. As secretarias de agricultura e os CREAs devem fiscalizar com rigor o receituário agronômico. A ANVISA deve estimular e apoiar todas as Secretarias Estaduais de Saúde para que implantem o PARA em nível estadual. A ANVISA e as vigilâncias sanitárias devem exigir a identificação de origem dos produtos, de modo a rastrear cada amostra com análise em desacordo, responsabilizando todos os envolvidos, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor. A ANVISA deve, ao fazer as divulgações, fornecer informações completas sobre as características dos produtos (por exemplo, que tipo de mamão foi analisado), locais de coleta, nome do produtor e atacadista ou supermercado, dados por estado e município. Na medida em que forem sendo obtidos os resultados, a ANVISA deve divulgá-los à população para que o consumidor possa evitar o consumo dos produtos contaminados. A ANVISA deve fornecer subsídios para que as recomendações aos consumidores que são dadas pelos meios de comunicação, a partir da divulgação dos seus resultados, não sejam incompletas ou erradas do ponto de vista técnico ou de como agir em relação ao problema. (exemplo: deixar de falar da alternativa de comprar orgânicos ou dar como solução a lavagem dos alimentos).
AmbienteBrasil – E quais as recomendações aos consumidores?
Sezifredo - Os consumidores (suas associações) devem exigir e apoiar a fiscalização da venda e uso dos agrotóxicos e o monitoramento dos resíduos em todos os estados e anualmente analisar os relatórios dos programas. Devem também buscar alternativas de abastecimento mais seguras, como os produtos da agricultura orgânica. Essa recomendação é extremamente importante no caso de alface, morango, mamão e tomate. Dê preferência para compra de frutas e verduras da época. Fora da estação adequada é quase certo que uma fruta, verdura ou legume tenha recebido cargas maiores de agrotóxicos. É por isso que, quando você não encontrar tomate, cebola ou outros produtos na feira orgânica, é porque não está na época deles. E, você poderá escolher outro produto que os substitua em termos nutricionais. Como ainda existe pouca fruta produzida organicamente, procure sempre descascar as frutas, em especial as laranjas, os pêssegos e as maçãs.
Alguns resíduos de agrotóxicos repousam nas cascas. Lave bem as frutas e verduras em água corrente durante pelo menos 1 minuto ou coloque-as numa solução de água (1 litro) com um pouco de vinagre (4 colheres), durante 20 minutos. Mas lembre-se: como muitos agrotóxicos são sistêmicos, ou seja, quando aplicados nas plantas circulam através da seiva por todos os tecidos, descascar e lavar frutas não garante a eliminação total dos resíduos de agrotóxicos. Retire folhas externas das verduras que, em geral, concentram mais agrotóxicos. Diversifique nas hortaliças e frutas. Além de propiciar uma boa mistura de nutrientes, isso reduz a chance de exposição a um mesmo agrotóxico empregado pelo agricultor. Dê preferência aos produtos nacionais e de sua região. Alimentos que percorrem longas distâncias, como os importados (Argentina, Chile, Espanha, etc.), normalmente são pulverizados pós-colheita e podem possuir um alto nível de contaminação por agrotóxicos. Qualquer suspeita de intoxicação quando da ingestão de hortifrutigranjeiro como dor de cabeça, vômito, diarréia, denunciar à Secretaria da Saúde/Vigilância Sanitária mais próxima. Se não forem tomadas medidas, procure o Ministério Público ou os órgãos de Defesa do Consumidor.
AmbienteBrasil – O Instituto está conduzindo a campanha Queremos o banimento do amianto, inclusive com abaixo-assinado à Presidência da República. Por que essa solicitação radical? As leis que regulamentam o uso e fabricação deste produto não são eficazes?
Sezifredo - Considerado mágico por ser muito flexível, durável, resistente a altas temperaturas e principalmente barato, o amianto, ou asbesto, é amplamente utilizado na fabricação de telhas, caixas dágua, placas de revestimento, painéis, tubos e outros produtos para a construção civil. É usado também na indústria automobilística, para confecção de produtos de fricção, como discos de embreagem, pastilhas e lonas de freios; em artigos têxteis (mantas de isolamento térmico e roupas especiais resistentes a altas temperaturas); em produtos de vedação (juntas, guarnições e massas especiais); em filtros (usados na indústria farmacêutica e de bebidas, por exemplo); em revestimento de pisos vinílicos etc. Ao contrário do que quer fazer crer a indústria do amianto, seu uso provoca sérios danos à saúde, em especial a dos trabalhadores diretamente expostos às suas fibras, e ao meio ambiente.
Devido às pressões do mercado e a uma crescente tendência mundial ao banimento, várias empresas já o substituíram. Outras ainda resistem e fazem pressão para evitar a proibição. Para o Idec, a substituição do amianto só traria benefícios para a sociedade. E enquanto não se definem leis para proibir seu uso, cabe aos consumidores empregar o seu poder de escolha para pressionar as empresas a adotar práticas socialmente responsáveis. Amianto ou asbesto são nomes genéricos de um grupo heterogêneo de minerais que podem ser facilmente separados em fibras. Entre as principais variedades de asbestos estão a crisotila (também chamada asbesto branco), pertencente ao grupo das serpentinas; a crocidolita (asbesto azul), a amosita (asbesto marrom), a antofilita, a tinolita e a tremolita, pertencentes ao grupo dos anfibólitos, cujo uso é proibido no Brasil desde 1995 (Lei no 9.055/95). A crisotila, no entanto, continua sendo explorada. Empresas alegam que essa variedade não é tão prejudicial à saúde. Mas a literatura médica está repleta de evidências que comprovam o contrário.
AmbienteBrasil – Quais?
Sezifredo - De acordo com relatório do professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e atual presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho René Mendes, feito em 2000 a pedido do Idec, o amianto crisotila está diretamente relacionado a várias doenças pulmonares. Quando inaladas, as fibras do mineral se depositam no pulmão e causam asbestose, ou pneumoconiose. A doença, que pode levar até dez anos para se manifestar, provoca sério e progressivo comprometimento da capacidade respiratória, podendo evoluir para o câncer de pulmão. De acordo com o relatório, a exposição ao asbesto é a mais importante causa de câncer pulmonar relacionado ao trabalho. Entre os expostos ao amianto também são comuns casos de mesoteliomas (tumores benignos ou malignos que surgem nas camadas de revestimento do pulmão, coração e abdome), derrame pleural (acúmulo de líquido no espaço pleural) e o surgimento de placas ou espessamento da pleura devido à presença de líquido ou inflamação progressiva. Essas doenças podem levar até 30 ou 40 anos para se manifestar, são incuráveis, e a evolução dos sintomas leva inevitavelmente à morte. E, como afirma René Mendes, “não há limite seguro de exposição”. Em outras palavras, a única forma segura de prevenção é evitar o contato com o asbesto, em quaisquer concentrações.
AmbienteBrasil – O Idec também está recolhendo assinaturas pela aprovação do PL 5296/05, que institui diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Básico. Por que?
Daniela Trettel - A água é essencial para a manutenção da vida, da saúde e da higiene. As atividades que compõem o saneamento - captação e fornecimento de água tratada, acompanhada da coleta de esgoto e seu tratamento, destinação adequada dos dejetos sólidos, dentre outras - são essenciais para a garantia de vida digna ao ser humano. Sendo tema tão ligado ao bem-estar não só do consumidor, como também de todos os cidadãos, o Idec não poderia deixar de abordá-lo, lutando para que sejam implementadas melhorias para a sociedade. No Brasil, 45 milhões de pessoas não têm acesso à água potável de qualidade, 93 milhões de pessoas não têm acesso aos serviços de esgoto, 15 milhões sem coleta de lixo e as cidades não conseguem conviver com períodos de chuvas que ocasionam alagamentos e inundações pela forma inadequada do manejo de águas de chuva.
Não existe no Brasil uma legislação que organize o setor de saneamento e estabeleça diretrizes, sendo urgente a sua implementação. E o PL 5.296/05 foi elaborado com esse escopo. Esse projeto, construído no mais amplo processo de participação e discussão com todos os setores da sociedade, além de instituir as diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico, também define a Política Nacional de Saneamento Básico. Dentre outras medidas que estabelece, institui a participação e controle social; define o planejamento, a regulação e fiscalização dos serviços prestados como obrigatórios; garante os direitos dos consumidores e cidadãos à transparência das tarifas e dos subsídios cruzados; e garante que o acesso aos serviços de saneamento básico (água, esgoto, coleta, tratamento e disposição adequada do lixo, a drenagem urbana e o controle de cheias) seja direito do cidadão e dever do estado (União, Estados e Municípios).
AmbienteBrasil – Recentemente, o Greenpeace entregou ao Congresso Nacional um dossiê com análises de alimentos da Bunge e da Cargill, mostrando que em seus componentes há presença de organismos transgênicos. Isso não é, entretanto, informado ao consumidor nos rótulos destes produtos. O Idec tem algum trabalho nesse sentido?
Paulo Pacini - O Idec, e muitas outras organizações da sociedade civil, luta pela correta informação dos produtos transgênicos desde 1995, quando então surgia a Lei 8974/95, a primeira Lei de Biossegurança. Já em 1998, por conta da autorização da CTNBio para produção e comercialização da soja Roundup Ready, sem a realização de estudo de impacto ambiental e de segurança alimentar, foi ajuizada pelo Idec uma ação civil pública pedindo fossem declaradas tais exigências, além da correta rotulagem. Esta ação aguarda julgamento de recurso no Tribunal Regional Federal em Brasília.
Em 2001, por conta da edição do revogado Decreto 3.871/2001 (que estipulava o mínimo de 4% de transgenia para a exigência de rotulagem), o Idec e o Ministério Público Federal de Brasília ajuizaram ação civil pública exigindo a rotulagem dos produtos transgênicos independentemente de qualquer percentual. Referida ação aguarda sentença. O Idec também tem informado os consumidores sobre o assunto da forma mais ampla possível, em seu sítio eletrônico, em sua revista e em diversos eventos e comissões que participa. No que diz respeito aos alimentos transgênicos, é preciso salientar que vivemos hoje, no Brasil, em um contexto de total desrespeito às leis e ao consumidor, uma vez que estamos consumindo produtos transgênicos sem qualquer informação.
AmbienteBrasil – Que desafios o consumidor tem à frente hoje?
Maíra Feltrin - O consumidor hoje tem muito mais conhecimento de seus direitos, mas poderia ser melhor esclarecido. A educação para o consumo deveria ser melhor disseminada. Os problemas na relação de consumo são uma realidade cotidiana em maior ou menor grau. Ser conhecedor de seu direito e fazer com que lhe seja aplicada a corretamente a prerrogativa legal é, ainda, um desafio aos consumidores.
AmbienteBrasil – O Código de Defesa do Consumidor vem tendo uma aplicação aceitável? Maíra - O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor é uma das melhores legislações sobre o tema no mundo. A conquista pelos consumidores de fazer valer seus direitos cresceu muito desde o advento do CDC até os dias de hoje. Entretanto, algumas empresas ainda não arraigaram a seus procedimentos o conhecimento da legislação de proteção ao consumidor e continuam praticando condutas não adequadas aos princípios do Código.
(Por Mônica Pinto, Ambiente Brasil, 23/10/2005)